Na tela no Cine Esquema Novo foi possível acompanhar o radical processo de transformação da arte audiovisual ao longo dos últimos 15 anos. Da entrada em cena e consolidação do suporte digital à confluência de produções, projeções e visões em múltiplas plataformas – das tradicionais salas de exibição às galerias de arte e espaços públicos de Porto Alegre. O conceito de cinema expandido foi abraçado e promovido em todo o Brasil pelo festival gaúcho, que apresenta a partir desta quinta-feira (22) sua 12ª edição.
Com programação toda gratuita, o Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira 2018 exibe até 28 de novembro mostras de filmes e videoinstalações e também promove oficinas e seminários. A Mostra Competitiva Brasil reúne 39 produções, 35 delas, entre longas e curtas-metragens e videoinstalações, têm sessões na Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro esquina com Av. Borges de Medeiros). O Instituto Goethe (Rua 24 de outubro, 112) abriga quatro videoinstalações.
Na abertura dos trabalhos, nesta quinta-feira (22), às 20h, no Capitólio, o trio instrumental Reverba Trio mostra versões de trilhas clássicas do cinema. Na sequência, às 21h, será exibido o primeiro longa da Mostra Competitiva Brasil, a animação gaúcha A Cidade dos Piratas, de Otto Guerra.
O Rio Grande do Sul está representado por outras dois longas: Tinta Bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, e Música Para Quando as Luzes se Apagam, estreia na direção do escritor Ismael Canepppelle, adaptando seu livro homônimo. Premiado no Festival de Berlim e grande vencedor do Festival do Rio, Tinta Bruta (sessão dia 27, às 19h) acompanha um jovem (Shico Menegat) que, sob o codinome de Garoto Neon, faz de seu quarto refúgio de seus dramas existenciais e dali protagoniza performances eróticas acompanhadas por anônimos na internet. Música para Quando as Luzes se Apagam (dia 25, às 15) destaca a jornada de uma escritora (Júlia Lemmertz) a uma pequena cidade sulista, para escrever sobre uma jovem em conflito com sua identidade sexual.
Uma das característica temáticas do Cine Esquema Novo desde sua primeira edição, em 2003, foi sempre promover, em paralelo à provocação estética e à experimentação com as diferentes linguagens audiovisuais, obras em sintonia com a realidade política e social do Brasil.
— Diante de trabalhos muito bons inscritos, foram cerca de 900 nesta edição, nos sentimos impelidos a trazer filmes que dão voz à situação política do Brasil, às aflições prementes da classe artística, seguindo o que sempre foi o Norte do festival, que são filmes que fogem do padrão comercial – diz Ramiro Azevedo, responsável pela curadoria do CEN, com Jaqueline Beltrame e Vinícius Lopes.
Reflexos da situação política do Brasil
E essa abordagem se dá sob diferentes olhares. Um dos títulos mais aguardados da mostra é Sol Alegria (dia 26, às 21h), de Tavinho Teixeira, que, em parceria com sua filha Mariah Teixeira, apresenta uma peculiar ficção científica distópica em que uma família nada tradicional percorre um país dominado por uma junta militar e por pastores corruptos que pregam o iminente apocalipse. O cantor e às vezes ator Ney Matogrosso faz uma participação especial na anárquica e libertária trama.
– Esse filme é tapa na cara. Antecipou com humor e sarcasmo um quadro que estamos vendo agora no Brasil – destaca Azevedo.
Entre outras produções, o curador chama a atenção dos cinéfilos para o curta Supercomplexo Metropolitano Expandido (sexta-feira, 23, às 19h), que tem como diretor Guerreiro do Divino Amor, artista suíço-brasileiro radicado no Rio de janeiro e com trabalhos já expostos/exibidos em importantes galerias do Brasil e do Exterior. Aqui, ele faz intervenções gráficas sobre uma alegórica narrativa que destaca a formação, o caos, a pujança e a desigualdade social da cidade de São Paulo.
E também para Azougue Nazaré (sábado, 24, às 21h), de Tiago Melo, eleito o melhor filme da mostra Bright Future do Festival de Roterdã, na Holanda, mostra o conflito em uma pequena cidade, palco de fenômenos sobrenaturais, decorrente da ação de um pastor evangélico que, crente em sua missão de expulsar o demônio do local, se insurge contra a manifestação cultural do maracatu e os ritos religiosos de origem africana.
Ainda no Capitólio podem ser vistas, todos os dias, as videoinstalações À Cura do Rio, de Mariana Fagundes, um poema visual que aproxima ritual xamânico, corpo e natureza em torno do processo de salvação de um rio, e Bye Bye Deutschland, de Barbara Wagner e Benjamin de Burca, sobre um casal de cantores de schlager, gênero musical popular na Alemanha associado a canções sentimentais – equivalem ao que se toma por brega no Brasil.
Instalações e provocações na tela
O realizador alemão Philip Widmann estará no festival para apresentar, no Instituto Goethe, a mostra Topographical Translations, na sexta (23) e na segunda (26), a partir das 14h.
– Queríamos trazer ele na edição passada (em 2016), mas não foi possível. A vinda do Widmann agora acabou casando com o momento que o Brasil e o mundo estão vivendo em relação à questão da imigração. O trabalho dele trata do sentimento de ser um estrangeiro, de tentar se reconhecer em um cenário em que se é um estrangeiro. Vai da questão física à filosófica em torno do pertencimento – diz Ramiro Azevedo um dos curadores do CEN.
Widmann tem sua vinda à Capital bancada pelo Instituto Goethe, parceiro recorrente do festival. O CEN conta para sua viabilização financeira com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) gerido pelo Ministério da Cultura – um novo edital, também específico para festivais de cinema, já assegurou a realização da edição 2019 do CEN.
A mostra Topographical Translations reúne os curtas Fictitious Force e Das Gestell, e, às 16h, o primeiro longa de Widmann, Szenario. O filmes têm legendas em português. Às 17h30min, o artista promove um seminário (em inglês).
Outra mostra especial, Existir/Resistir, poderá ser vista no dia 27, na Cinemateca Capitólio. O Duo Strangloscope, dos artistas Cláudia Cárdenas e Rafael Schilchting, executa a performance Carcará, com filmes e projetores 35mm, 16mm e Super 8 exibindo trabalhos experimentais de artistas do México, Argentina, EUA, Espanha, Venezuela e França.
A programação do CEN 2018 destaca duas oficinas: Crítica no Brasil Hoje, ministrada pelo jornalista de ZH Daniel Feix, sexta (23), sábado (24) e segunda (26), na Cinemateca Capitólio, das 15h às 18h (inscrições pelo site do festival bit.ly/CEM2018ZH); e Câmera Causa, ministrada pelo cineasta Gustavo Spolidoro e por Jadhe Fucilini, dias 24 e 25 de novembro na Ocupação Utopia e Luta – com projeções dos filmes realizados na oficina no dia 27, no Instituto Goethe. Spolidoro é um dos diretores e curadores do CEN, mas não envolveu-se diretamente na organização do evento esse anos em razão das filmagens de seu novo longa, Os Dragões.
No sábado (24), das 10h30min às 12h, o Seminário Pensar a Imagem, no Instituto Goethe, reúne a artista visual e professora Elaine Tedesco, o professor James Zortéa e a jornalista e professora Maria Henriqueta Creidy em uma reflexão sobre a imagem contemporânea, abordando especificidades teóricas, técnicas, conceituais, narrativas e de circulação associadas à produção autoral e experimental.