Os seis episódios de The White Lotus, cada um com mais ou menos uma hora, estão entre os grandes momentos de 2021 nas plataformas de streaming. A série do HBO Max consegue conjugar de modo brilhante comédia cáustica, dramas empáticos, mistério policial e crítica social — o alvo é o privilégio branco, a elite que jamais cede seu lugar ou estende a mão sem querer nada em troca, aqueles que têm os meios para fazer o mundo mudar, mas preferem a estagnação, a gente que se safa simplesmente por causa do sobrenome ou da carteira.
De quebra, oferece três cenas raras ou talvez nunca vistas, todas temperadas por um senso de humor bizarro e um gosto pelo constrangimento e pelo choque: a primeira envolve a genitália masculina, a segunda, sexo entre homens, e a terceira, excrementos. São imagens que tão cedo não deixarão a cabeça do espectador.
The White Lotus foi criada, escrita e dirigida pelo californiano Mike White, 51 anos, roteirista dos filmes Por um Sentido na Vida (2002) e Escola de Rock (2003) e da série Enlightened (2011-2013), obras nas quais também desempenhou o papel de ator. A trama começa em um saguão de aeroporto. Um casal de meia-idade tenta puxar papo com um sujeito de seus 30 anos. Na conversa truncada, descobrimos que ele estava em lua de mel e que houve um assassinato no resort de luxo onde se hospedara em uma ilha do Havaí, o White Lotus — "Tirando isso, as férias foram boas?", pergunta a mulher, no primeiro indício do tipo de humor que virá pela frente. O caixão com o corpo seguirá viagem no mesmo voo. Quem teria morrido? Será que a esposa dele, ausente na sala de espera? Óbvia mas espertamente, os diálogos não revelam essa identidade, que só será descoberta bem mais adiante.
Aí, a série recua uma semana no tempo para acompanhar a chegada de um grupo de novos hóspedes ao White Lotus. O cara do aeroporto é o mimado Shane (interpretado por Jake Lacy, da última temporada de The Office), recém casado com Rachel (Alexandra Daddario, da primeira temporada de True Detective), uma jornalista em crise existencial — e por meio da qual Mike White também abordará o machismo estrutural. No barco, ainda está a família Mossbacher: Nicole (Connie Britton, de seriados como Friday Night Lights, Nashville e American Horror Story), empresária que não para de trabalhar mesmo durante as férias, seu marido, Mark (Steve Zahn, talvez em sua atuação mais marcante desde o filme de comédia Happy, Texas, de 1999), um tanto emasculado pelo sucesso da esposa, a jovem Olivia (Sydney Sweeney, de O Conto da Aia, Objetos Cortantes e Euphoria), que trouxe junto uma amiga, Paula (Brittany O'Grady, atriz filha de pai branco e mãe negra), que por sua vez trouxe um farnel de psicotrópicos, e o adolescente Quinn (Fred Hechinger, do suspense A Mulher na Janela), mais interessado nos seus apetrechos eletrônicos. Completa a lista Tanya McQuoid (Jennifer Coolidge, eterna coadjuvante de comédias como American Pie e Legalmente Loira), uma ricaça carente e alcoolista que veio ao Havaí para jogar no mar as cinzas de sua falecida mãe.
Essa turma será recepcionada pelos empregados do resort. Entre esses, destacam-se Armond (uma caracterização magnetizante do australiano Murray Bartlett, que estará na adaptação do jogo The Last of Us, em 2022), o gerente com um bigode à la Tom Selleck, Belinda (Natasha Rothwell), que administra o spa, e Kai (Kekoa Kekumano), um garçom. Os três representam a classe trabalhadora — que, como diz Armond, precisa ser invisível, mas estar sempre pronta para servir — e também as populações marginalizadas. Armond é homossexual, Belinda, mulher e negra, e Kai, descendente de polinésio, simboliza os nativos que foram dizimados ou, na melhor das hipóteses, expulsos de suas próprias terras pelos colonizadores brancos.
Diante desse elenco de personagens, um desavisado pode achar que os primeiros serão vilões caricatos, e os segundos, coitadinhos explorados. Não é por aí. Sim, as interações da série são bastante calcadas em jogos de poder e submissão, mas o gerente do White Lotus, por exemplo, sabe ser maquiavélico e abusivo. Alguns dos hóspedes vão apresentar mais camadas do que a impressão inicial deixa entrever. Outros, no entanto, serão decifrados desde a primeira cena.
— Peraí, peraí, peraí — diz Shane, interrompendo um momento romântico com Rachel em sua suíte. — Este é o quarto errado.
Não importa que Rachel esteja feliz com as luxuosas acomodações, que a vista seja maravilhosa e que, ora, possa, de fato, ter ocorrido um erro do hotel na reserva. O instinto competitivo do capitalismo fala mais alto. Um filhinho da mamãe, Shane se torna monotemático e a todo instante vai fustigar o gerente por causa desse assunto, dando razão ao monólogo de Armond sobre sua clientela: eles só querem ser mimados, como o filho único, o bebê especial do hotel.
Outros personagens são mais nuançados, como Mark. O pai dos Mossbacher abriga o ridículo e a vulnerabilidade, a perspicácia e o egoísmo. Vale prestar atenção em seus diálogos com a família à mesa do café da manhã, do almoço ou do jantar. Diante dos filhos que se revezam entre a indiferença, o tédio e a patrulha politicamente correta, Mark costuma comentar sobre as consequências do imperialismo e do colonialismo, sobre culpa burguesa, sobre ser um homem branco nos dias de hoje. Às vezes, parece que ele vai para um lado, mas logo a frase faz um desvio. O mundo é assim mesmo, ele justifica:
— Ninguém cede seus privilégios. Isso seria um absurdo. Vai contra a natureza humana. Nós todos só estamos tentando ganhar o jogo da vida.
Oscilando entre o patético e o abjeto, Mark personifica o tom empregado em The White Lotus por Mike White, cujo trabalho foi assim descrito por Sophie Gilbert no site da revista cultural estadunidense The Atlantic: "Ele parece preso entre reconhecer a infelicidade (de Mark, Shane, Tanya etc) e espinhá-los por seu comportamento tóxico, nunca se estendendo em uma direção ou outra, nunca permitindo que a série seja puramente engraçada ou puramente trágica por um minuto. Tudo é um empurra-empurra entre sentir por seus ricos e monstruosos personagens e odiá-los por não verem a verdade sobre si mesmos".
Essa alternância de tom é muito bem sinalizada e sintetizada pela trilha sonora composta por Cristobal Tapia de Veer, canadense nascido no Chile que tem no currículo o episódio Black Museum (2017) do seriado Black Mirror, a série Hunters (2020) e a minissérie The Third Day (2020). Mike White disse que queria "uma música que faça você sentir que haverá algum tipo de sacrifício humano a qualquer momento". Depois, elogiou o compositor por ter traduzido a sensação de "ansiedade tropical". De Veer definiu como uma espécie de "Hitchcock havaiano" suas partituras, que apresentam flautas dissonantes e uma percussão em aceleração constante, permeadas por sons animalescos e gemidos humanos. O resultado é a um só tempo cômico, sinistro e sensual, e o efeito é sempre imersivo, hipnótico e contagiante.