Quem cresceu lendo os quadrinhos da Turma da Mônica, em algum momento, se perguntou como seria um filme dessa galerinha com atores de carne e osso. Cebolinha teria cinco fios de cabelo? Cascão seria pura sujeira? Magali engoliria uma melancia inteira? O mais importante: a produção faria jus ao universo criado por Mauricio de Sousa? Não, não, não e sim. Essas respostas podem ser encontradas em Turma da Mônica: Laços, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (27).
Com inspirações em Os Goonies (1985) e Conta Comigo (1986), o filme é uma aventura infantojuvenil colorida, daquelas em que o espectador já pode imaginar o locutor da TV prevendo que os personagens irão se meter em "altas confusões". O enredo: Floquinho, o cachorro do Cebolinha (Kevin Vechiatto), sumiu. O guri de cabelo com fios espetados e com distúrbio fonológico (ele fala "elado") cria um plano infalível: ao lado de seus melhores amigos – Cascão (Gabriel Moreira), Mônica (Giulia Benite) e Magali (Laura Rauseo) –, parte em busca do cão verde da raça lhasa apso (calma, a pintura verde no animal foi digitalizada). Escondidos dos pais, eles rumam para um bosque, seguindo uma pista de onde Floquinho poderia estar, em uma jornada marcada pelos laços da amizade. O elenco ainda conta com nomes como Monica Iozzi, Paulo Vilhena e Rodrigo Santoro em uma participação de luxo como Louco.
O filme é uma adaptação da graphic novel Laços, escrita e desenhada pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi. Lançada em 2013, a obra faz parte do projeto Graphic MSP, que apresenta releituras dos personagens da Turma da Mônica sob a visão de diferentes artistas brasileiros. Coube ao cineasta Daniel Rezende transpor a história dos quadrinhos para o live-action. Embora Laços espelhe produções oitentistas clássicas de aventura, ele explica que a principal inspiração para o longa veio de uma fonte não menos rica:
— Por incrível que pareça, nós recorríamos aos quadrinhos clássicos. De certa forma, a graphic novel (Laços) assume que você conhece os personagens. Como é o primeiro filme da turma, nós tínhamos que apresentar mais o universo clássico. Quando precisávamos de inspiração, abríamos uma revistinha do Mauricio.
Rezende tem uma trajetória bem-sucedida como montador, trabalhando em produções nacionais (Tropa de Elite e O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias) e internacionais (A Árvore da Vida, de Terrence Malick), além de ter sido indicado ao Oscar de Melhor Edição por Cidade de Deus. Ele estreou na direção em 2017 com o sucesso Bingo – O Rei das Manhãs. Em sua segunda empreitada comandando as filmagens, ele aponta que a maior dificuldade era a pressão em adaptar figuras marcantes do imaginário brasileiro.
— Uma das coisas que a gente usou para esta adaptação era sempre responder a seguinte pergunta: como seria essa turminha se eles existissem de verdade? Cebolinha não teria cinco fios de cabelo, o Cascão não é um menino que nunca tomou banho, mas que tem medo de água. Nós voltávamos para os quadrinhos e víamos como seria uma casa do bairro Limoeiro ou até um sofá que o Mauricio desenha. Íamos transpondo isso para o mundo real, os traços "cleans", as cores e as formas geométricas, mantendo o lúdico colorido do universo do Mauricio — detalha.
Outro acréscimo na história de Laços foi o personagem Louco, interpretado por Rodrigo Santoro, que não aparece na graphic novel.
— Rodrigo foi o primeiro ator que convidei no processo, antes de escolher as crianças. Queria que tivesse um momento em que o filme deixava de ser realístico. Era uma cena em que pudéssemos conversar tanto com as crianças quanto com os pais, que entendem de maneiras diferentes. Rodrigo tinha uma preocupação muito grande que não fosse o Rodrigo fazendo o Louco, ele queria sumir atrás do personagem — diz Rezende.
LÚDICO E ATEMPORAL
As histórias da Turma da Mônica sempre trouxeram elementos de um Brasil mais pitoresco, que parecem esvaecidos com o tempo: crianças brincando no campinho, soltando pipa, o verde da grama predominante, as guloseimas constantes, as mães preparando bolos e os deixando esfriar na janela. Isso é transposto para Laços, com sua estética colorida (remetendo aos filmes do Wes Anderson, como Moonrise Kingdom). Tanto que tablets, celulares e computadores não estão presentes.
— Quisemos preservar esse universo lúdico e atemporal. Também não queríamos datar o filme. Queríamos fazer um filme atemporal. Mesmo sem a presença de computadores e celulares, esse filme poderia acontecer hoje assim como nos anos 1990, 1980 e 1970 —sublinha Rezende.
Por isso, Laços é capaz de arrebatar tanto o público mais novinho, por seu aspecto lúdico e divertido, quanto uma geração mais velha, pela memória afetiva. Ou também seu criador, com 83 anos, que completa 60 de carreira em julho. Em vídeo que circula nas redes sociais, Mauricio de Sousa aparece emocionado após uma exibição do longa em São Paulo. Rezende relata que aquela não era a primeira vez que o autor assistia ao filme:
— Na primeira vez que Mauricio assistiu, ainda estava sem cor, sem trilha sonora, sem efeitos especiais, e ele ficou muito emocionado dizendo que o filme era surpreendente e emocionante. Se o criador, após quase 60 anos, consegue se surpreender e se emocionar com os personagens dele em carne e osso, a gente deve ter acertado em algum lugar.
UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO DO MAURICIO (MCU)
Após a estreia da Turma da Mônica no cinema, será que poderíamos ver mais personagens nas telas? Quem sabe Chico Bento em uma aventura solo no Brasil rural? Talvez o Astronauta em presepadas espaciais? Ou ainda Lições,a segunda graphic novel da turminha realizada por Vitor e Lu Cafaggi?
— Tenho vontade de fazer o universo inteiro do Mauricio de Sousa, que acho maravilhoso, é a nossa cultura e conversa com a gente. Mas tudo vai depender do sucesso de Laços. Quanto maior o sucesso, mais chances a gente tem de fazer, como diria a expressão que está na moda, esse universo estendido do Mauricio de Sousa — aponta o diretor.
Poderíamos ter uma franquia estilo Universo Cinematográfico Marvel (MCU) aqui do Brasil, no caso um Universo Cinematográfico do Mauricio? Rezende é esperançoso:
— Por favor. Se a gente tiver um quinto da bilheteria da Marvel, já está ótimo (risos).