"Ingmar Bergman é provavelmente o maior artista do cinema, desde a invenção da câmera." A definição cunhada por Woody Allen dimensiona a estatura da obra produzida pelo cineasta sueco (1918-2007), um dos tantos gênios condenados ao esquecimento no streaming não fossem plataformas como a do Telecine, que mantém seis filmes e um documentário em seu catálogo (leia logo abaixo).
Se você prefere números quando se fala de tamanho, aqui estão alguns ligados a Bergman: foram três vitórias no Oscar de filme internacional, por A Fonte da Donzela (1960), Através de um Espelho (1961), que também concorreu na categoria de roteiro original, e Fanny e Alexander (1982), que disputou ainda as estatuetas de filme e direção. Houve outras seis indicações na cerimônia da Academia de Hollywood, sendo três por Gritos e Sussurros (1972) — melhor filme, direção e roteiro original. Também ganhou um Urso de Ouro no Festival de Berlim (Morangos Silvestres, de 1957), o troféu de diretor em Cannes (No Limiar da Vida, de 1958) e o Prêmio Especial do Júri em Veneza (O Rosto, de 1958).
Em seus quase 40 anos de carreira como diretor, roteirista e dramaturgo, Bergman refletiu sua austera formação religiosa e os traumas de infância. Foi um autor que investigou a fundo as aflições da alma humana em torno de temas como o sentido da vida, da morte, do amor e da fé em Deus, encenados de forma intimista em parceria com um time recorrente de técnicos (como os diretores de fotografia Sven Nykvist, oscarizado por Gritos e Sussurros e Fanny e Alexander, e Gunnar Fischer e a editora Siv Lundgren) e atores — entre estes, destacam-se Bibi Andersson, Harriet Andersson, Gunnar Björnstrand, Erland Josephson, Max von Sydow, Ingrid Thulin e Liv Ullmann.
Em 2012, em ZH, o jornalista Marcelo Perrone conversou com três admiradores de Bergman para ajudar os neófitos a dar seus primeiros passos na obra do diretor: o escritor Luis Fernando Verissimo, o crítico de cinema e psicanalista Enéas de Souza e o cineasta e professor de cinema Carlos Gerbase.
— Conhecer a obra de Bergman é como conhecer Shakespeare no teatro ou Beethoven na música: faz parte da formação cultural básica de qualquer um — disse Gerbase. — Mas há uma razão ainda mais forte: depois de conhecer os filmes de Bergman, o espectador conhece melhor a si mesmo.
— Bergman é um cineasta que faz a gente mergulhar na dimensão humana mais profunda. Mostra que somos seres separados, não isolados, e que temos sempre que nos dar conta do Outro e dos outros. É um cinema da alteridade — afirmou Enéas.
— O que ficou do cinema do Bergman, mais do que o seu valor literário, que até se banalizou um pouco com o tempo (a existência como uma provação pela qual ninguém passa incólume), foram imagens como aquela da Morte puxando os mortos, em silhueta, em O Sétimo Selo — apontou Verissimo. — Ou então o consolador abraço materno no final de Gritos e Sussurros...
Veja, a seguir, os seis títulos e um documentário disponíveis no Telecine — e vale lembrar que a distribuidora Versátil lançou várias caixas de DVDs com a filmografia de Bergman.
Morangos Silvestres (1957)
Bergman acompanha a viagem de um velho médico e professor (encarnado pelo também diretor Victor Sjöström) para receber um prêmio acadêmico. As inquietações existenciais são iluminadas nas reflexões que o mestre faz sobre o que viveu e na sua imaginação sobre o que poderia ter vivido se tivesse feito outras escolhas. O elenco conta com Bibi Andersson, Gunnar Björnstrand e Ingrid Thulin. Conquistou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, o Globo de Ouro de melhor filme internacional e foi indicado ao Oscar pelo roteiro original — que se tornou paradigma para obras como 8½ (1963), de Federico Fellini, Desconstruindo Harry (1997), de Woody Allen, e As Confissões de Schmidt (2002), de Alexander Payne.
O Sétimo Selo (1957)
Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, o filme se passa na Idade Média. Ao voltar de uma Cruzada, um cavaleiro (interpretado por Max von Sydow) encontra seu país devastado pela peste negra e tenta superar a ameaça da Morte (Bengt Ekerot) em uma partida de xadrez. No elenco, Bibi Andersson e Gunnar Björnstrand.
— O Sétimo Selo é um filme que usa todas as armas do cinema — afirma o cineasta Carlos Gerbase, realizador de longas-metragens como Inverno (1983), Tolerância (2000) e Bio (2017). — Tem um roteiro impecável, uma fotografia belíssima, uma direção de arte perfeita, música bacana, atuações incríveis de Max von Sydow e Gunnar Björnstrand e um trabalho de câmera sensacional, em que alguns enquadramentos não saem da minha memória, como, no final do filme, os personagens numa montanha seguindo a Morte rumo ao desconhecido. Não é só o melhor filme de Bergman — pontua. — É um dos melhores da história.
Persona (1966)
O título brasileiro, Quando Duas Mulheres Pecam, é horroroso e preconceituoso, além de não refletir o verdadeiro tema do filme. Na trama, Elisabeth (Liv Ullmann) é uma atriz de teatro que, após uma crise emocional, para de falar. Seu tratamento se dará em uma ilha isolada — Faro, no Mar Báltico, escolhida como lar de Bergman e cenário de várias de suas obras —, aos cuidados da enfermeira chamada Alma (Bibi Andersson). Para quebrar o silêncio, Alma começa a narrar episódios íntimos à paciente.
Cenas de um Casamento (1973)
Lançado originalmente como uma minissérie de TV, traz Erland Josephson e Liv Ullman nos papéis do professor Johan e da advogada Marianne. Casados há 10 anos, ambos aparentam ser bem-sucedidos, até que a visita de um casal de amigos traz à tona uma crise. Ganhou o Globo de Ouro de melhor filme internacional e é um dos tantos títulos de Bergman que influenciaram Woody Allen e, por consequência, História de um Casamento (2019), de Noah Baumbach.
Face a Face (1976)
Liv Ullmann disputou o Oscar de melhor atriz na pele da psiquiatra que tem o casamento e a saúde mental abalados por visões a respeito de uma mulher idosa. Para tentar fugir das alucinações, ela começa a ter um caso com um médico (Erland Josephson). Bergman foi indicado pela Academia de Hollywood ao prêmio de melhor diretor.
Sonata de Outono (1978)
Charlotte (Ingrid Bergman, indicada ao Oscar de melhor atriz e sem parentesco com o diretor) é uma renomada musicista que vai visitar a filha, Eva (Liv Ullmann), no interior. Afastadas durante anos, elas terão um reencontro tenso e marcado pela revelação de segredos e pela exposição de rancores. Também concorreu ao Oscar de roteiro original.
Bergman: 100 Anos (2018)
Documentário de Jane Magnusson, que conversa com cineastas, atores, críticos e historiadores para traçar um perfil de um gênio — tanto pela produção artística quanto pelo seu temperamento. Participam, entre outros, Lars Von Trier, Barbra Streisand e Liv Ullmann.