Chadwick Boseman tornou-se um astro tardiamente. O ator americano já tinha seus 35 anos quando foi escalado para interpretar o primeiro negro a jogar na Major League, a Série A do beisebol nos Estados Unidos: Jackie Robinson (1919-1972), um dos grandes ídolos desse esporte. Em seguida ao filme 42 (2013), protagonizou outra cinebiografia, a de James Brown (1933-2006), o rei do funk, em Get On Up (2014). Deu vida a um terceiro herói da vida real em Marshall (2017), sobre Thurgood Marshall, primeiro juiz negro a chegar à Primeira Corte.
Mas foi na pele de um super-herói dos quadrinhos, o Pantera Negra do universo cinematográfico Marvel, que realmente começou a brilhar. Hoje quarentão (fez 42 no último dia 29), Boseman abriu portas - talvez com mais facilidade do que os personagens históricos que encarnou. Em breve, viverá o único samurai de origem africana conhecido, Yasuke (em um longa homônimo), e será visto no novo projeto de Spike Lee, Da 5 Bloods, um drama sobre quatro veteranos da guerra do Vietnã que o cineasta prepara para a Netflix. Também estrelará um seriado de ficção científica, The Black Child, e voltará a ser T'Challa no seriado da Marvel What If? (2021) e em Pantera Negra 2 (2022).
Esse foi o passado recente e o futuro próximo de Chadwick Boseman. O presente - e que presente para o público! - é Crime Sem Saída (21 Bridges), thriller policial que entra em sessões de pré-estreia a partir desta quinta-feira (5). Produzido pelos irmãos Anthony e Joe Russo (a dupla por trás de Capitão América: Guerra Civil, Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato), trata-se do primeiro longa-metragem do diretor irlandês Brian Kirk, após assinar episódios de vários seriados, como Game of Thrones, Boardwalk Empire e Penny Dreadful.
Ao contrário dessas séries, Crime Sem Saída não é um filme de época, mas, de certa forma, é um policial à moda antiga. Você já viu essa história - a do assalto que se revela a ponta de um iceberg, a do tira íntegro que, como sua mãe diz, não tem medo de "olhar no olho do Diabo", mesmo que ele também vista farda. No entanto, tudo é feito com tanta competência e tanta paixão, que ao final da sessão dá vontade de que se transforme em uma franquia, seja no cinema mesmo, seja na TV, seja no streaming.
Boseman interpreta Andre Davis, detetive de Homicídios em Nova York. Ser policial, ele afirma, está no DNA: ele é filho de um morto em serviço, o homem que lhe ensinou a desenvolver sua natureza inquisitiva (o que lhe traz benefícios no trabalho) e a criar seu próprio código moral (o que lhe traz problemas no trabalho).
Davis será encarregado pelo capitão McKenna (J.K. Simmons) de comandar uma caçada a dois assaltantes - Ray (Taylor Kitsch) e Mike (Stephan James, também cativante) - que, em um primeiro momento, acham que tiraram a sorte grande, mas logo descobrem que deram um tremendo azar. Os 30 quilos de cocaína escondidos em um restaurante eram na verdade 300, e da pura, só que um grupo de policiais não demora a aparecer no local, dando início a uma carnificina (orquestrada com bastante realismo).
Por causa de elementos da trama e por se transformar em uma corrida de obstáculos contra o tempo, Crime Sem Saída parece uma cruza entre Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, e 16 Quadras (2006), de Richard Donner. Enxuto - dura uma hora e 40 minutos -, não oferece um único respiro ao espectador. Com contribuições fundamentais da câmera na mão, da montagem ágil e da trilha sonora, mantém a tensão lá no alto, o que ajuda a tapar a visão de uma certa previsibilidade e de alguns furos ou inverosimilhanças do roteiro. Não chegam a comprometer, porque o filme nunca subestima a inteligência do público: permite que a gente intua desde o início que, como fala Mike, "essa história está suspeita demais". A graça não está em revelações bombásticas, mas em como Andre Davis descobrirá o seu papel e o dos outros nesse jogo de gato e rato.
O tabuleiro vira um palco para Chadwick Boseman exibir seus talentos, como a movimentação fluida, o olhar algo sério, algo irônico, a expressão de quem não se assusta com nada, a voz rouca que empresta uma nobreza rústica aos diálogos. Eis um ator que exala hombridade. Aliás, essa dignidade remete tanto a seu papel de maior sucesso, o do rei T'Challa, quanto ao início de sua carreira. Em 2003, depois de apenas uma semana, Boseman foi demitido do primeiro trabalho que fez, a longeva soap opera (a novela americana) All My Children. O motivo ele só contou em janeiro de 2019: reclamou dos estereótipos raciais usados pelos roteiristas na construção de seu personagem, Reggie Porter, um adolescente integrante de gangue que é adotado pelo casal de protagonistas. Boseman perdeu o emprego, mas sua voz foi ouvida: o personagem sofreu modificações ao ser assumido por Michael B. Jordan, que viveu Reggie por três temporadas.
Quase 15 anos depois, os dois atores contracenariam em Pantera Negra (2018), que se tornou o primeiro filme de super-herói indicado à principal categoria do Oscar e que, com US$ 1,3 bilhão, é o recordista de bilheteria para uma produção com diretor, roteirista e elenco majoritariamente negro. Ou seja, dessa vez Chadwick Boseman não apenas abriu portas - as escancarou.