Em cartaz a partir desta quinta-feira (30) nos cinemas, Turma da Mônica: Lições tem ares de Universo Cinematográfico Marvel.
Pais, fiquem tranquilos: os personagens criados por Mauricio de Sousa não descambam para a pancadaria típica dos Vingadores nem acessam algum tipo de realidade alternativa, como no recente Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Mas, sim, o coelho Sansão é sacudido tanto quanto o martelo de Thor, há uma dupla ameaça física a nossos heróis mirins e o que acontece em uma peça de teatro — ou seja, em uma dimensão paralela — tem impacto dramático no mundo real. E mais: a exemplo da franquia inspirada nos quadrinhos estadunidenses, a adaptação do gibi brasileiro homônimo investe no povoamento do bairro do Limoeiro (estreiam Tina, Rolo e Franjinha, entre outros) e em cenas pós-créditos carregadas de surpresa, encanto e promessa.
Lições dá sequência a Laços (2019), maior bilheteria do cinema brasileiro naquela temporada, com 2,1 milhões de espectadores. Ambos os filmes são dirigidos por Daniel Rezende, que nos tempos de editor concorreu ao Oscar por Cidade de Deus (2002) e trabalhou em obras como os dois Tropa de Elite (2007 e 2010), Ensaio Sobre a Cegueira (2008) e A Árvore da Vida (2011). No papel de diretor, assinou ainda Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e a série Ninguém Tá Olhando (2019).
Os dois filmes também são baseados nas HQs homônimas escritas e ilustradas pelos irmãos Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi para a coleção Graphic MSP, dedicada a abordagens mais autorais e, não raro, mais dramáticas dos personagens de Mauricio. Nos quadrinhos, Laços e Lições formaram uma trilogia encerrada por Lembranças. O cinema não seguirá esses passos. Em nota enviada à reportagem da Folha de S.Paulo, a produtora Bianca Villar disse que o segundo longa-metragem encerra este primeiro ciclo de adaptações — provavelmente porque três dos quatro atores principais ficaram crescidos demais: Kevin Vechiatto, o Cebolinha, já está com 15 anos, Laura Rauseo, a Magali, tem 14, a mesma idade que Gabriel Moreira, o Cascão, completará em fevereiro. A caçula do elenco é Giulia Benite, a Mônica, 13. Mas Bianca acrescentou que está negociando novos projetos (que tal Jeremias: Pele, que faturou o prêmio Jabuti de 2019 ao contar uma história sobre racismo tão contundente quanto poética?).
Se em Laços o desaparecimento do cachorro Floquinho unia a turma do Limoeiro, em Lições os quatro amigos vão sofrer por causa de uma separação. É o tipo o Blip dos filmes da Marvel!
Tudo começa em um ensaio dos quatro amigos para uma apresentação da peça Romeu e Julieta — ou Lomeu e Julieta, como diz Cebolinha, despertando a ira de Mônica. Um quiproquó escolar vai acabar provocando uma ruptura: os pais da guria (Monica Iozzi e Luiz Paccini) decidem trocá-la de colégio.
Embora o ritmo do filme seja oscilante, embora o elenco não esteja à altura da empreitada — a exceção é a Magali de Laura Rauseo, que novamente sobressai —, embora a trilha sonora, mais uma vez, seja intrusiva ao sublinhar as emoções que o espectador deveria sentir, o roteiro de Thiago Dottori é muito feliz em desenvolver os conflitos decorrentes dessa situação (é emotiva e chega a ser brilhante a forma como retoma, mais adiante, o clássico de Shakespeare), ao mesmo tempo em que expande o Monicaverso. Mônica enfrentará o desafio de fazer novos amigos e de lidar com uma espécie de reflexo de sua postura intimidadora perante a turma. Magali vai sentir uma saudade tremenda, enquanto Cebolinha e Cascão, em um primeiro momento, se acharão os novos donos do pedaço — até se darem conta da falta que faz a liderança da Dentuça.
Nem todos os novos personagens agregam à trama (assim como pouco tem de especial a participação de Malu Mader como uma professora), mas é bacana ver a introdução de tipos associados à representatividade, a exemplo da menina negra Milena (vivida por Emilly Nayara), de Humberto (Lucas Infante), que não consegue se comunicar oralmente, e dos irmãos de ascendência japonesa Nimbus (Rodrigo Kenji) e Do Contra (Vinícius Higo). Este último protagoniza alguns dos momentos mais divertidos do filme.
Também estreia o núcleo jovem de Mauricio de Sousa, capitaneado por Tina, interpretada por Isabelle Drummond — atriz que traz no currículo outra figura marcante do imaginário infantil brasileiro, a Emília do Sítio do Picapau Amarelo (2001-2006) —, e completado por Rolo (Gustavo Merighi), Pipa (Camila Brandão) e Zecão (Fernando Mais). Cabe a Tina uma das lições de Lições, que pode ser aplicada tanto na educação emocional da plateia quanto em questões de ordem mais prática: "Quando uma coisa muda, a gente não precisa jogar fora. A gente pode transformar em outra coisa. Isso é crescer".