Há um documentário de 2014 em cartaz na Netflix que se tornou lamentavelmente atual para este 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
O próprio título parece refletir o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, no supermercado Carrefour, em Porto Alegre: Branco Sai, Preto Fica. Os seguranças, brancos, saíram ilesos (ainda que presos em flagrante). O corpo de João Alberto, negro, ficou no chão.
"Branco sai, preto fica" foi a frase dita por um dos policiais que invadiram um baile de black music em Ceilândia, no Distrito Federal, em 1986. Combinando de forma inventiva o registro documental com a ficção científica, o diretor Adirley Queirós apresenta um contundente painel sobre a desigualdade racial no Brasil.
Seus protagonistas são dois homens que arrastam os efeitos daquela noite violenta. Marquim do Tropa ficou paraplégico. Shockito — apresentado no filme como Sartana — perdeu uma perna.
Hoje, Marquim, que é DJ, reconstitui a tragédia fazendo rap. Sartana, artesão, produz ou conserta próteses para outros mutilados.
Há um terceiro personagem, o componente sci-fi. O agente Dimas Cravalanças (interpretado por Dilmar Durães) vem do futuro para provar os crimes cometidos pelo Estado contra os excluídos, de modo que haja indenização, reparação. Justiça.
O documentário de Queirós foi consagrado em festivais. No de Brasília, conquistou os Candangos de melhor filme, ator (Marquim do Tropa) e direção de arte. Em Mar del Plata, na Argentina, ganhou o troféu de melhor filme latino-americano. Em Cartagena, na Colômbia, recebeu o prêmio especial do júri e o prêmio da crítica.
Branco Sai, Preto Fica é um filme sobre dor e indignação, mas também de luta e alguma forma de transmutação. Algumas de suas imagens permanecem na cabeça. São simbólicas e poderosas. Como a prospecção de Sartana em uma pilha de próteses de pernas, uma espécie de ferro-velho humano a comprovar que existe um ciclo de violência. Ou então a cena em que Marquim taca fogo no seu sofá: é como se ele estivesse queimando suas memórias e seus planos, mas também é um modo de nos tirar do conforto da sala de estar. O racismo mutila, o racismo mata, o racismo precisa ser combatido e punido.