Então é Natal. O Congresso entrou em recesso e a votação apressada do pacote de corte de gastos ficou para trás. Na volta das festas, não se falará das modificações que emagreceram o pacote, mas da necessidade de novos ajustes em 2025 para conter a disparada do dólar. Antes que o ano termine é preciso dizer sem meias palavras: o Congresso manteve os privilégios das carreiras jurídicas, onde se concentram os supersalários, e deixou a conta exclusivamente para os pobres.
O Ministério da Fazenda calcula que o impacto das mudanças feitas pelo Congresso Nacional no pacote de corte de gastos foi de R$ 2,1 bilhões. O governo previa economizar R$ 71,9 bilhões nos próximos dois anos, mas, segundo a Fazenda, as alterações na Câmara e no Senado reduziram a economia para R$ 69,8 bilhões.
No trecho da Proposta de Emenda à Constituição que pretendia colocar freios nos supersalários, o Congresso aceitou a inclusão das verbas indenizatórias no teto salarial, que em 2025 será de R$ 46,3 mil, mas falta definir quais serão as exceções. Nada muda nos supersalários até que deputados e senadores votem um projeto de lei que indique quais ganhos devem compor o teto e que terá validade em todo o território nacional. O governo previa que elas fossem definidas por lei complementar, mais difícil de ser aprovada, mas o Congresso estabeleceu que será por lei ordinária. Não há data para essa definição.
Na prática, isso significa que deputados e senadores constitucionalizaram os privilégios e que seguiremos vendo magistrados, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas com aqueles contracheques que ninguém sabe como engordaram tanto, dado que nos portais de transparência aparecem apenas como “verbas indenizatórias”. Nessa categoria se incluem a venda de férias não gozadas (em carreiras que têm dois meses de férias), a conversão em dinheiro da licença compensatória (para quem não tirar uma folga a cada três dias trabalhados) e outros penduricalhos que não existem para os contribuintes de outras profissões.
Os deputados e senadores não foram generosos só com as carreiras jurídicas e com quem ganha acima do teto nos outros poderes, incluindo os ministros que participam do conselho de estatais e reforçam a renda com jetons. Rejeitaram a proposta de Haddad de barrar as emendas parlamentares quando houver perda de receita. É o velho “farinha pouca, meu pirão primeiro”. A votação foi retardada como forma de pressionar o governo a liberar as emendas represadas.
De onde sairão os quase R$ 69 bilhões, então? Da mudança na fórmula de cálculo do salário mínimo, que tem impacto direto nos benefícios previdenciários, e das restrições à concessão do Benefício de Prestação Continuada, menores do que o governo tinha proposto.
E se o dólar continuar subindo? Seguirá a pressão pela reforma administrativa, que o governo não mostra disposição para encarar, e mudanças na Previdência, que reduzam o déficit. Uma das mais exigidas pelo mercado é a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo, para a grande maioria dos aposentados que ganha somente um salário mínimo. Para os demais a correção já está limitada à inflação.