O Golpista do Tinder (The Tinder Swindler, 2022) é a nova sensação entre os documentários da Netflix que reconstituem crimes reais. Dirigido por Felicity Morris, uma das produtoras da série documental Don't F**k with Cats (2019), começa contando a história da norueguesa Cecilie Fjellhoy, uma loira sorridente com experiência no aplicativo de paquera: no seu celular, ela mostra que, em sete anos de uso, houve 1.024 matches.
Exibindo suas fotos do perfil, que evitam a exposição corporal, Cecilie frisa à entrevistadora que está em busca de um amor profundo e duradouro, ainda que faça essa procura em um app que simboliza a instantaneidade e a futilidade. O Tinder é uma prateleira, já disse alguém, em uma imagem que casa com a discussão sobre os relacionamentos amorosos contemporâneos proposta pela quadrinista sueca Liv Strömquist em A Rosa Mais Vermelha Desabrocha (lançado no Brasil em 2021 pela Quadrinhos na Cia.). Dosando leveza e erudição, referenciando filósofos como o esloveno Slavoj Zizek e o sul-coreano Byung-Chul Han e astros como Beyoncé e Leonardo DiCaprio, Strömquist mostra como a sensação do fall in love (literalmente, cair no amor) vem sendo substituída por uma visão consumista. A racionalidade subjuga o romantismo, escolhemos uma pessoa como se fosse uma mercadoria: queremos que ela venha sem defeitos.
E se vier com dinheiro, qual é o problema?, diz Cecilie, citando uma frase célebre da personagem de Marilyn Monroe, a corista Lorelei Lee, no filme Os Homens Preferem as Louras (1953) — o trecho é reproduzido no documentário:
— Você não sabe que um homem sendo rico é como uma garota sendo bonita? Você não casaria com uma garota só porque ela é bonita, mas, meu Deus, isso não ajuda?
Aos 20 e tantos anos, o elegante Simon Leviev parecia ser o príncipe encantado dos contos de fadas. Filho de um bilionário russo-israelense do ramo dos diamantes, após um breve primeiro encontro em um hotel de alta classe em Londres, onde Cecilie morava, ele mandou um Rolls-Royce buscá-la para uma viagem em avião particular para Sofia, pois teria negócios na capital da Bulgária. A primeira surpresa da norueguesa, como o arquivo de imagens de seu celular comprova, foi a presença, no passeio, da ex-esposa e da filhinha de Simon.
Tudo fazia parte da estratégia do golpista para levar uma vida luxuosa e luxuriosa. Os detalhes vão sendo revelados em tom de suspense eletrizante — depois que apertamos o play, é difícil parar de assistir. Reviravoltas pontuam a trama até o final, que mistura um sabor de vingança a um travo amargo. Surgem coadjuvantes como o segurança Peter e os jornalistas noruegueses que, ao investigarem a história narrada por sua compatriota, descobriram que isso era apenas a ponta do iceberg.
Além de Cecilie, participam do documentário outras duas vítimas: a sueca Pernilla e a belga Ayleen. Corajosamente, as três falam sobre como foram enganadas por Simon, mesmo que tenham tomado atitudes preventivas, tipo pesquisar no Google sobre o sujeito. Acontece que elas estavam lidando com um criminoso profissional, muito preparado, que aperfeiçoou seu método.
Ainda assim, quando o caso veio à tona, não faltou gente nas redes sociais para ridicularizar e culpabilizar as vítimas. Cecilie foi chamada de boba e de aproveitadora, por exemplo.
Ora, quem de nós nunca cometeu um desatino por amor — ou no mínimo pela ilusão do amor? E, puxa, a pessoa aproveitadora na história era Simon, e não Cecilie. Mas o machismo estrutural e a misoginia acabam influenciando a percepção. Vale lembrar o tratamento desigual no que diz respeito à vida sexual: "homem que sai com muitas é garanhão, mulher que sai com muitos é vadia".
O que O Golpista do Tinder evidencia é como estamos sujeitos aos riscos do culto à imagem e da sedução da ostentação. O dinheiro compra nossa confiança: se alguém parece pobre, suspeitamos; se alguém parece rico, pode acabar nos deixando pobres.