O Sindicato dos Atores dos EUA, o SAG, causou um bafafá entre os críticos ao não incluir na lista das concorrentes ao troféu de melhor atriz Kristen Stewart, protagonista de Spencer (2021), que estreia nesta quinta-feira (27) nos cinemas de Porto Alegre. A ausência na premiação marcada para 27 de fevereiro abalou a expectativa de que o papel de Diana Frances Spencer (1961-1997), a princesa de Gales, garanta à californiana de 31 anos sua primeira indicação ao Oscar — a lista da Academia de Hollywood será anunciada no próximo dia 8. Ganhar a estatueta seria romper um tabu: desde 1995, a atriz oscarizada sempre, pelo menos, disputou o SAG Awards, surgido naquele ano.
É verdade que a própria Stewart já esnobou o Oscar: "I don't give a shit" ("Estou cagando", em tradução livre), disse em um podcast da centenária revista Variety. Mas, por seu desempenho no filme dirigido pelo chileno Pablo Larraín, ela é no mínimo merecedora de uma vaga entre as cinco disputantes.
Só que também é verdade que o encanto de Spencer não reside apenas na atuação de Stewart. Não estamos diante de uma cinebiografia como Judy (2019) e Estados Unidos vs Billie Holiday (2021), recentes filmes ruins em que brilhavam, respectivamente, as atrizes Renée Zellweger (ganhadora do Oscar e do Globo de Ouro) e Andra Day (premiada com o Globo de Ouro e concorrente ao Oscar). Aliás, sequer estamos diante de uma cinebiografia dos moldes tradicionais, que tenta espremer em duas horas de duração toda uma vida.
Larraín tem experiência em obras que reconstituem episódios históricos, são protagonizados por personagens reais e fazem um recorte temporal conciso. Na sua prolífica carreira (desde 2006, já assinou nove longas, um documentário e duas séries de TV, além de ser um dos criadores da antologia de curtas Feito em Casa), podemos encontrar títulos como No (2012), sobre o plebiscito de 1988 que decidiria a permanência ou não do general Augusto Pinochet na presidência; Neruda (2016), sobre a perseguição de um inspetor ao poeta ganhador do Nobel e integrante do Partido Comunista, no final da década de 1940; e Jackie (2016), sobre os primeiros dias da primeira-dama dos EUA após o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963.
Em Spencer, o intervalo de tempo é muito mais breve. Escrita pelo inglês Steven Knight, roteirista indicado ao Oscar por Coisas Belas e Sujas (2002) e criador da série Peaky Blinders (2013-2022), a história traz uma versão ficcional do último fim de semana de Diana junto à família real britânica, no Natal de 1991, antes de ela pedir o divórcio do príncipe Charles (vivido por Jack Farthing, o marido da jovem Leda em A Filha Perdida).
Desde o início do filme, Diana está em fuga, em descompasso. Atrasa-se deliberadamente para os compromissos na casa de campo de Sandringham, não quer que os filhos, William (Jack Nielen), nove anos, e Harry (Freddie Spry), sete, participem da caçada aos faisões, busca evitar costumes arcaicos como a pesagem da realeza em uma antiga balança — engordar nos banquetes natalinos seria sinal de que a pessoa se divertiu no fim de semana, um feito duplamente inalcançável para a princesa bulímica. Lady Di só encontra um pouco de paz na companhia dos meninos, da camareira Maggie (a ótima Sally Hawkins) e do chef Darren (Sean Harris), quando está longe do olhar de reprovação da rainha Elizabeth II (Stella Gonet) ou das palavras ásperas que Charles dirige a ela em raras interações.
Kristen Stewart consegue encontrar um equilíbrio na interpretação: tanto personifica a eterna Lady Di, incorporando seu jeito de falar, por exemplo, como empresta um tanto de sua própria personalidade para o papel.
— Eu me senti extremamente fora de controle em certos períodos da minha vida, e esse é um fator determinante da vida da Diana. Ela deve ter percebido que as pessoas estavam sempre olhando para ela, e eu já experimentei isso, sei como é — disse a atriz em entrevistas.
Em um primeiro momento, até pela diferença de altura entre a personagem real (1m78cm) e sua intérprete (1m65cm), é difícil se desvencilhar da ideia de que estamos vendo não apenas uma representação da chamada Princesa do Povo, mas, sim, Stewart tentando mais uma vez se livrar do estigma da popularíssima saga adolescente Crepúsculo, com cinco filmes lançados entre 2008 e 2012. Mas à certa altura essas duas mulheres se embaralham, e o que passamos a ver é uma personagem atormentada pelas tradições da família real, pelo desamor de Charles, por seus problemas de saúde, por ser alvo constante da mídia e até por fantasmas.
Sim, porque, no seu processo de distanciamento das convenções biográficas, um dos acertos de Spencer é transformar em um filme de terror psicológico esses dias passados em Sandringham.
Diana tem alucinações que envolvem Ana Bolena, a segunda esposa do rei Henrique VIII, executada em 1536, ela também uma figura controversa na história da Coroa britânica.
A direção de fotografia da francesa Claire Maton (de Retrato de uma Jovem em Chamas) investe em cenas de claustrofobia e escuridão.
A edição do chileno Sebastián Sepúlveda, parceiro de Pablo Larraín em O Clube (2015), Jackie (2016) e Ema (2019), traduz os momentos de ansiedade, fragilidade e desorientação da personagem de Stewart.
As cordas e o piano da trilha sonora composta pelo inglês Jonny Greenwood — que nesta temporada também fez a música de Ataque dos Cães e Licorice Pizza — podem causar calafrios.
E a protagonista vive sob a vigilância soturna do major Alistar Gregory (Timothy Spall), que a surpreende, por exemplo, em uma escapada noturna à cozinha, como a lembrar que, no papel de princesa, Diana está condenada a nunca ser ela mesma — somente uma imagem.