Não entendo por que Pig (2021), dirigido pelo estreante em longas-metragens Michael Sarnoski e disponível desde janeiro no canal Telecine do Globoplay, não virou simplesmente Porca no Brasil. O subtítulo — uma mania nacional — acrescentado ao nome original, A Vingança, passa a ideia de que veremos uma mistura de excentricidade e violência. Ainda mais que o personagem principal é vivido por Nicolas Cage, ator que já há um bom tempo vem encarnando tipos bizarros ou brutos.
A sinopse, é verdade, também sugere um caminho trilhado outras tantas vezes por Cage: a jornada de autodestruição, o sacrifício e a explosão de fúria em busca de algum tipo de redenção. Os títulos brasileiros de filmes recentes não deixam dúvida: Motoqueiro Fantasma 2: Espírito de Vingança (2011), Fúria sobre Duas Rodas (2011), Fúria (2014), Vingança ao Anoitecer (2014), Uma História de Vingança (2017) e Mandy: Sede de Vingança (2018).
Cage, 58 anos, interpreta o ermitão Rob, que mora em uma floresta do Oregon na companhia de, ora, uma porca. Farejadora, ela é sua companheira na procura por trufas negras, um dos fungos comestíveis mais caros do mundo. O único contato de Rob com a sociedade se dá nas quintas-feiras, quando recebe a visita de seu comprador, Amir (Alex Wolff, de Hereditário e Tempo). São dois personagens opostos: o primeiro, bem mais velho, é um maltrapilho taciturno e de poucas palavras; o segundo, bem jovem, veste ternos elegantes, dirige um Camaro amarelo e garganteia seu suposto sucesso.
A transação não envolve dinheiro — o protagonista já abdicou disso, parece estar em estado de graça junto ao verde e á água e a distância dos demais seres humanos. A moeda de troca são apenas mantimentos, como aqueles com os quais Rob prepara pratos — torta rústica de cogumelos, rabanada da mamãe com escalopes desconstruídos — que vão batizar os capítulos nos quais Sarnoski e a roteirista Vanessa Block dividem a trama.
O paraíso é sacudido por um incidente violento. Aí, quando outros elementos permitem apostar na execução de Pig como um filme de vingança, a história se transforma. Contraria o padrão estabelecido pelos filmes de Keanu Reeves como John Wick e seguido, por exemplo, por Liam Neeson em Vingança à Sangue Frio (2019) e Bob Odenkirk em Anônimo (2021). Em Pig, o passado não volta à tona em um banho de sangue, mas talvez em um rio de lágrimas.
Indicado ao troféu de estreante na premiação do Sindicato dos Diretores dos EUA, Michael Sarnoski apresenta uma surpresa atrás da outra, a cada camada mostrando mais beleza e tornando o filme, claro, mais profundo. O mundo da gastronomia é apenas o cenário para discutir temas que incluem o processo de luto, o conflito entre liberdade artística e ambição financeira, a discrepância entre os sonhos que tínhamos e o status que queremos preservar, a comunhão com a natureza e necessidade de termos empatia nas nossas relações com as outras pessoas — sejam amigas ou não.
E uma das mais bonitas surpresas de Pig é o desempenho de Nicolas Cage. O ator está contido, concentrado, evitando seus famosos maneirismos. Cativa e emociona, sem jamais escorregar para a pieguice. Merece disputar o Oscar de melhor ator. Seria a terceira vez, após vencer por Despedida em Las Vegas (1995) e competir por Adaptação (2002) — bem que poderia ter concorrido por Feitiço da Lua (1987) também. Tomara que ele esteja entre os indicados quando a lista sair, no dia 8 de fevereiro. Não é justo que some mais indicações — oito — ao famigerado Framboesa do Ouro, o prêmio de galhofa instituído por um publicitário de Hollywood e dedicado aos piores da temporada. Se serve de consolo, Cage nunca "ganhou".