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Cinemateca Capitólio completa 10 anos com aumento de público de 157%, mas desafios à vista

Espaço que ajudou a revitalizar o centro de Porto Alegre exibe joias do audiovisual e preserva a memória da produção gaúcha

Carlos Redel

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Viemos quase todos os dias à Cinemateca Capitólio. Teve até um aniversário meu que passamos aqui vendo filme o dia todo — conta o doutorando em Filosofia Pedro Antônio Gregorio de Araujo, 29 anos.

Junto da mãe e companheira cinéfila — a aposentada Clementina da Silva Gregorio, 67 —, o estudante fez do espaço cultural sua "segunda casa", em suas palavras. Por ali, assistem a filmes, é claro, mas também fazem amigos, participam de debates, adquirem novos conhecimentos em cursos e estreitam ainda mais sua relação — com tantas obras assistidas, nunca falta assunto entre os dois.

Clementina, que já é conhecida pelo apelido Tina pela equipe da Cinemateca, recorda que sua primeira ida até o espaço foi na época do extinto Cine-Theatro Capitólio, nos anos 1980, para assistir a Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981). Como teve que se sentar na primeira fileira do antigo cinema, por conta da lotação, não gostou da experiência e decidiu não voltar. Mal sabia ela que, em 2019, retornaria ao prédio, desta vez com o filho, para ver o filme tchecoslovaco As Pequenas Margaridas (1966). Isso mudaria totalmente sua percepção sobre o local.

— Aqui é um abrigo da cultura — diz Tina, sentada em um dos sofás do Capitólio. — Tem muita coisa para aprendermos, os cursos, os debates. Aqui tem tudo para entrar realmente nesse mundo que é o cinema. Então, tem que preservar. Inclusive, antes da pandemia, teve um abraço aqui, porque queriam privatizar. E, claro, nós participamos.

Uma década de Cinemateca Capitólio

A história da mãe e do filho cinéfilos, que saem do bairro Floresta, no Quarto Distrito, quase diariamente para ver os filmes que a casa oferece é apenas uma das várias que ilustram os 10 anos da Cinemateca Capitólio, que foi inaugurada em 27 de março de 2015. 

Nesta década, mesmo com desafios como pandemia, enchente e a ameaça de privatização citada por Tina, o espaço cultural vem em uma jornada bem-sucedida.

Não é apenas com a exibição de filmes, mas também como um importante acervo de obras icônicas em película, seja em 8mm, 16mm ou 35mm. Estão por lá filmes como Verdes Anos (1984), Ilha das Flores (1989), Anahy de las Misiones (1997) e O Homem que Copiava (2003). O local ainda oferece empréstimo de filmes em DVD, documentos para consulta, biblioteca e uma cafeteria. Um complexo para quem ama cultura.

Mais de 36 mil espectadores em um ano

O prédio da Cinemateca Capitólio é quase centenário. Foi inaugurado em 1928, tendo uma trajetória marcada por glórias e decadência, incluindo um período como cinema pornô. Para chegar à atual configuração, o espaço pasou por uma reforma que parecia interminável — iniciada em 2004 e só concluída em 2015 —, já sob administração da prefeitura de Porto Alegre.

A estrutura sobreviveu. E, depois de tantos percalços, a equipe que leva a Capitólio adiante tem motivos para comemorar. O público, ano após ano, vem crescendo. Apenas em 2024, mais de 36 mil pessoas passaram pela sala de cinema do local, que tem capacidade para receber até 164 espectadores por sessão. Um feito e tanto para um dos poucos cinemas de rua remanescentes no país.

— Teve muita gente que veio conhecer depois da inauguração — destaca a coordenadora do Capitólio, Daniela Mazzilli, 38. — Tinha quem lembrava do que o avô falava, a avó, a mãe, o pai. Ficou no imaginário. No decorrer dos anos, nossa ocupação média foi subindo. Hoje, é em torno de 37 pessoas por sessão, um número bastante alto para o Brasil, onde, dependendo da região, tem uma média de 15. Para Porto Alegre, é uma taxa altíssima. Temos muito orgulho.

A conversa cotidiana é sempre muito importante para chegar neste ponto de você entender o que a pessoa quer ver sem que ela saiba disso, com um filme que ela nem imagina que exista

LEONARDO BOMFIM

Programador da Cinemateca Capitólio

Como funciona a curadoria

Este crescimento passa, também, pela seleção de filmes que é feita pelo programador Leonardo Bomfim, 40. Ele, que exerce a função desde a abertura da Capitólio, tem como missão encontrar obras interessantes, que agradem ao público cinéfilo, mas também atraiam uma plateia diferenciada. Para isso, está em pesquisa constante, acompanhando lançamentos e redescobrindo clássicos, além ficar de olho nas programações de outras cinematecas ao redor do mundo.

— Tem uma relação construída com o tempo em que você vai entendendo as pessoas que vêm e as que deixam de vir. A conversa cotidiana é importante para chegar a esse ponto de entender o que a pessoa quer ver sem que ela saiba disso, com um filme que ela nem imagina que exista. E, de repente, aquele filme é perfeito — salienta Bomfim.

Clássicos restaurados

O público segue em crescimento ano após ano, formando uma forte comunidade cinéfila na Capitólio: foi de 14 mil espectadores em 2016 para 36 mil em 2024, aumento de 157%. O bom momento, inclusive, será celebrado com a exibição gratuita de Um É Pouco, Dois É Bom (1970), de Odilon Lopez, no Largo dos Açorianos, neste sábado (29), às 20h.

A obra foi a primeira restaurada em uma parceria entre a Capitólio, a Indeterminações (plataforma de crítica e cinema negro brasileiro) e a Mnemosine Serviços Audiovisuais, com apoio do Itaú Cultural. É uma celebração da memória que está preservada no espaço cultural. O próximo da fila a passar pelo processo será Vento Norte (1951), de Salomão Scliar, primeiro longa-metragem gaúcho sonorizado.

Desafios pela frente

Mesmo com os pontos positivos, a Cinemateca Capitólio — que é gerida por meio de uma cooperação entre a Secretaria Municipal da Cultura (SMC) e a Fundação Cinema RS (Fundacine) — enfrenta desafios.

O mais urgente, no momento, é o sistema de ar-condicionado para algumas áreas do edifício, principalmente a administrativa, que fica no quarto andar. Devido ao calor no alto do verão, os profissionais que trabalham lá tiveram de encontrar outros espaços no prédio para se instalar.

Temos que sempre ter o cuidado com o mínimo, porque, senão, vai juntando e temos que fechar para fazer uma reforma gigantesca

DANIELA MAZZILLI

Coordenadora da Cinemateca Capitólio

— Como todo e qualquer espaço de cultura, estamos sempre em busca de melhorias — conta Daniela. — Temos que ter cuidado com o mínimo, porque senão os problemas se acumulam e temos que fechar para fazer uma reforma gigantesca. Agora, precisamos modernizar o sistema de climatização. Já conseguimos na sala de cinema, mas precisamos fazer no resto do prédio.

A verba para o novo sistema de climatização já foi obtida por meio de uma emenda parlamentar da vereadora Karen Santos (PSOL). O espaço está passando por um estudo de viabilidade técnica, e a instalação deve ocorrer nos próximos meses.

Outro desafio apontado por Daniela é encontrar um novo mantenedor para ocupar a vaga deixada pela Petrobras, que injetou verbas na Cinemateca entre 2017 e 2019, promovendo avanços importantes, como a digitalização do banco de dados e a compra de um projetor digital. Caso uma nova empresa venha a preencher esse espaço, a arrumação da fachada do local é uma das prioridades.

Um "museu de cinema"

Em 2024, a Associação de Amigas e Amigos da Cinemateca Capitólio (Aamicca), por meio de verbas da Lei Paulo Gustavo, conseguiu obter diversas melhorias no espaço, como troca de tela e renovação no sistema de som da sala de cinema. A presidente da Aamicca, Alice Dubina Trusz, ressalta que a associação foi uma das principais forças que impediram que a cinemateca fosse privatizada:

— Tem um acervo público valiosíssimo, e lutamos por sua manutenção, o que significa ter acesso de forma gratuita para pesquisa. Esse acervo dá conta da produção audiovisual gaúcha, e não só da filmografia: também há roteiros e documentos de cineastas e críticos que permitem a produção de conhecimento. Essa é a função central de uma cinemateca: ser um museu de cinema.

Cinemateca movimenta o comércio no entorno

A Cinemateca Capitólio é emblemática na esquina da Rua Demétrio Ribeiro com a Avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico. Mesmo com o longo período do prédio fechado — o antigo Cine-Theatro Capitólio foi extinto em 1994, sendo adquirido pela prefeitura de Porto Alegre e reaberto nos novos moldes somente em 2015 —, foi contagiando o entorno.

O ponto de táxi que fica em frente ao espaço levava o nome da praça em que está abrigado (Daltro Filho); porém, os motoristas contam que há cerca de 30 anos entraram com petição na prefeitura para mudar. E foi aceita. Hoje, a estação se chama Capitólio e abriga 33 carros.

Elias Kaspary, 50, é taxista há 30 anos e coordenador do ponto. Ele e outros colegas que fizeram o pedido para que o espaço trocasse de nome. Nos últimos 10 anos, a iniciativa deu resultado, visto que o bom movimento vindo do centro cultural, principalmente aos finais de semana, ajuda a manter a profissão em tempos de transporte por aplicativo.

— Ainda hoje, tem um público que sempre pega táxi aqui. O público é bem variado, mas quem vem buscar o táxi é mais de idade. Depois da reabertura, a questão da segurança melhorou bastante. É bem iluminado — explica Kaspary, que nunca entrou no local para assistir a um filme.

Quando tem evento, vendas aumentam

O mesmo ocorre com Nádia Margot Braga, 50, sócia-proprietária da Capitólio Confeitaria e Padaria, aberta há quatro anos, que fica a 80 metros da cinemateca, na Avenida Borges de Medeiros. Apesar de nunca ter ido ao local assistir a um longa-metragem, festeja quando há exibições especiais, bem como cursos e eventos que reúnem artistas. As vendas no estabelecimento aumentam.

— Colocamos o nome por causa da localização, já que a Cinemateca Capitólio é muito famosa. No entorno, tem barbearia Capitólio, tabacaria Capitólio, padaria Capitólio — detalha Nádia. — Sempre que tem alguma sessão, todos os cafés ocorrem aqui. Os artistas também vêm. A existência do espaço, para mim, é maravilhosa, traz um fluxo muito grande.

Também na Borges, entre a cinemateca e a padaria, existe a Barbershop Capitólio. Os estabelecimentos constituem um multiverso para os amantes da cultura que a instituição oferece.


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Correspondente Gaúcha Postos Charrua

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