Dormir no ônibus e perder a parada já deve ter acontecido com todo mundo. Mas que tal pegar no sono dentro de um foguete e só despertar quando estiver no espaço, no início de uma viagem de dois anos rumo a Marte? É o que acontece em Passageiro Acidental (Stowaway, 2021), filme lançado recentemente pela Netflix.
A plataforma de streaming vem investindo na ficção científica com astronautas. Em setembro, estreou a série (já cancelada) Away, que também é sobre uma jornada para Marte — Hilary Swank encarna a comandante norte-americana de uma tripulação formada por russos, chineses e indianos, entre outras nacionalidades. Em dezembro, foi a vez de O Céu da Meia-Noite, dirigido e estrelado por George Clooney, um dramalhão previsível em que um cientista busca mandar uma mensagem urgente para uma missão da Nasa que estava em K-23, um exoplaneta habitável: seus tripulantes não devem voltar, porque a Terra está morrendo. Em fevereiro, chegou Nova Ordem Espacial, produção sul-coreana protagonizada por quatro catadores de lixo cósmico que encontram um robô com a aparência de uma menina de sete anos e procurada pelas autoridades.
Dirigido e coescrito pelo brasileiro radicado em Los Angeles Jônatas de Moura Penna, o Joe Penna, 33 anos — o mesmo de Ártico (2018), que foi estrelado por Mads Mikkelsen e selecionado para o Festival de Cannes —, Passageiro Acidental parece estar anos-luz à frente desses títulos. Apesar de sua premissa permitir uma abordagem com toques de humor, só se respira tensão na nave comandada por Marina Barnett, personagem interpretada por Toni Collette (indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por O Sexto Sentido).
Aliás, mal se respira.
Porque logo que descobrem a presença de um passageiro extra, Marina, o cientista David (Daniel Dae Kim, dos seriados Lost e Havaí 5.0) e a médica Zoe (Anna Kendrick, da franquia A Escolha Perfeita) deparam com um problema muito sério: não há oxigênio para quatro pessoas a bordo.
Como o engenheiro Michael (Shamier Anderson) foi parar ali não vem ao caso. O fato é que ele está lá. E, não por acaso, o intruso é negro — também um intruso nos Estados Unidos, onde ganhou fama no YouTube, o paulista Penna reflete sobre racismo sem precisar recorrer a uma linha de diálogo sequer. Michael, o homem negro, é o "problema", a "ameaça" naquele ambiente exíguo que singra na vastidão do espaço. A propósito, o diretor explora bem esses dois cenários opostos, jogando com a claustrofobia nas cenas internas e com a vertigem nas exteriores.
Com menos ação do que se poderia esperar, Passageiro Acidental revela-se um belo exemplo sci-fi daquele tipo que nos coloca contra a parede e pergunta: o que você faria? Transcende o gênero com dilemas morais que envolvem questões como sobrevivência e sacrifício, empatia e esperança. O quanto somos dispostos a pensar menos no próprio bem e mais no bem coletivo? A vida de alguém vale mais do que a de outra pessoa? Quais os critérios que norteariam esse terrível julgamento?