Em cartaz a partir de sexta-feira (31) na Netflix, A Filha Perdida (The Lost Daughter, 2021) é a envolvente adaptação do romance homônimo publicado por Elena Ferrante em 2006.
Trata-se da primeira obra em língua inglesa baseada em obras da misteriosa escritora italiana, após os filmes L'Amore Molesto (1995) e Dias de Abandono (2005) — ambos indisponíveis no streaming — e da série A Amiga Genial (2018), cujas duas primeiras temporadas podem ser vistas na HBO Max.
Trata-se, também, do primeiro longa-metragem dirigido pela atriz estadunidense Maggie Gyllenhaal, 44 anos, irmã do ator Jake Gyllenhaal, indicada ao Oscar de melhor coadjuvante por Coração Louco (2009) e ganhadora do Globo de Ouro pela minissérie The Honourable Woman (2014). Ela já havia assinado um dos curtas pandêmicos da antologia Feito em Casa (2020), protagonizado por seu marido, Peter Sarsgaard — que está no elenco de A Filha Perdida.
A trajetória no circuito de premiações permite apostar na presença de A Filha Perdida em algumas categorias do Oscar 2022 — as indicações serão conhecidas em 8 de fevereiro, e a cerimônia da Academia de Hollywood está marcada para 27 de março. No Festival de Veneza, Gyllenhaal recebeu, pelo script, a Osella de Ouro. No Gotham Awards, dedicado a produções com orçamento de até US$ 35 milhões, foram quatro troféus: melhor filme, o Bingham Ray de revelação em direção, atuação principal (Olivia Colman, de A Favorita e Meu Pai) e roteiro.
Desde 2004, 11 dos 18 vencedores do Gotham disputaram o principal Oscar. E cinco acabaram conquistando a estatueta dourada: Guerra ao Terror (2009), Birdman (2014), Spotlight (2015), Moonlight (2016) e Nomadland (2020). No dia 9 de janeiro, A Filha Perdida concorre aos Globos de Ouro de direção e atriz, duas das três categorias nas quais o filme, em maior ou menor grau, é "oscarizável" segundo as previsões da centenária revista Variety — a terceira é a mais certa: roteiro adaptado.
Maggie Gyllenhaal levou da Itália para a Grécia a praia onde tira férias a professora universitária Leda Caruso (papel de Olivia Colman, arrasando como de costume), quase cinquentona. Lá, enquanto é cortejada pelo zelador da casa que alugou, Lyle (Ed Harris), a protagonista fica obcecada por uma jovem mãe, Nina (Dakota Johnson, da trilogia 50 Tons de Cinza).
A partir de então, Leda se vê confrontada por lembranças de quando ela própria (vivida pela excelente Jessie Buckley, da minissérie Chernobyl e do filme Estou Pensando em Acabar com Tudo) lidava com suas duas filhas pequenas. A direção de fotografia da francesa Hélène Louvart (de A Vida Invisível e Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre), a edição do brasileiro radicado nos Estados Unidos Affonso Gonçalves (de Carol e The Velvet Underground) e a trilha sonora do britânico Dickon Hinchliffe (de Inverno da Alma e Locke) contribuem para um embaralhamento entre o que é real, o que é imaginado, o que é impressão e o que é memória.
A trama de mistério, perigo e suspense é entrelaçada à abordagem, com despudor, de temas como maternidade, sexualidade, papéis sociais e ambição profissional. A Filha Perdida faz ressaltar virtudes características de Elena Ferrante, como descreveu em 2020, para GZH, a psicanalista e escritora Diana Corso: "Ferrante é mestra em desvelar os bastidores femininos, assim como das relações entre as mulheres, quer sejam entre mães e filhas, quer entre amigas. São raros os romances onde as mulheres sentem-se de fato traduzidas, onde há uma voz feminina tão explícita na narrativa. Nem sempre somos os seres voltados ao amor ao outro, ao amor erótico, ao amor materno, que se espera de nós; boa parte do nosso trabalho psíquico é de construção de identidade, de inspirar-se umas nas outras, de ficarmos nos medindo entre nós e buscando esse amor fraterno que é essencial".