Ilha do Medo (Shutter Island, 2010), filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Leonardo DiCaprio, é um fenômeno no streaming — está disponível em sete plataformas: Amazon Prime Video, HBO Max, Netflix, Telecine e, para aluguel ou compra, em Apple TV, Google Play e YouTube.
Ou seja: muita gente pode assistir ou já assistiu a este thriller policial baseado em um romance do escritor estadunidense Dennis Lehane originalmente lançado no Brasil como Paciente 67, em 2005, e depois rebatizado com o mesmo nome do filme.
A dica para quem ainda pretende ver Ilha do Medo é simples: fuja do livro. Nem é pela questão da inevitável comparação — na verdade, o roteiro escrito por Laeta Kalogridis é bastante fiel à obra de Lehane, autor que também está por trás de Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood, Medo da Verdade (2007), de Ben Affleck, A Entrega (2014), de Michaël R. Roskam, e A Lei da Noite (2016), outra vez com direção de Affleck.
Essa fidelidade obriga o leitor convertido em espectador a ter uma dupla personalidade e a conseguir esquecer num escaninho da mente toda a história, sob pena de ser privado do suspense, do mistério, da desconfiança — tão necessários para a fruição do filme.
Quem não sabe patavina sobre Ilha do Medo não precisa ter, hã, medo: nada do que será dito daqui para a frente vai além da sinopse publicada no Google ou do que se vê nos minutos iniciais.
Essa foi a quarta das seis parcerias entre Scorsese e DiCaprio, após Gangues de Nova York (2002), O Aviador (2004) e o oscarizado Os Infiltrados (2006) e antes de O Lobo de Wall Street (2013). A sexta colaboração do cineasta com o astro está prevista para estrear em 2022, o faroeste Killers of the Flower Moon.
A trama de Ilha do Medo se passa em 1954. DiCaprio interpreta o policial do FBI Teddy Daniels, que, na companhia de seu novo parceiro, Chuck Aule (Mark Ruffalo), é mandado para a ilha Shutter, na costa do Estado de Massachussetts, sede de um bem protegido hospital psiquiátrico para criminosos (o nome da ilha é apropriado: em inglês, shutter pode significar "pessoa ou coisa que fecha").
Lá, a dupla vai investigar a fuga de uma paciente, Rachel Solondo, assassina de seus próprios filhos. As buscas são dificultadas pela força da natureza — uma tempestade se aproxima —, por uma certa resistência do médico-chefe, dr. Cawley (Ben Kingsley), e por um inimigo interno: Teddy é acossado por sonhos e pesadelos envolvendo sua esposa (Michelle Williams) e sua experiência como soldado na Segunda Guerra Mundial.
Para onde essa trama avança caberá ao espectador descobrir, mas pode-se falar de como. Reconhecido esteta na arte de fundir imagem e música, Scorsese, na companhia do diretor de fotografia Robert Richardson e das equipes de cenografia e de efeitos visuais, cria um ambiente opressivo bastante adequado, uma espécie de noir em cores, com ecos de Hitchcock, para o qual colabora especialmente a trilha sonora. Trata-se de uma parede de som que mescla composições de Brian Eno, Krzysztof Penderecki e John Adams, entre outros — uma mistura que traduz tanto o estado de espírito do protagonista quanto a ideia de quebra-cabeças proposta pelo enredo.
Ainda que por vezes acelere demais o andamento quando deveria ir mais devagar (e vice-versa), o cineasta e seu ótimo elenco — que inclui Max von Sydow, Emily Mortimer, Jackie Earle Haley, Patricia Clarkson e Elias Kotteas — encontra tempo para trazer à tona temas relevantes. Um deles é o peso dos rótulos: uma interna diz que, no momento em que você é classificada como louca, todas suas atitudes passam a ser vistas como sintomas. Outro é a luta incessante do indivíduo contra seus próprios fantasmas, uma batalha na qual nem sempre a vitória merece comemoração. Como diz um personagem: melhor viver como um monstro ou morrer como um homem bom?