A lista das piores traduções brasileiras para títulos de filmes estrangeiros acaba de ganhar um integrante ilustre. Toc Toc Toc: Ecos do Além foi o nome genérico, reiterativo e equivocado dado no país para o terror estadunidense Cobweb (2023) — em português, teia de aranha.
Aviso importante: para justificar a queixa, este texto poderá ter pequenos spoilers sobre o primeiro longa-metragem dirigido pelo francês Samuel Bodin — realizador da minissérie de horror Marianne (2019, disponível na Netflix) —, em cartaz desde quinta-feira (31) nos cinemas de Porto Alegre.
O título original pode não ser um primor, mas está adequado ao roteiro escrito por Chris Thomas e estrelado por Antony Starr (o Capitão Pátria do seriado The Boys), Lizzy Caplan (das séries Masters of Sex, Atração Fatal e A Nova Vida de Toby), Woody Norman (o sobrinho de Joaquin Phoenix em Sempre em Frente, visto em outro terror de 2023, Drácula: A Última Viagem do Demeter) e Cleopatra Coleman (de Dopesick e Piscina Infinita).
Teia de aranha remete a coisas velhas e também a armadilha. Bem, a casa de madeira onde moram os personagens principais do filme é antiga, está caindo aos pedaços, e, verdade seja dita, muito do que tem de sinistro e perigoso já é familiar para os fãs do gênero. Até o nome da cidade fictícia dá um déjà vu: Holdenfield lembra Haddonfield, da franquia Halloween. Aliás, a história começa uma semana antes do Dia das Bruxas, e abóboras serão mais do que um elemento decorativo. Alguns críticos já apontaram semelhanças com O Telefone Preto (2021), adaptação de um conto de Joe Hill, e com os filmes baseados em obras do pai desse escritor, Stephen King, como Conta Comigo (1986) e o díptico It (2017-2019), nos quais crianças se encontram sozinhas e se veem forçadas a amadurecer e encarar um mundo terrível. O desenvolvimento fará lembrar outras produções recentes do gênero — mas daí entraríamos mais a fundo no terreno dos spoilers. Para mim, importa que, naquilo a que se propõem, a criação de um ambiente sombrio e de uma atmosfera amedrontadora, é muito eficiente a colaboração de Bodin com o diretor de fotografia Philip Lozano (seu parceiro em Marianne e hábil em lidar com a escuridão e as silhuetas), os editores Kevin Greutert (de Os Estranhos, filme em que a montagem também trabalha bastante com a expectativa do espectador) e Richard Riffaud, o designer de produção Alan Gilmore (do igualmente claustrofóbico Predadores Assassinos) e a compositora italiana Sofia Hultquist, que assina a trilha sonora como Drum & Lace.
Woody Norman interpreta Peter, um menino de oito, nove anos. Os pais, Carl (Antony Starr) e Carol (Lizzy Caplan), tratam o filho com um misto de superproteção e negligência. Ora impedem o guri de participar da tradicional brincadeira de "doces ou travessuras" por ainda estarem assustados com o desaparecimento de uma garota quando o guri ainda nem era nascido, em uma noite de Halloween. Ora não parecem dar bola para o bullying que ele sofre na escola e fazem pouco caso de seus relatos sobre as batidas na parede e as vozes que ouve à noite. Daí o pavoroso título brasileiro, uma mescla (intencional ou não) de Batem à Porta (2023) com Ecos do Além (1999) que — ATENÇÃO PARA POSSÍVEIS SPOILERS —, por um lado, empresta um tom de humor e velocidade a uma narrativa nada cômica e com um ritmo até paciencioso ao longo de seus 88 minutos de duração; por outro (ÚLTIMO ALERTA SOBRE SPOILERS), se equivoca ao eliminar a ambiguidade, que é fundamental aqui: o terror em Toc Toc Toc: Ecos do Além é sobrenatural? Ou é real?
Ainda que o filme a certa altura escorregue para o explicativo, prefiro ficar com o que tem de simbólico. Toc Toc Toc: Ecos do Além é uma fábula sobre trauma, um monstro do qual nem sempre conseguimos escapar, por mais que a gente ache que trancou "lá embaixo" da nossa mente. Um pesadelo capaz de nos assaltar todas as noites: pensamos nele a cada rangido, a cada gemido, a cada barulho na porta ou na parede.