Os pais da Mônica estão para se separar. O pai do Cebolinha perdeu o emprego. O pai do Jeremias é vítima de racismo por policiais.
Situações como essas, bem vida real, são frequentes na coleção Graphic MSP, HQs longas (em média, 96 páginas cada, contando os extras) publicadas pela Panini em que personagens criados por Mauricio de Sousa são retrabalhados por novos autores do quadrinho nacional. O público majoritário é o jovem ou o adulto que, na infância, lia os gibis da Turma da Mônica, mas uma das virtudes da série é conseguir se comunicar com a família inteira.
Com alguns limites (leia na entrevista abaixo), as crianças precisam lidar com problemas dos maiores. Em Mônica: Força (lançada em 2016), a roteirista e desenhista Bianca Pinheiro impõe à menina dentuça um problema que coelhada nenhuma vai resolver: seus pais estão enchendo a casa de brigas, testemunhadas pela filha.
— Pra mim, deu! Se for assim, é melhor a gente se separar! — diz o pai.
— Finalmente concordamos em alguma coisa! —retruca a mãe.
Em Cebolinha: Recuperação (2018), o porto-alegrense Gustavo Borges retrata a diferença de classe social, a inveja competitiva, a mentira e a burla, o abalo que uma hora difícil provoca em uma família. O artista traduz e adapta assuntos aos quais os pequenos já devem ter sido expostos nos noticiários, como a crise econômica e os escândalos de corrupção. Borges também passa mensagens bacanas, valorizando a criatividade (os famosos planos infalíveis do Cebolinha ganham uma nova dimensão, tornando-se inspiração para os pais) e o engajamento familiar para superar um perrengue.
— Muitas vezes, é um desafio colocar em palavras sentimentos que também são difíceis para os adultos compreenderem e/ou expressarem. Os livros, os filmes e os gibis são uma ótima ferramenta para, de forma mais lúdica, poder acessar a linguagem infantil — comenta a psicóloga Giuliana Chiapin, mestre em saúde mental e desenvolvimento infantil pela Tavistock Clinic/Londres. — Entrar em contato com personagens que encaram situações semelhantes à da criança, além de ser uma ótima oportunidade de explicar sobre os fatos da vida, traz uma sensação de pertencimento. A criança pode perceber que não é a única que passa por aquilo ou sente daquela forma, e isso é fundamental em termos de saúde mental.
O quadrinista Fabio Coala mescla aventura e filosofia em Horácio: Mãe (2018). Enquanto procura a mãe que nunca conheceu, o tiranossaurozinho nos fala sobre tolerância, sobre os preconceitos que nutrimos e que combatemos, sobre amizade e cooperação, sobre não desistir, sobre a importância de pensar.
Chico Bento: Arvorada (2017), de Orlandeli, lida com a morte de um familiar querido. Em Bidu: Juntos (2016), Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho ensinam pela voz de Franjinha:
— Cuidar de cachorro não é moleza. Tem de dar banho, comida, limpar a bagunça toda. E passear também.
Jeremias: Pele (2018) é a obra mais contundente até agora. Eterno coadjuvante da Turma da Mônica, o menino negro ganhou o protagonismo para discutir justamente a falta de representatividade. Pelas mãos da dupla Rafael Calça (roteiro) e Jefferson Costa (desenhos), Jeremias enfrenta o preconceito e o racismo em um quadrinho para empoderar e conscientizar sobre uma realidade comum a milhões e milhões de brasileiros: os olhares de desprezo ou de desconfiança, as palavras desrespeitosas, as portas fechadas, o vazio ao seu lado em um ônibus lotado, o condicionamento pela cor, o estreitamento do futuro, a luta diária, não raro silenciosa e solitária.
"HQ da Tina terá uma importância e tanto para as mulheres"
Realizada pela Mauricio de Sousa Produções e publicada pela editora Panini, a coleção Graphic MSP estreou em 2012, com Astronauta: Magnetar, de Danilo Beyruth. A série já está em seu 22º título, Mônica: Tesouros, de Bianca Pinheiro, lançada em março. Editor da Graphic MSP, Sidney Gusman concedeu, por e-mail, a seguinte entrevista:
Como é o processo de escolha dos temas a serem abordados? É de total liberdade dos criadores ou há um certo direcionamento?
Algumas Graphics MSP têm pautas. Na verdade, uma ideia de tema que proponho aos autores e eles desenvolvem. Foi assim com Penadinho: Vida (reencarnação da Alminha), Mônica: Força (pais dela em vias de se separar) e Jeremias: Pele (racismo na infância). Penso que isso não deve acontecer sempre, mas pontualmente. Na maioria das vezes, o que peço aos autores é mais amplo: quero uma aventura, algo mais emocional etc. E o desenvolvimento é deles. Claro, com muita troca de ideias até que o roteiro esteja fechado.
Vocês recebem algum tipo de retorno de crianças ou famílias às quais as histórias em quadrinhos foram bastante úteis?
Com certeza. Todas as Graphics MSP geram esse tipo de retorno. Porque os autores tocam em pontos que certamente geram identificação com o público. E isso independe do gênero da história. Mas, nesse sentido, Jeremias, sem dúvida, é a que mais nos fez ouvir dos leitores sobre a importância que essa história adquiriu desde que foi lançada. Muitos professores passaram a usá-la em sala de aula, mesmo sem ser um material didático. Isso mostra bem a relevância da obra.
Existem temas vetados? Assuntos como gênero, vício em tecnologia e obesidade infantil podem ser tratados?
Há temas que não serão abordados por razões óbvias, como erotismo ou violência gratuita, porque não fazem parte do escopo dos personagens do Mauricio. Astronauta, Piteco, Papa-Capim, Turma da Mata e Capitão Feio trazem cenas de lutas. Mas não precisam ter cenas com sangue se espalhando pelas páginas e tripas voando, entende? Outro exemplo: Thuga termina grávida do Piteco em Ingá. O Shiko (autor da HQ) não precisava mostrar os dois durante o ato sexual para informar isso. Temas que conversem com a sociedade de hoje certamente estão na nossa mira.
Pode adiantar alguns dos próximos temas?
O que posso dizer é que a Graphic MSP da Tina, assinada pela Fefê Torquato, vai ter uma importância e tanto para as mulheres (a personagem adolescente da Turma da Mônica estreia em setembro na coleção). E só, para não dar spoilers. As outras duas do ano, Piteco, agora com Eduardo Ferigato, e a segunda do Capitão Feio, com os gêmeos Magno e Marcelo Costa, terão uma pegada mais aventureira.