Na hora de fechar a lista dos melhores filmes do ano, sempre bate uma angústia ao comparar com aquelas publicadas no Exterior. Não pelas divergências, isso faz parte do jogo, mas pela defasagem. É duro deparar com vários títulos que ainda não foram lançados ou sequer exibidos no Brasil, seja no cinema ou no streaming — o critério é fundamental para a minha seleção. Nesta temporada, dá para citar Belfast, do norte-irlandês Kenneth Branagh, concorrente a sete Globos de Ouro; Licorice Pizza, do estadunidense Paul Thomas Anderson, que disputa quatro categorias no troféu entregue pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood; Titane, da francesa Julia Ducournau, Palma de Ouro no Festival de Cannes; Madres Paralelas, o mais recente trabalho do espanhol Pedro Almodóvar; Memória, do tailandês Apichatpong Weerasethakul; Spencer, do chileno Pablo Larraín, que pode valer a Kristen Stewart uma vaga no Oscar de melhor atriz; e alguns dos cotados à estatueta dourada de longa internacional, como Drive my Car, do japonês Ryûsuke Hamaguchi, e The Worst Person in the World, do norueguês Joachim Trier.
Com o atraso nas estreias nacionais, o ranking de 2021 acaba misturando filmes deste ano com destaques de 2020 que haviam ficado represados pelas distribuidoras por falta de janela comercial nas salas de cinema ou visando capitalizar possíveis indicações ao Oscar, por exemplo.
Feita a introdução, aqui estão, em ordem alfabética, as 30 menções honrosas — afinal, vi muito filme bom em 2021 — e, em ordem decrescente, os meus 11 melhores do ano (o número simboliza a extrema dificuldade em reduzir a pré-seleção a um top 10). Se quiser saber mais sobre as obras, clique nos links.
Menções honrosas:
Agente Duplo (Globoplay)
A Artista e o Ladrão (MUBI, Apple TV, Google Play e YouTube)
O Canto do Cisne (Apple TV+)
A Crônica Francesa (recém exibido nos cinemas)
A Dark, Dark Man (exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
Deserto Particular (recém exibido nos cinemas)
Dois Minutos Além do Infinito (exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
Druk: Mais uma Rodada (Amazon Prime Video, apenas para aluguel ou compra, Apple TV, Google Play e YouTube)
Duas Tias Loucas de Férias (HBO Max)
Duna (HBO Max)
Em um Bairro de Nova York (HBO Max)
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (Netflix)
A Filha Perdida (estreia na Netflix em 31/12)
Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (em cartaz nos cinemas)
Judas e o Messias Negro (HBO Max, Google Play e YouTube)
Jumbo (exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
Loucos por Justiça (Google Play e YouTube)
Luca (Disney+)
Não Olhe para Cima (Netflix)
Nem um Passo em Falso (HBO Max)
No Ritmo do Coração (Apple TV+)
Nomadland (Telecine)
Nove Dias (recém exibido nos cinemas)
O Refúgio (Amazon Prime Video)
7 Prisioneiros (Netflix)
Shadow (Apple TV, Google Play e YouTube)
O Tigre Branco (Netflix)
A Última Floresta (Netflix)
Uma Noite em Miami (Amazon Prime Video)
Wolfwalkers (Apple TV+)
11º) Saint Maud
O filme de estreia da diretora e roteirista inglesa Rose Glass é de 2019, mas só chegou em 2021 ao Brasil. Em uma cidadezinha litorânea da Inglaterra, uma jovem enfermeira (Morfydd Clark) acredita falar com Deus, se flagela nas horas vagas e encara como missão religiosa cuidar de uma coreógrafa com câncer (Jennifer Ehle). Saint Maud mistura a dor física com a dor psicológica e explora a relação entre sanidade mental e devoção religiosa. E acerta em tudo: na opressiva direção de fotografia, na nervosa trilha sonora, na enxuta duração e na exposição de violência quando necessária. (Apple TV, Google Play e YouTube)
10º) O Grande Salto
No filme do iraniano Karim Lakzadeh, uma mulher (Sonia Sanjari) recebe a notícia de que seu filho, dado como morto no parto, está vivo. Então, ela parte em uma jornada na companhia do cunhado e de três excêntricos artistas de circo, sob uma trilha sonora ao mesmo tempo fundamental (por ditar o clima das cenas) e cautelosa (por não ser onipresente nem ribombante) e pontuada por reflexões sobre morte e ausência, sobre reparação e credibilidade, sobre viver em fuga _ seja de algo físico, externo, seja de um sentimento — ou em busca (uma personagem diz ser movida por "procurar pela estrada algo que não existe"). (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
9º) Identidade
Baseado em romance de Nella Larsen, o filme é ambientado na Nova York dos anos 1920. Lá, se reencontram Irene (Tessa Thompson), que se identifica como negra e está casada com um médico negro (que sonha em se mudar para o Brasil, um país onde, segundo ele, não há racismo), e Clare (Ruth Negga), que se passa por branca e tem um marido rico e preconceituoso. Amparada pela belíssima fotografia em preto e branco e por uma melancólica trilha sonora, a atriz e agora diretora Rebecca Hall conduz a trama com uma delicadeza que não esconde as turbulências. (Netflix)
8º) O Discípulo
Escrito e dirigido com estilo quase documental pelo indiano Chaitanya Tamhane, recebeu a Osella de Ouro de melhor roteiro no Festival de Veneza de 2020. O filme é sobre o processo de autoaperfeiçoamento de um jovem cantor de ragas (interpretado por Aditya Modak), elemento central e transcendental na música clássica da Índia. O protagonista renunciou ao trabalho e postergou a vida amorosa para seguir as lições do pai já falecido e de uma mítica maestrina, Maai, de quem possui raras gravações de palestras. Mas talvez seus sonhos esbarrem em suas limitações. (Netflix)
7º) Bo Burnham: Inside
É um filme? É um especial de comédia? É um musical? É um monólogo? É um registro documental sobre a vida durante a pandemia? Inside é — parafraseando uma das canções do próprio comediante estadunidense — um pouco de tudo o tempo todo. Bo Burnham escreveu, dirigiu, estrelou e editou em casa os desconcertantes 90 minutos dessa mistura brilhante de zoação e lamento, crítica social e crise existencial. (Netflix)
6º) No Caminho da Cura
Na lista dos 15 semifinalistas do Oscar de melhor documentário (os indicados serão anunciados em 8 de fevereiro), o filme de Robert Greene é sobre seis homens que, na infância, foram abusados sexualmente por padres. Vale enfatizar o plural: os depoimentos evidenciam que não havia apenas uma maçã podre na Igreja Católica dos Estados Unidos, mas uma rede de pedofilia. Em jogos de beisebol ou passeios em lagos, os clérigos exibiam uns aos outros os meninos que estupravam. No presente, enquanto lutam por Justiça, os seis sobreviventes são convidados pelo diretor e por uma dramaterapeuta para criar e estrelar pequenos filmes sobre seus próprios traumas. É o processo ao qual se refere o título original, Procession. (Netflix)
5º) First Cow: A Primeira Vaca da América
O diretor do oscarizado Parasita sentiu inveja deste faroeste às avessas realizado pela estadunidense Kelly Reichardt: no Oregon de 1820, um padeiro (John Magaro) e um imigrante chinês (Orion Lee) tentam sobreviver e, se possível, prosperar à sombra de um inglês rico (Toby Jones), capaz de defender as "recompensas financeiras advindas da punição corporal a empregados indolentes". Foi eleito o melhor filme do ano pela revista francesa Cahiers du Cinèma. (MUBI, Apple TV, Google Play e YouTube)
4º) Meu Pai
Na companhia do inglês Christopher Hamtpon, o diretor francês Florian Zeller ganhou o Oscar de roteiro adaptado por transformar uma peça de teatro em uma experiência que só um filme é capaz de oferecer. Mergulhamos na mente do octogenário protagonista desafiado pela degeneração da memória. O Oscar de melhor ator coroou o brilhante e comovente desempenho de Anthony Hopkins. (Apple TV, Google Play e YouTube)
3º) Quo Vadis, Aida?
No filme que representou a Bósnia e Herzegovina no Oscar 2021, uma tradutora da ONU (papel de Jasna Duricic) tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, perpetrado por tropas sérvias em julho de 1995. A cineasta Jasmila Zbanic defende a verdade como única forma de lidar com guerras, ditaduras, regimes de apartheid oficiais ou não oficiais, perseguições políticas, étnicas, religiosas etc. e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado. (Apple TV, Google Play e YouTube)
2º) Bela Vingança
Ganhador do Oscar de melhor roteiro original, o primeiro longa dirigido pela atriz britânica Emerald Fennell conta com uma atuação extraordinária de Carey Mulligan. Ela interpreta Cassie, que finge estar bêbada, desnorteada e desamparada em bares para atrair homens que, por sua vez, fingem não compactuar com a cultura do estupro. A mistura de visual colorido e tema sombrio do filme é muito bem resumida na cortante versão instrumental de uma canção pop de Britney Spears, Toxic, aqui executada apenas ao violino, à viola e ao cello. (Apple TV, Google Play e YouTube)
1º) Ataque dos Cães
Indicado a sete Globos de Ouro e vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza, é um dos maiores favoritos ao Oscar. A diretora Jane Campion, a mesma de O Piano (1993), faz um faroeste tardio (se passa em 1925) e desconstrutivo. Não espere bangue-bangue _ este é um filme extremamente tátil, pleno de silêncios e olhares ora furtivos, ora eloquentes. Forma e conteúdo se combinam: Ataque dos Cães trata de atrito e de atração e é povoado por personagens ambíguos, com desejos sexuais reprimidos que podem levar a situações de perigo.
O protagonista é interpretado por Benedict Cumberbatch, o Sherlock da série de TV e o Doutor Estranho do Universo Cinematográfico Marvel, no grande desempenho de sua carreira. Seu personagem, Phil Burbank, estudou na prestigiada faculdade Yale mas preferiu levar uma vida de bronco. Essa vida começa a ser abalada quando o irmão dele (Jesse Plemons) se casa com uma mãe viúva (Kirsten Dunst), que tem um filho adolescente de traços e modos delicados (Kodi Smit-McPhee). Daí por diante, Campion mostra como a masculinidade tóxica pode destruir não apenas tudo em que toca, mas também ser nociva para seu portador. (Netflix)