A recente estreia de No Caminho da Cura (Procession) — documentário na Netflix em que seis sobreviventes de padres pedófilos reencenam episódios traumáticos — inspira a lista de recomendações deste fim de semana.
Não faltam filmes documentais que reconstituem fatos marcantes ou biografam grandes nomes da História. Mas os 10 títulos indicados miram em outro tipo de abordagem e de personagem: o cotidiano de um edifício ou de um lar geriátrico, as pessoas anônimas ou aquelas que ganham celebridade mais ou menos contra sua vontade, as famílias comuns que guardam segredos terríveis ou são apanhadas por um evento trágico.
Diante de casos que muitas vezes não são públicos, seus diretores costumam usar armas de outros gêneros, como o suspense, tornando surpreendentes esses documentários, todos disponíveis no streaming (clique nos links se quiser saber mais).
Edifício Master (2002)
Vencedor da Mostra Internacional de São Paulo, do Festival de Gramado e menção honrosa em Havana, foi um dos grandes filmes deixados pelo paulistano Eduardo Coutinho. O diretor e sua equipe visitam um antigo e tradicional prédio de Copacabana, no Rio, e revelam condôminos como Daniela, uma professora de Inglês que viveu oito anos fora do Brasil e sofre de fobia social. Ou o viúvo aposentado Henrique, que se apropriou da canção My Way como lema de vida. Ou ainda a jovem Alessandra, que se assume como mentirosa, mas garante que só disse a verdade diante da câmera. Coutinho tinha a habilidade para encontrar e ouvir o que chamava de "pessoas interessantes": "Se a pessoa consegue se expressar com força, do ponto de vista do vocabulário, da sintaxe, da construção da frase e, ao mesmo tempo, entra no jogo, porque a entrevista é um teatro, um jogo, essa é uma pessoa interessante", disse ao jornalista Eduardo Veras, de ZH, em 2005. (Globoplay, Looke e Telecine)
Na Captura dos Friedmans (2003)
Indicado ao Oscar, o documentário de Andrew Jarecki é sobre uma família dos EUA que registrou em vídeo seu próprio desmoronamento. Mostra as investigações e o julgamento do renomado professor de piano e computação Arnold Friedman e o caçula de seus três filhos, Jesse, acusados de abusar sexualmente de dezenas de meninos nos anos 1980. O cruzamento dos depoimentos de familiares, policiais, advogados, promotores, juízes, jornalistas, ex- alunos, supostas vítimas e seus pais deixa entrevistados e espectadores perplexos. Jarecki diz: "No nível filosófico, o filme é sobre a natureza ilusória da verdade". É sobre como a memória pode ser manipulada de acordo com nossas necessidades. (HBO Max)
Elena (2012)
Trata- se do poético inventário de um prolongado luto. Ao recriar os passos da sua irmã mais velha, Elena, e tentar compreender os caminhos, desvios e o atalho por ela tomados, a diretora mineira Petra Costa revive uma dor que trazia entranhada desde os sete anos. Em Nova York, onde a mana sonhava em seguir carreira de atriz, a documentarista percorre ruas e lugares guiada pelos relatos em fitas cassete enviados à família. O passado ressurge em filmes e vídeos caseiros que atestam a amorosa relação entre as duas irmãs. Cenas dramatizadas, como as de Petra e sua mãe boiando sobre a água, sublinham elementos elegíacos e etéreos. (Netflix)
Branco Sai, Preto Fica (2014)
Essa foi a frase dita por um dos policiais que invadiram um baile de black music em Ceilândia (DF), em 1986. Dois homens arrastam os efeitos daquela noite violenta. Marquim do Tropa ficou paraplégico. Sartana perdeu uma perna. Hoje, Marquim, que é DJ, reconstitui a tragédia fazendo rap. Sartana, artesão, produz ou conserta próteses para outros mutilados. Há um terceiro personagem, o elemento surpresa neste contundente retrato da desigualdade racial no Brasil: o agente Dimas Cravalanças (interpretado por Dilmar Durães). É a porção ficção científica do documentário de Adirley Queirós premiado nos festivais de Brasília e de Mar del Plata. Dimas veio do futuro para provar os crimes cometidos pelo Estado contra os excluídos, de modo que haja justiça e indenização. (Netflix)
Contornando a Morte (2018)
Trabalhando em um microcosmo, a diretora Pailin Wedel reflete sobre questões gigantescas. O drama de uma família tailandesa nos convida a pensar sobre ciência e fé, corpo e espírito, amor e o que muitos chamariam de loucura, sobre como lidamos ou não com a perda, com o luto. O filme se concentra nos esforços do casal de cientistas Sahatorn e Nareerat Naovaratpong para dar sobrevida à filha caçula, Matheryn, também chamada de Einz (amor, em japonês). Aos dois anos, ela foi diagnosticada com um tipo raro de câncer cerebral. Pais de um adolescente batizado como Matrix, Sahatorn e a esposa decidiram, em 2015, tornar Einz a mais jovem pessoa a ser submetida à criogenia, na esperança de que, no futuro, haja uma forma de curar e ressuscitar. (Netflix)
Diga Quem Sou (2019)
Os ingleses Alex e Marcus Lewis são gêmeos univitelinos. Hoje cinquentões, não espelham mais um ao outro como acontecia na infância e na juventude. Mas a diferença fundamental não é física: aos 18 anos, Alex sofreu um acidente de moto e ficou amnésico. Não lembrava do pai nem da mãe, não sabia que tinha uma namorada, desaprendeu até a amarrar os sapatos. Só reconhecia o irmão. Marcus, então, passou a contar para ele sobre a família e sobre seu passado. Ou não. Esse é um resumo sem spoilers do documentário de Ed Perkins que é, ao mesmo tempo, fascinante e revoltante e que mostra, na teoria e na prática, como as memórias são uma construção permanente, um mecanismo complexo e algo mágico, um labirinto em que podemos tentar esquecer episódios traumáticos. (Netflix)
Agente Duplo (2020)
Indicado ao Oscar, o documentário da chilena Maite Alberdi começa como comédia, vira trama detetivesca e termina com uma denúncia.
Na abertura, Romulo Aitken, dono de uma agência de detetives, faz seleção para encontrar o agente duplo do título. Ele precisa infiltrar um idoso em um lar geriátrico, a fim de comprovar (ou não) a suspeita de que uma mãe está sendo vítima de negligência e de maus-tratos. Desse prólogo, emerge o viúvo Sergio Chamy, 80 e poucos anos, com filhos e netos. Ao ingressar na instituição, Sergio primeiro terá de reconhecer o chamado alvo, de quem só viu uma ou duas fotos. Sua investigação vai gradualmente perdendo os contornos humorísticos para trazer à tona histórias de abandono pela família e violenta saudade. (Globoplay)
A Artista e o Ladrão (2020)
Em 2015, Karl-Bertil Nordland, um dependente químico com o corpo coberto por tatuagens e cicatrizes, e um comparsa invadiram uma galeria de arte em Oslo e cuidadosamente roubaram as duas pinturas mais valiosas da tcheca Barbora Kysilkova, uma jovem artista radicada na capital da Noruega, onde luta pelo reconhecimento de seu trabalho e para pagar as contas. Como a ação foi flagrada pelas câmeras de segurança, os criminosos foram rapidamente presos. A pintora comparece ao julgamento de Bertil e, movida por uma mistura incontrolável de curiosidade e vaidade, decide se aproximar do ladrão. Convida-o (na verdade, é uma imposição) para ser retratado por ela. E essas são só as primeiras surpresas registradas no documentário do diretor norueguês Benjamin Ree. (MUBI, Apple TV e YouTube)
As Mortes de Dick Johnson (2020)
A documentarista estadunidense Kirsten Johnson resolveu homenagear o pai em vida, antes que a morte levasse seu corpo ou, no mínimo, sua memória ficasse comprometida. O viúvo Dick, aos 80 e tantos anos, começa a apresentar os sintomas do Alzheimer, mesma doença que acometeu sua amada esposa. É hora de se aposentar do trabalho como psiquiatra, de parar de dirigir, de se mudar da casa grande em Seattle para morar com a filha e os netos num pequeno apartamento de Nova York. Lá, a celebração do pai também se mostra uma celebração do cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. Você entenderá ao assistir a este filme feito com muito amor e humor. (Netflix)
Professor Polvo (2020)
Ganhadores do Oscar, Pippa Ehrlich e James Reed retratam a aproximação entre um homem, o documentarista Craig Foster, e um polvo em uma floresta de algas na costa da África do Sul. Além de exibir imagens fabulosas, Professor Polvo tem muito a nos ensinar. E não apenas sobre as criaturas tentaculares cheias de ventosas. A trajetória de foster ilustra algumas lições velhas, mas nem sempre aprendidas, como a de que, se descuidarmos, o trabalho pode nos devorar e a de que não somos visitantes, mas integrantes da natureza. Ao mergulhar, Foster redescobriu a paz interior, reaprendeu como o contato com o ambiente pode ressensibilizar as pessoas e retomou as aulas sobre adaptação que o reino animal tem a oferecer. (Netflix)