Cory Monteith, Natasha Richardson e Eduardo Coutinho.
À primeira vista, o ator canadense, a atriz inglesa e o diretor brasileiro, nascidos em épocas bem distintas, parecem só ter em comum o campo de ofício — ainda que o primeiro tenha feito mais TV, a segunda, filmes para o cinema, e o terceiro, documentários.
Mas há duas coincidências a unir os três nomes. A primeira é que Monteith, Natasha e Coutinho fariam aniversário neste 11 de maio, terça-feira. A outra é que suas mortes ocorreram em circunstâncias trágicas, chocantes, pungentes.
Cory Monteith (1982-2013)
O ator canadense que interpretava Finn Hudson na série adolescente Glee (2009-2015. disponível no Disney+) morreu em 13 de julho de 2013, aos 31 anos. Seu corpo foi encontrado em um quarto do hotel Fairmont Pacific Rim, no centro de Vancouver, no seu país.
Descobriu-se, na autópsia e na perícia, que ele havia consumido duas garrafas de champagne e injetado heroína. Também havia codeína e morfina no seu organismo. Pode ter sido suicídio ou uma morte acidental por overdose. O ator tinha histórico de problemas com drogas e passagens por clínicas de reabilitação.
Em Glee, Monteith se destacou no papel do capitão do time de futebol que entra no coral da escola e, por isso, vai perdendo sua popularidade. Durante a produção da série, começou a namorar a atriz Lea Michele, que fazia a protagonista feminina, Rachel Berry.
Criado por Ryan Murphy, o mesmo dos seriados de terror American Horror Story e Ratched, Glee parece envolvido em uma maldição. Exatos sete anos após o falecimento de Cory Monteith, o corpo da atriz Naya Rivera, que interpretava Santana Lopez, foi achado no Lago Piru, na Califórnia — antes de se afogar, ela conseguiu salvar o filho de quatro anos, Josey. Em 2018, o ator Mark Salling, que encarnou Noah "Puck" Puckerman, cometeu suicídio aos 35 anos, meses depois de ter se declarado culpado pela posse de imagens de pornografia infantil. Você pode conferir outros casos clicando aqui.
Natasha Richardson (1963-2009)
Protagonista de O Sequestro de Patty Hearst (1988), mãe das gêmeas vividas por Lindsay Lohan em Operação Cupido (1998, em cartaz no Disney+) e vista também em filmes como Nell (1994) e Paixão Sem Limites (2005), Natasha Richardson integrava uma dinastia ligada ao cinema, à TV e ao teatro. A inglesa de 45 anos era neta dos atores Michael Redgrave (1908-1985) e Rachel Kempson (1910-2003) e filha do cineasta Tony Richardson (1928-1991), vencedor dos Oscar de melhor filme e direção por Tom Jones (1963), e da atriz Vanessa Redgrave, 84, oscarizada, na categoria de coadjuvante, por Julia (1977) e premiada nos festivais de Cannes e de Veneza.
Sua tia, Lynn Redgrave (1943-2010) ganhou o Globo de Ouro de atriz coadjuvante por Deuses e Monstros (1998), e seu tio, Corin Redgrave (1939-2010), também era ator, assim como a irmã, Joely Richardson, 56, da série Nip/Tuck (2003-2010) — e que é casada com o produtor cinematográfico Tim Bevan e mãe da atriz Daisy Bevan, 29. O meio-irmão, Carlo Gabriel Nero, 51, filho de Vanessa com o astro italiano Franco Nero, 79, é roteirista e diretor. E, desde 1994, Natasha tinha como marido Liam Neeson, 68, norte-irlandês que recém estava guinando sua carreira para os filmes de ação quando a esposa morreu. Com ele, teve dois dois filhos — o mais velho, Micheál Richardson, 25, seguiu os passos dos parentes (inclusive trabalhou com o pai em Vingança a Sangue Frio, de 2019).
Com essa família longeva e plural, natural que a morte de Natasha comovesse o meio artístico mundial. Mas sua causa foi além: na área da saúde, levantou um alerta para o risco da ausência de sintomas em lesões cerebrais.
Natasha sofreu uma queda durante uma aula de esqui para iniciantes, em Quebec, no Canadá, em 16 de março de 2009. Depois do acidente, ela mostrou estar bem, mas uma hora mais tarde, já no quarto do hotel, reclamou de dores na cabeça e foi levada a um hospital de Montreal, onde os médicos constataram um grave hematoma, provocado pela violência do golpe. Dois dias depois do acidente, Natasha morreu, por conta de uma hemorragia entre o crânio e a membrana que cobre o cérebro.
Quem tem lesões cerebrais às vezes passa pelo que se descreve como um intervalo de lucidez, agindo normalmente durante aproximadamente uma hora ou até mais. Nesse lapso, porém, o órgão se inflama e sangra. A pressão sobre o cérebro pode afetar o tronco encefálico, que controla a respiração e outras funções vitais, e causar um estado de coma ou até a morte.
Por isso, os médicos recomendam aos pacientes que, após uma pancada na cabeça, parecem não haver sofrido sequelas que tenham alguém que os observe, para o caso de surgirem sintomas. Esses sinais — que incluem dor de cabeça, desvanecimento, vômito, problemas na visão, dificuldade para falar ou se mover, confusão e ressecamento na boca ou no nariz — se manifestam quando se começa a fazer pressão sobre o cérebro. Quando alguma dessas coisas acontece, trata-se de uma emergência.
Eduardo Coutinho (1933-2014)
Foi um duplo choque a notícia da morte de um dos mais importantes cineastas brasileiros, naquele 2 de fevereiro de 2014. O paulistano Eduardo Coutinho, 81 anos, havia sido assassinado dentro do apartamento onde morava, no bairro da Lagoa, zona sul do Rio, a facadas — desferidas por um filho seu de quem pouco se sabia, Daniel, 41. Em um surto provocado pela esquizofrenia, Daniel também esfaqueou a mãe, Maria das Dores, 62 (que sobreviveu aos golpes no peito e no abdômen), e tentou se matar.
À época, a produtora de cinema Vera de Paula contou que Coutinho procurava ajudar o filho, que também era dependente de drogas, empregando-o em seus filmes:
— Ele colocava o filho na equipe, levava para as filmagens, tentava ajudar, mas sempre dava confusão. Coutinho era discreto, mas sabemos que sofria muito com essa situação.
Incluindo o póstumo Últimas Conversas, de 2015, Eduardo Coutinho deixou 15 longas (oito deles disponíveis no canal Looke, dentro do Amazon Prime Video) e sete médias-metragens, a maioria deles documentários, depois de um início na ficção (O Homem que Comprou o Mundo, de 1968, e Faustão, de 1972). Cabra Marcado para Morrer (1984), que reconstitui a trajetória de um líder camponês paraibano assassinado em 1962, ganhou o troféu da Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Berlim. Santo Forte (1999), sobre a religiosidade popular em uma favela no Rio de Janeiro, recebeu os Candangos de melhor filme, roteiro e montagem em Brasília e o Prêmio Especial do Júri em Gramado. Edifício Master (2002), no qual o diretor e sua equipe visitam moradores de um antigo e tradicional prédio de Copacabana, foi eleito o melhor documentário na Mostra Internacional de São Paulo, faturou o Kikito da categoria e mereceu uma menção especial no Festival de Havana, em Cuba.
Nos últimos anos da carreira, suas obras escapavam à própria qualificação simples de "documentários", testando os limites entre documento, narrativa e ficção. Vide Jogo de Cena (2007), em que mulheres anônimas e atrizes como Fernanda Torres, Marília Pêra e Andréa Beltrão compartilham e interpretam histórias reais.
O trabalho de Coutinho caracterizava-se pela sensibilidade em retratar nas telas pessoas comuns — em Peões (2004), por exemplo, focou a classe operária do ABC paulista; em O Fim e o Princípio (2005), uma comunidade no sertão nordestino. Usando câmeras portáteis digitais, o diretor se aproximava de seus entrevistados sem se preocupar com restrições de espaço e tempo, transformando conversas com personagens anônimos em acontecimentos impactantes. Tinha a habilidade para encontrar e ouvir o que chamava de "pessoas interessantes":
— A mais interessante é aquela que não só conta coisas interessantes mas que sabe como contar — disse ao jornalista Eduardo Veras, de Zero Hora, em 2005. — Se a pessoa consegue se expressar com força, do ponto de vista do vocabulário, da sintaxe, da construção da frase e, ao mesmo tempo, entra no jogo, porque a entrevista é um teatro, um jogo, essa é uma pessoa interessante. Se você está num ônibus e uma pessoa, sentada atrás de você, começa a contar uma história, às vezes você fica fascinado, sem ver o rosto dela, não apenas pelo que ela conta, mas pelo jeito como conta. Às vezes, você encontra uma pessoa, ela te conta um fato, ela é muito chata, o que ela conta é chato, você quer se livrar dela... É como contar uma anedota, alguns sabem. Outros não.