Dizem alguns pais que quem inventou a frase “dormir feito um bebê” nunca teve um bebê. Ou fazia referência a um sono fragmentado e foi, na verdade, incompreendido esse tempo todo.
O sono das crianças nem sempre é tranquilo, regulado e reparador como a famosa frase parece indicar. Especialmente para os mais novos, dormir é algo tão natural e recorrente quanto inconstante: acontece ao longo de todo o dia e à noite, com intervalos que dificultam um descanso duradouro também para os pais. Conforme elas vão crescendo, o relógio biológico começa a marcar presença, e o ideal é que a rotina de dormir e acordar vá se ajustando.
Mas não é sempre assim que acontece. Desde os recém-nascidos até os pequenos já em idade escolar, a dificuldade de dormir causa preocupações. E acaba tendo efeitos para a casa toda.
— A criança que não dorme bem fica irritadiça, sonolenta ou ainda hiperativa. E o sono, ainda mais nessa idade, tem um benefício muito grande para o aprendizado. Noites maldormidas são ruins para elas, para os pais, para os irmãos, porque todos acabam sendo afetados — explica Tiago Simon, especialista em Medicina do Sono e membro da diretoria regional do Rio Grande do Sul da Associação Brasileira do Sono.
Entre os fatores que mais atrapalham está o uso de eletrônicos momentos antes de ir para a cama, um sono muito tardio, iluminação excessiva em casa ao longo da noite e atividades agitadas demais quando o céu já está escuro. O principal, porém, é a falta de rotina: sem consistência nos hábitos noturnos, fica mais difícil conseguir dormir de maneira regulada.
— Conforme o sol vai caindo, deve começar uma rotina amigável em casa. Dormir não pode ser algo negativo. A criança chega da escola, toma um banho, come algo, assiste um desenho, ouve uma história e vai se preparando para ir até a cama. Associando hábitos positivos à hora de dormir, fica mais fácil — continua Simon.
— A esses bons hábitos, damos o nome de higiene do sono. É o conjunto de atitudes que podemos ter para contribuir com a qualidade do sono, e a rotina é uma das principais dicas para uma boa higiene do sono — complementa a pediatra e pneumologista infantil Magali Lumertz, coordenadora do Comitê de Pneumologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul.
Pequenas mudanças podem provocar grande efeito
Quando o sono não vai bem, as crianças dão sinais. No começo, eles podem ser menos perceptíveis, como esfregar os olhos com frequência, perder o interesse pelas pessoas e brincadeiras, bocejar demais, pedir mais colo para a mãe e o pai, chorar mais do que o normal. Conforme as noites maldormidas vão se tornando comuns, os efeitos também ficam mais claros: os pequenos alimentam-se mal, ganham pouco peso ou crescem menos do que o previsto, tendem a explosões emocionais, não conseguindo se acalmar facilmente, e demonstram agitação e hiperatividade, principalmente ao final do dia.
Dormir pouco e mal nos primeiros anos de vida pode esconder problemas de saúde, como apneia do sono, ou intensificar os efeitos de doenças como a asma, por exemplo. Mas, em geral, a questão pode ser resolvida com pequenas mudanças — capazes de fazer grande efeito nas noites de toda a família.
— O sono dos pais também é prejudicado pelo mau sono dos filhos. E não só no caso dos recém-nascidos. Quando precisam acordar muitas vezes durante a noite, preocupados com as crianças, eles também terão queixas durante o dia. Além disso, o sono fragmentado causa maior probabilidade de hipertensão, diabetes, infarto — enumera o pneumologista Tiago Simon.
Um estudo realizado pela Universidade de Warwick, do Reino Unido, publicado pelo periódico Sleep em janeiro, mostra que o sono dos pais é uma das áreas mais afetadas. De acordo com dados coletados de quase 4,7 mil pais, acompanhados por oito anos, o sono do casal é de má qualidade até que a criança complete seis anos.
E quando é hora de procurar ajuda especializada? Para os médicos, uma noite maldormida na semana, por exemplo, não chega a ser preocupante. Mas se isso se torna rotineiro e afeta o dia a dia das crianças e dos pais, é recomendável mencionar o problema para o pediatra, que poderá indicar uma solução.
"Nós éramos zumbis", diz Mariana
Quando Clara, hoje com seis anos, nasceu, a dentista Mariana Póvoa viu em poucos meses que não era tão fácil para a filha pegar no sono. A pequena, mesmo agora, não consegue simplesmente deitar na cama e dormir. E quando a casa ficou mais cheia, com a chegada da caçula Manuela, agora com um ano e cinco meses, a mãe decidiu que era hora de mudar.
Com a ajuda de uma consultora de sono, ela e o marido, o bacharel em informática Rodrigo Figueira, resolveram promover algumas mudanças na rotina da família. Nos primeiros meses, Manu só conseguia dormir quando estava com os pais, quando era embalada por eles ou quando ouvia alguma cantiga.
— Nós éramos zumbis. Ela acordava com muita frequência, e assim não conseguíamos dormir. Fizemos um condicionamento para ela aprender a dormir sozinha. E o que aprendemos acabou ajudando também a Clara e a nós mesmos — diz Mariana.
A adaptação, garantem os pais, foi muito tranquila. Eles passaram a deixar o bico perto do berço, ao alcance de Manu, definiram horários mais claros em casa e tornaram o ambiente de sono das crianças, em geral, mais agradável. Quanto aos resultados, só elogios: família toda dormindo melhor e acordando mais disposta para as atividades do dia a dia.
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