Já está em cartaz na Netflix um possível candidato ao Oscar 2022 de melhor documentário (os 15 semifinalistas serão anunciados no dia 21). No Caminho da Cura (Procession, 2021), de Robert Greene, é sobre seis homens que, na infância, foram abusados sexualmente por padres.
Vale enfatizar o plural: os depoimentos evidenciam que não havia apenas uma maçã podre na Igreja Católica dos Estados Unidos, mas uma rede de pedofilia. Em jogos de beisebol ou passeios em lagos, os clérigos exibiam uns aos outros os meninos que estupravam.
No presente, enquanto lutam por uma Justiça bastante tardia — quando não ausente —, os seis sobreviventes são convidados pelo diretor e por uma dramaterapeuta para criar e protagonizar pequenos filmes sobre seus próprios traumas. É o processo ao qual se refere o título original.
A criação dessas cenas ficcionais remete a outros documentários, como O Ato de Matar (2012), sobre um massacre ocorrido na Indonésia entre 1965 e 1966, e As Mortes de Dick Johnson (2020), em que o pai de uma cineasta começa a enfrentar os primeiros sinais de demência. Trata-se do método habitual de Robert Greene: em Kate Plays Christine (2016), por exemplo, o diretor acompanhou a preparação da atriz Kate Lyn Sheil para o papel de Christine Chubbuck, repórter e apresentadora de TV que se suicidou diante das câmeras em 1974. Em Bisbee '17 (2017), moradores de uma antiga cidade mineira na fronteira do Arizona com o México reencenam um passado sombrio: o dia da deportação de 1,2 mil imigrantes, há exatamente cem anos.
Em No Caminho da Cura, a experiência é ainda mais disruptiva quanto a distinção entre documentário e ficção e ainda mais colaborativa, a ponto de Greene, nos créditos de abertura, conceder a autoria aos seis sobreviventes, todos, aparentemente, na casa dos 50 a 60 anos: Joe Eldred, Mike Foreman, Ed Gavagan, Dan Laurine, Michael Sandridge e Tom Viviano. O filme começa exibindo trechos de uma entrevista coletiva de agosto de 2018, em Kansas City, no Missouri. A advogada Rebecca Randles diz que tentou calcular quantos padres na região haviam sido abusivos: "Mais de 230, apenas do que temos notícias".
— Eu estava na terceira série quando começou. Parou na oitava, quando me mudei. Hoje tenho 62 anos e ainda vivo com a dor do que aconteceu comigo quando eu estava na escola — chora Viviano.
— É absolutamente deplorável que a prescrição penal seja a joia da coroa da Igreja Católica. O que Deus e Jesus Cristo acham disso? — enfurece-se Foreman.
Um letreiro, então, explica o que vem a seguir, resultado de um trabalho realizado ao longo de três anos. A transparência é uma marca. Logo no início, Gavagan, hoje um empreiteiro em Nova York, admite o temor de parecer que está "explorando" suas cicatrizes psicológicas. Enquanto a câmera de Greene flagra um punhado de mãos crispadas, Monica Phinney, a dramaterapeuta, esclarece a proposta:
— Vejo traumas como uma coisa pegajosa, que gruda numa parte do cérebro. Nos livramos deles externando-os de forma que faça sentido para nós. Nem sempre entendemos a pintura, a encenação que fazemos. Mas uma vez encenados, seja lá como, com a contenção e a segurança da arte, nosso cérebro pode reabsorvê-los usando a lógica e a razão.
Mais adiante, é Monica quem dirá também por que é mais adequado chamar os seis personagens de sobreviventes, e não de vítimas. Cada um bolou sua história, baseada ora em memórias, ora em sonhos. Alguns, pelo menos em um primeiro momento, encaram a missão como fosse a de um super-herói da Marvel. Outros estão receosos do que vão sentir ao revisitar suas recordações ou, pior, endereços ligados aos abusos. Joe, Mike, Ed, Dan, Michael e Tom ajudam uns aos outros, mesmo que isso signifique interpretar, nos filmes ficcionais, o padre molestador. Embora não haja a reencenação das agressões sexuais, esses são momentos perturbadores do documentário, sobretudo pela presença, nas cenas, de um ator infantojuvenil, Terrick Trobough, que encarna a versão menino de todos os seis. Por outro lado, é comovente a relação protetora que eles estabelecem com o garoto.
O documentário de Greene, Eldred, Foreman, Gavagan, Laurine, Sandridge e Viviano relembra o quão traumatizantes são os ataques perpetrados por figuras em que não apenas as crianças, mas suas famílias e, por extensão, a sociedade depositam total confiança. Reforça a urgência do combate ao silêncio e à hipocrisia da Igreja. E reafirma o poder de cura da coletividade e o poder catártico da arte.