Desconfiado por causa do trailer, não vi Que Horas Eu te Pego? (No Hard Feelings, 2023) quando foi exibido nos cinemas, mas aproveitei sua estreia no streaming, ainda no ano passado, para conferir a comédia estrelada por Jennifer Lawrence — ganhadora do Oscar de melhor atriz por O Lado Bom da Vida (2012) e indicada por Inverno da Alma (2010), Trapaça (2013, mas na categoria de coadjuvante) e Joy: O Nome do Sucesso (2015).
Agora que o título entrou no menu do Amazon Prime Video, recomento novamente, pois o filme tem uma das cenas mais engraçadas dos últimos tempos.
Não vou revelá-la por completo, mas aviso que este texto terá spoilers.
Antes, me deixem, por favor, reclamar mais uma vez da "tradução" de um título em inglês. O original, No Hard Feelings, é uma expressão bastante comum que significa "sem ressentimentos" ou "sem mágoas". Tem tudo a ver com a personagem encarnada por Jennifer Lawrence, uma mulher de 30 e poucos anos acostumada a não se apegar a relacionamentos. É uma espécie de "devoradora de homens", como diz a canção pop Maneater (1982), lançada em 1982 pela dupla estadunidense Hall & Oates e empregada duas vezes na trilha sonora — primeiro em uma cena de piada, depois em um momento comovente.
Por que, no Brasil, a Sony resolveu rebatizar o filme? O que Que Horas Eu te Pego? tem a ver com a história? Na minha opinião, nada.
Este é o segundo longa-metragem dirigido por Gene Stupnitsky, autor de Bons Meninos (2019), conhecido pelo trabalho como produtor no seriado The Office (66 episódios entre 2007 e 2010) e cocriador, com Lee Eisenberg, da série Na Mira do Júri (2023). No roteiro escrito com John Phillips, ele mistura comédia romântica ao besteirol erótico que popularizou a franquia American Pie, iniciada em 1999. O resultado é mais terno do que picante, mas inclui diálogos de duplo sentido, piadas sobre sexo e cenas de nudez.
Na trama, J-Law interpreta a falida garçonete Maddie, moradora de uma cidadezinha litorânea, onde, ao ter seu carro apreendido (aliás, por um ex-ficante, encarnado por Ebon Moss-Bachrach, o primo Richie da série O Urso), perde a chance de completar sua renda como motorista de Uber. Meio por desespero, meio por inércia, a protagonista resolve encarar um anúncio bastante peculiar: um casal rico e superprotetor — papéis de Matthew Broderick e Laura Benanti — promete dar um automóvel seminovo para qualquer jovem bonita e inteligente que aceite a missão de tirar a virgindade do filho único, Percy.
Vivido por Andrew Barth Feldman, Percy tem 19 anos e está prestes a entrar na prestigiada faculdade de Princeton. Os pais acham que a primeira transa vai fazer para a autoestima e a autoconfiança do rapaz — mas também estão cientes do efeito reverso se ele descobrir a armação.
Não é preciso ser versado em comédias românticas para intuir os rumos do filme, mas não faltarão atrativos no caminho. Os diálogos, ora apimentados, ora irônicos, são bem escritos — adorei especialmente as interações dos pais com Percy e com Maddie. Feldman consegue equilibrar as doses de timidez, doçura, ingenuidade, entusiasmo e inaptidão de seu personagem de um modo que ele não escorregue para o clichê ou a caricatura. E Jennifer Lawrence nos lembra de como é uma atriz talentosa (tanto para a comédia quanto para o drama), carismática e destemida — característica principal da tal cena mais engraçada do ano, em que ela é vista totalmente nua (de frente, de lado e de costas).
"Todos na minha vida e na minha equipe perguntavam: 'Tem certeza? Tem certeza? Tem certeza?'", recordou Lawrence em entrevista à Variety. "Eu nem pensei duas vezes: foi hilariante para mim."
E para mim também!
(Relembrando o aviso sobre spoilers.)
A cena acontece quando Maddie, que está tendo mais dificuldade do que esperava para seduzir Percy, o convence a nadar nu com ela no mar. Da água, os dois veem que um trio de adolescentes embriagados, por sacanagem, rouba as roupas do casal.
Aí, Maddie/J-Law, furiosa e sem vergonha nenhuma, emerge do mar. Vê-se tudo do seu corpo, mas desta vez, contrariando o padrão de exposição da nudez feminina em filmes, séries, comerciais etc, não parece haver objetificação sexual — o objetivo é puramente fazer rir. Maddie se engalfinha em uma briga com os três adolescentes de um jeito que remete àquela impagável sequência de Borat (2006) na qual os personagens de Sacha Baron Cohen e Ken Davitian, ambos pelados, travam uma luta desleal que se estende do quarto aos corredores de um hotel. Na praia de Que Horas Eu te Pego?, também vale tudo. Inclusive chute no saco, ou melhor: na perereca!
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