O que primeiro chama a atenção em Infiltrado na Klan é sua atualidade. Embora a fantástica trama de infiltração do policial Ron Stallworth na Ku Klux Klan tenha acontecido nos anos 1970, as semelhanças com certas palavras e atitudes do atual governo americano são muito evidentes para passar em branco. Só para ficar num exemplo: o chefe da organização que clama por supremacia branca, David Duke, não é um brutamontes idiota, mas um político sutil, com ambições de chegar ao poder. A analogia com Donald Trump fica por conta do espectador, mas não faltam dicas ao longo do filme (aliás, Duke foi apoiador da candidatura Jair Bolsonaro no Brasil).
Mas o que não falta neste mundo do cinema são filmes atuais e ruins. Spike Lee é, como se sabe, um cineasta militante: a causa negra é o centro de sua obra, que abordou não raro de forma radical. Cineasta militante não significa militante que toma a câmera e sai por aí filmando. Lee sabe o que faz a cada cena. Quando invoca ...E o Vento Levou, quando mostra o pessoal da KKK vibrando diante de O Nascimento de uma Nação (o insuperável drama racista que D. W. Griffith trouxe ao mundo em 1915), quando discute os filmes da “blaxploitation”, é de cinema que está falando. Ou, mais precisamente, de como o cinema pode influenciar o sentimento de superioridade racial de alguns (ou explorá-lo, ou eventualmente ajudar na sua superação).
Sabe também do que fala quando trata do racismo americano. Da história original de Ron Stallworth (John David Washington), aliás, surge o seu principal companheiro de aventura: Flip Zimmerman (Adam Driver, cada vez melhor). Um policial judeu. Ou seja: Ron se faz passar por um racista puro-sangue pelo telefone, enquanto Flip representa o seu papel quando é preciso estar diante do pessoal da Klan. E Flip, que mal sabe que é judeu, começa a perceber então a extensão e a natureza do racismo. Da soma dos dois (e mais alguns cúmplices) surge a perigosa trama. Temos aí, já, material para um tenso policial. Para completá-la faltava uma garota. E ela aparece na figura de Patrice (Laura Harrier), a bela militante radical por quem Ron toma logo a providência de se apaixonar. Problema: ela odeia tiras e não perdoa Ron por ser um deles.
Lee conduz a intriga nem sempre muito amorosa sem enfeites. No mais, todo o filme despreza enfeites, penduricalhos digitais ou não, colorismos sofisticados: opta pela abordagem direta de seus personagens. Eles se encarregam dos disfarces.
Pode-se discutir certas escolhas do diretor. Sempre é possível com filmes militantes. Mas nunca se pode negar sua adesão à realidade (mais que ao realismo). Lee completa seu filme com um documentário bem atual sobre o enfrentamento de 2017, em que manifestantes antirracistas foram atacados e alguns até mortos. Aquela manifestação de que Donald Trump disse que de ambos os lados havia pessoas de bem.
Pode ser: as imagens de Spike Lee gritam que não é bem assim. No documentário e na ficção gritam. E gritam no tom. Num ano tão cheio de nulidades é bem mais do que nada.