Diariamente, o Brasil bate recorde de mortes por covid-19. A taxa de ocupação das UTIs nos hospitais gaúchos tem sido superior a 100%. Mais do que nunca, é hora de praticar o distanciamento social.
Para quem tem folga no feriado de Páscoa e conta com acesso a plataformas de streaming, a dica é aproveitar o tempo livre assistindo, do início ao fim, a uma boa série.
Separei aqui 16 títulos de que gostei muito, todos relativamente curtos (vão de quatro episódios a 16), disponíveis no Amazon Prime Video, no Disney+, no HBO Go ou na Netflix. Há comédias, dramas, documentários, suspenses e super-heróis, entre outras atrações produzidas em países como Brasil, Estados Unidos, Inglaterra e Islândia. Quase todas são bem recentes, de 2019 para cá, com exceção de duas ou três. Ordenei as séries pelo número de episódios, para ajudar na escolha:
Collateral
Indicada ao Oscar de melhor atriz por Bela Vingança (2020) e Educação (2010), protagonista de Não me Abandone Jamais e coadjuvante em Shame e Drive, Carey Mulligan, por si só, justifica assistir aos quatro episódios de Collateral. Trata-se de uma minissérie inglesa escrita pelo renomado dramaturgo inglês David Hare, indicado ao Oscar de roteiro adaptado por As Horas e O Leitor. Carey interpreta Kip Glaspie, uma detetive designada para o assassinato de um entregador de pizza que é baleado em um subúrbio de Londres. A partir daí, Hare lança mão de uma teia de personagens para discutir a atuação da polícia, do serviço secreto e do exército, o papel da Igreja e dos partidos políticos, o sistema de imigração e o caldo que levou ao Brexit. Disponível na Netflix.
Quem Matou María Marta?
Já derramei elogios sobre esta eletrizante minissérie que reconstitui um dos casos mais rumorosos da crônica policial argentina. Quanto menos você souber, melhor. Mas o próprio título já é um spoiler, pois quando o documentário começa, o viúvo, o ex-investidor da bolsa de valores Carlos Carrascosa, hoje com 75 anos, familiares e amigos de María Marta García Belsunce narram a primeira versão da morte da socióloga argentina, que participava de um programa de TV com um de seus irmãos, Horacio, e era vice-presidente da Fundación Missing Children (crianças desaparecidas): a de que ela havia sofrido uma espécie de acidente doméstico em 27 de outubro de 2002, aos 50 anos. Só que não. Disponível na Netflix.
Good Omens
Enquanto o Sandman de Neil Gaiman para a Netflix não chega, que tal conferir outra atração baseada em obra do escritor inglês? A minissérie Good Omens, em seis episódios, é baseada no romance satírico Belas Maldições, de Gaiman e Terry Pratchett. Com uma mistura de referência bíblicas e cultura pop, a história retrata a luta de um anjo e um demônio para impedir a guerra final entre céu e inferno, o Armagedon. Michael Sheen, de Masters of Sex, faz o anjo Aziraphale, e David Tennant, de Doctor Who, encarna o demônio Crowley. Há milênios, os dois aprenderam a apreciar a vida entre os humanos e a companhia um do outro. São apaixonados por livros antigos, pequenos restaurantes e carros clássicos, mas agora suas vidas tranquilas na Inglaterra são sacudidas pela chegada do Anticristo — com um detalhe inconveniente: o filho de 11 anos do próprio Diabo foi perdido, após um engano cometido por uma ordem de freiras satanistas. Cabe à dupla improvável de defensores da Criação encontrar o menino antes que seja tarde demais. Na jornada, veremos flashbacks impagáveis de momentos marcantes da história da humanidade e um desfile de rostos (ou pelo menos vozes) conhecidos: Benedict Cumberbatch, Frances McDormand, Jon Hamm, Miranda Richardson, Brian Cox, Adria Arjona... Disponível no Amazon Prime Video.
O Gambito da Rainha
Se você ainda não viu uma das obras de 2020 mais premiadas (recebeu, por exemplo, os Globos de Ouro de melhor minissérie e melhor atriz) e badaladas (até Barack Obama, ex-presidente americano, elegeu como uma de suas favoritas), essa é a chance. É curtinha, sete episódios (que até poderiam ter sido enxugados para seis, mas ok). O importante é que Anya Taylor-Joy, uma das atrizes mais promissoras de Hollywood, está praticamente em todas as cenas. Revelada no terror A Bruxa (2015), ela dá xeque-mate no espectador como uma órfã que se torna jogadora de xadrez nos Estados Unidos dos anos 1960. Beth Harmon tem de enfrentar mais do que grandes campeões: precisa lidar com seus próprios traumas e vícios — no caso, em remédios e em álcool. Disponível na Netflix.
A Máfia dos Tigres
A série documental em sete episódios retrata uma fauna exótica: a dos americanos que colecionam grandes felinos. O personagem central de A Máfia dos Tigres é o dono de um zoológico no Oklahoma, Joe Exotic, um homossexual armamentista que fazia clipes de música country, chegou a se candidatar à presidência dos Estados Unidos e foi acusado de mandar matar sua nêmeses – a igualmente estranha Carole Baskin, herdeira de uma fortuna e administradora de um santuário animal na Flórida. Quer saber mais? Clique aqui para ler meu comentário. Em cartaz na Netflix.
Bom Dia, Verônica
Sucesso de audiência (o que garantiu uma segunda temporada em 2021), a série brasileira de oito episódios surgiu em momento oportuno: dados divulgados em junho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destacam que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 Estados. Bom Dia, Verônica tem como tema, justamente, a violência contra a mulher. A protagonista é uma escrivã da polícia de São Paulo, personagem interpretada pela gaúcha Tainá Müller, que investiga os golpes humilhantes aplicados por um sujeito por meio de um site de relacionamentos. Paralelamente, acompanhamos uma trama ainda mais pesada: a do casal Cláudio e Janete, em desempenhos extraordinários de Eduardo Moscovis e Camila Morgado. Disponível na Netflix.
Ninguém Tá Olhando
Mais uma produção brasileira, e esta foi premiada no Exterior: ganhou o Emmy Internacional de melhor comédia. A série de oito episódios é assinada por Daniel Rezende (diretor dos filmes Bingo, o Rei das Manhãs e Turma da Mônica: Laços) e estrelada pela youtuber Kéfera Buchmann. Ninguém Tá Olhando transforma o mundo dos anjos em uma espécie de repartição pública, cheia de burocracia e tédio. Recém contratado, Ulisses (papel de Victor Lamoglia) vai questionar o sistema enquanto se envolve com a personagem de Kéfera, a humana Miriam, que mistura crenças e erros na vida. Em cartaz na Netflix.
WandaVision
WandaVision, a primeira série da Marvel no Disney+, é a um só tempo saudosista e inovadora. Por um lado, a obra criada pela roteirista Jac Schaeffer (a mesma do vindouro filme da Viúva Negra) presta uma homenagem à história da TV americana. Por outro, essa celebração permite romper com a fórmula que vinha sendo adotada nas adaptações dos quadrinhos dos superseres da empresa — pelo menos inicialmente, não temos mais a jornada do herói, sequer está claro quem é o vilão, e se no cinema os momentos de tolice trazem alívio cômico até para tramas apocalípticas (vide as duas últimas aventuras dos Vingadores), aqui inverte-se a mão: a gravidade vai ganhando terreno sobre o humor. No primeiro episódio, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), a Feiticeira Escarlate, e o androide Visão (Paul Bettany) são apresentados como um típico casal dos subúrbios norte-americanos. No caso, Westview, no Estado de Nova Jersey, onde os demais 3 mil e pouco moradores desconhecem os superpoderes dos vizinhos — manipular com a mente objetos e pensamentos no caso dela, ficar intangível ou resolver num átimo a burocracia do trabalho no caso dele. As cenas são em preto e branco, e o tom de comédia romântica é acentuado pelas risadas da plateia, a claque, e pela duração da história (menos de meia hora). É uma alusão aos clássicos I Love Lucy (1951-1957) e The Dick Van Dyke Show (1961-1966). A partir daí, a série vai avançando no tempo, nos costumes e nos mistérios. Em cartaz no Disney+.
Watchmen
Um dos criadores de Lost, Damon Lindelof, é o responsável por Watchmen, vencedora de 11 prêmios no último Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz (Regina King), ator coadjuvante (Yahya Abdul-Mateen II) e trilha sonora (assinada por Atticus Ross e Trent Reznor e fundamental para o clima da trama). A obra é baseada em uma famosa e premiada história em quadrinhos da segunda metade dos anos 1980. Quem leu a HQ de Alan Moore e Dave Gibbons vai pescar mais rapidamente as referências, como a chuva de lula e as primeiras aparições ou citações de personagens como Ozymandias e Dr. Manhattan. Mas Watchmen foi muito feliz em criar uma trama central totalmente nova e absolutamente atual. Os novos heróis da minissérie, como a Sister Night (Regina King) e o Looking Glass (Tim Blake Nelson), lidam com a violência contra negros nos Estados Unidos. O inimigo é uma organização racista, a Sétima Kavalaria, que, como a Ku Klux Klan da vida real, prega a supremacia branca. Desde o primeiro episódio, que reencena o Massacre de Tulsa, em 1921, durante anos apagado da história oficial americana, Watchmen mostra como os traumas da escravidão passam de geração a geração. Disponível no HBO Go.
Doze Jurados
Falado em holandês, o seriado belga tem 10 episódios e gira em torno de Frie Palmers, mulher acusada de ter assassinado sua melhor amiga, em 2000, e sua própria filha, 16 anos depois. É uma série de tribunal, mas esse não é o único cenário da trama criada por Sanne Nuyens e Bert Van Dael. E Doze Jurados não se concentra apenas na investigação sobre os crimes: há múltiplos personagens e múltiplos enigmas.
Enquanto depoimentos no julgamento e flashbacks reconstituem as circunstâncias das mortes de Brechtje Vindevogel, a melhor amiga, e Roos, a filha, descobrimos o passado de Frie e o papel desempenhado por seu ex-marido e pelo pai da primeira vítima, um ambientalista rico e famoso, somos apresentados aos dramas particulares de uma meia dúzia de jurados. Entre eles, estão a herdeira de um casal brutalmente assassinado, um fotógrafo que frequenta reuniões de viciados em sexo e um empreiteiro enrascado porque seu irmão e sócio contrata operários ilegais – inclusive um brasileiro. Mas talvez a grande personagem seja uma jurada substituta, Delphine, mãe de três crianças e casada com um marido extremamente ciumento e abusivo. Disponível na Netflix.
Trapped
Esta eu não me canso de indicar. Siglufjörður é uma cidadezinha ao norte da Islândia que serve de cenário para os 10 episódios da história fechada contada na primeira temporada (há uma segunda, também com 10 capítulos). As condições climáticas do país e suas paisagens geladas são personagens à parte. Primeiro, uma nevasca isola o local do resto do país. Mais adiante, seus mil e poucos habitantes serão ameaçados pela possibilidade de uma avalanche. Mas o que realmente desestabiliza Siglufjörður é a descoberta, por um pescador, de um tronco humano (daí a ligação entre topografia e anatomia na sequência de abertura). Três policiais, o detetive Andri, Hinrika e Ásgeir, precisam deixar de lado um pouco seus problemas particulares para se dedicarem a uma série de dúvidas e especulações: de quem é o corpo? A vítima pode ser um passageiro ou tripulante de um ferry da Dinamarca que está atracado por lá? E o assassino, também está a bordo ou é alguém da cidade? Existe relação entre o crime e um incêndio ocorrido sete anos atrás, que matou uma irmã da ex-esposa de Andri? Qual a conexão com um empreendimento comercial, um porto que chineses querem construir para encurtar a rota para a América do Norte? Em cartaz na Netflix.
The Wilds: Vidas Selvagens
Criada por Sarah Streicher e com seis episódios (dos 10) dirigidos por mulheres, esta série me capturou desde os primeiros instantes. Pode causar um déjà vu em quem já assistiu a Lost. Parece uma versão adolescente do cultuado seriado exibido entre 2004 e 2010: há um desastre de avião, e flashbacks contam as histórias das nove garotas de personalidades bem distintas (tem a patricinha, tem uma descendente de indígenas, tem uma atleta dos saltos sincronizados...) que vão parar em uma ilha desabitada, sem saber exatamente o que aconteceu. "Mas o verdadeiro pesadelo", diz uma das personagens na abertura, aspirante a escritora, "é ser uma adolescente nos Estados Unidos". Uma mistura envolvente de drama, mistério, processo de maturidade e empoderamento feminino. Disponível no Amazon Prime Video.
After Life
O comediante inglês Ricky Gervais é o criador e o personagem principal deste seriado ambientado em uma cidadezinha, onde um jornalista fica viúvo e passa a distribuir comentários sarcásticos e ataques de raiva, a demonstrar franqueza absoluta e aversão ao convívio com as pessoas (inclusive ele próprio). Mas a amargura e o cinismo dividem espaço com a delicadeza e o riso nas duas temporadas de After Life, cada uma com seis episódios de meia hora cada (leia mais sobre Gervais clicando aqui). Em cartaz na Netflix.
Fleabag
Vencedor de seis prêmios Emmy em 2019, este seriado britânico em duas temporadas de seis episódios, cada um com menos de meia hora (disponíveis no Amazon Prime Video), trafega entre a comédia e o drama. Sua autora e protagonista é Phoebe Waller-Bridge, que faz o papel de uma mulher solteira, dona de uma café não muito frequentado, com problemas de relacionamento com a irmã, o cunhado, o pai e madrasta (a brilhante Olivia Colman) e sempre à procura de sexo para aplacar sua solidão. Essa personagem desconcerta o público ao quebrar a quarta parede: no meio dos diálogos, se vira para a câmera e faz uma careta ou dispara uma tirada irônica. Em outras vezes, no entanto, a máscara cai e nos vemos diante do seu choro e das suas aflições. Ah, vale avisar: na segunda temporada, surge um padre (Andrew Scott) para bagunçar ainda mais a vida dela. Em cartaz no Amazon Prime Video.
The Boys
Esta maratona pode ser mais puxada, pois, em suas temporadas já disponíveis, a série soma 16 episódios, cada um com cerca de uma hora. Como O Gambito da Rainha, trata-se de outra atração elogiada por Obama. Aliás, foi um dos programas citados pelo ex-ocupante da Casa Branca como fontes de inspiração (ou no mínimo relaxamento) para escrever seu novo livro de memórias, Uma Terra Prometida. "Watchmen e The Boys transformaram as convenções de super-heróis e trouxeram à tona questões sobre raça, capitalismo e os efeitos distorcidos do poder corporativo e da mídia", declarou ao site Entertainment Weekly (se quiser saber mais sobre os dois seriados, clique nos links acima). Em cartaz no Amazon Prime Video.
The Mandalorian
Também tem 16 episódios na soma de suas duas temporadas, mas é bem mais fácil de vencer, pois a maioria tem duração inferior a 45 minutos (alguns nem chegam a 40). É um seriado paradoxal. Cada capítulo custa em torno de US$ 15 milhões (mais de 10 vezes o orçamento de Bacurau, por exemplo), mas a atração aposta na simplicidade. E a, digamos, economia narrativa é um trunfo desse derivado do universo Star Wars para cativar até quem não integra o gigantesco fã-clube da saga espacial criada por George Lucas em 1977. Em clima de faroeste, narra as aventuras de um caçador de recompensas, o Mandaloriano do título (interpretado por Pedro Pascal), que logo precisará agir como uma espécie de guardião da chamada A Criança, como The Mandalorian se refere ao popularíssimo Baby Yoda. Escrevi mais sobre o seriado nesta coluna. Em cartaz no Disney+.