Adicionado recentemente ao catálogo do Amazon Prime Video, O Refúgio (The Nest, 2020) é um filme ambientado na Inglaterra da década de 1980 que poderia se passar em qualquer lugar do Ocidente e em qualquer época da História. Na verdade, não fosse a trilha sonora calcada em bandas oitentistas britânicas — New Order, The Cure, Bronski Beat/The Communards, Thompson Twins —, não fossem as referências a personagens marcantes e assuntos quentes daqueles tempos, como o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e o mercado de petróleo, não fossem as ausências dos celulares e das redes sociais, a trama escrita e dirigida por Sean Durkin poderia estar acontecendo agora e aqui.
A atemporalidade é apenas uma das virtudes do segundo longa-metragem assinado pelo canadense Durkin, o mesmo de Martha Marcy May Marlene (2011), vencedor do troféu de melhor direção no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, e de uma das mostras paralelas de Cannes. Se no título anterior ele tratava da paranoia, no novo, seu foco está na mentira. Em ambos os casos, uma família sofre as consequências de uma e de outra.
Mistura chique de drama e suspense, O Refúgio é o que se pode chamar de tesouro escondido. Além de ter sido lançado sem muito alarde, passou meio longe do radar na temporada de premiações. Basicamente, ficou na lista dos 10 melhores filmes independentes dos críticos dos EUA associados à National Board of Review e concorreu apenas ao Gotham Awards, destinado a produções com orçamento de até US$ 35 milhões, nas categorias de melhor ator e melhor atriz. Os indicados foram o inglês Jude Law — que disputou o Oscar por O Talentoso Ripley (1999), como coadjuvante, e Cold Mountain (2003) — e a norte-americana Carrie Coon, vista nas séries The Leftovers (2014-2017), Fargo (em 2017) e The Sinner (em 2018).
Law interpreta Rory O'Hara, um carismático empreendedor britânico que, depois de 10 anos morando em Nova York, decide que é hora de retornar à terra natal. A contragosto, sua esposa, Allison (papel de Carrie), muda-se com ele e os dois filhos — a adolescente Sam (Oona Roche, do seriado The Morning Show) e o menino Ben (Charlie Shotwell, dos filmes Capitão Fantástico e Eli) — para uma mansão em Surrey, nos arredores de Londres.
Absurdamente desproporcional para quatro pessoas, a casa é um personagem à parte. Quase como se fosse mal-assombrada, reflete, a um só tempo, a ambição desmedida de Rory, o afastamento familiar e, com seus quartos e corredores escuros, o ensombrecimento das almas de seus moradores. Bonita por fora e decadente por dentro, é o ícone do pai, um sujeito que no fundo não tem a grana para manter o padrão de vida desejado.
Repare nas duas fotos que ilustram este texto. Na primeira, que flagra o casal em frente a um espelho, se preparando para uma festa, a imagem de Rory não está nítida — como se não fosse real, íntegro. Na segunda, já na festa, percebemos a tensão no rosto de Carrie Coon, enquanto o personagem de Jude Law, com seu sorrisinho, segue mantendo as aparências.
O Refúgio pergunta: o que acontece com uma vida calcada em mentiras quando a verdade começa a vir à tona? As respostas podem incluir palavras como negação, ruptura e libertação. E, como Carrie Coon nos mostra em uma cena carregada de simbolismo, mais cedo ou mais tarde teremos de fazer o luto por um sonho que já estava morto e enterrado.