Arremessando Alto (2022), filme da Netflix em que Adam Sandler interpreta um caçador de talentos para a NBA, a liga norte-americana de basquete, é a mais nova vítima de uma velha praga brasileira: a dos títulos traduzidos com falta de fidelidade ou excesso de criatividade.
Hustle, o nome original da trama dirigida por Jeremiah Zagar, refere-se ao tremendo esforço físico empreendido por atletas para atingirem seus objetivos. Seja a curto prazo, como a interrupção de uma jogada — e haverá muitos lances assim no duelo do protagonista de 2m06cm vivido por Juancho Hernangómez com seu oponente, Kermit (Anthony Edwards) —, seja a longo prazo (como a vaga em um time da NBA). Esse sentido não existe em Arremessando Alto. Que tampouco é uma expressão característica do esporte retratado. Temos a bandeja, o lance livre, a enterrada, o jump, a cesta de três pontos... Um título mais representativo do que acontece nas quadras do filme e da luta do personagem poderia ser Toco, a ação defensiva que bloqueia o arremesso do adversário.
— Nem acho Arremessando Alto tão ruim perto do que se vê por aí — pondera o tradutor gaúcho Érico Assis, que, a pedido da coluna, elencou seu "favorito": — A tradução de título de filme que eu acho mais atroz é a de Cloud Atlas (filme de 2012 baseado no romance homônimo, lançado no Brasil como Atlas das Nuvens). Eu não me importo com traduções que lembrem pouco o original, desde que vendam o filme. A Viagem não vende absolutamente nada.
Outro comediante estadunidense muito popular, Steve Martin é uma espécie de garoto-propaganda da mania brasileira de criar títulos que não guardam semelhança com aquele dado em inglês. The Man with Two Brains (1983) tornou-se O Médico Erótico, All of Me (1984), Um Espírito Baixou em Mim, Housesitter (1992), Como Agarrar um Marido. É verdade que, em alguns casos, o nome escolhido se torna muito mais atraente — e sem trair o enredo. Antes Só do que Mal Acompanhado (1987) representa bem o inferno que o publicitário interpretado pelo ator passa ao viajar ao lado do personagem de John Candy. Sejamos sinceros: você teria vontade de ver uma comédia chamada Aviões, Trens & Automóveis (Planes, Trains & Automobiles)?
Por outro lado, Martin estrela um exemplo antológico, medonho e talvez insuperável de desvio. A comédia Parenthood (1989) — em inglês, paternidade — foi rebatizada como O Tiro que Não Saiu pela Culatra. Nada na trama justifica o uso da expressão, seja na sua forma tradicional, seja nessa forma negativa (que, aliás, não faz o menor sentido: é só um jeito enviesado e alongado de dizer que o tiro saiu pelo lado certo; portanto, não é notícia, como falamos no jargão jornalístico).
Justiça seja feita, há vários exemplos em que a liberdade criativa gerou títulos fortes, memoráveis e, sim, bem melhores do que os originais: A Felicidade Não se Compra (1946) passa com mais clareza e poesia a mensagem de É uma Vida Maravilhosa (It's a Wonderful Life). Meu Ódio Será tua Herança (1969) é muito mais marcante do que O Bando Selvagem (The Wild Bunch). Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu! (1980) é muito mais engraçado — e explicativo — do que Avião (Airplane). Um Sonho de Liberdade (1994) é muito mais evocativo do que seria Redenção em Shawshank (The Shawshank Redemption). Fogo Contra Fogo (1995) consegue sinalizar para os dois duelos presentes em Heat (calor, aquecimento): o do policial Vincent Hanna com o ladrão Neil McCauley e o dos grandes atores Al Pacino e Robert De Niro, que estavam contracenando pela primeira vez.
Há também os casos controversos, que podem encontrar defensores e detratores na mesma medida. Assim Caminha a Humanidade (1956) ou Gigante (Giant)? Um Corpo que Cai (1958) ou Vertigem (Vertigo)? A Noviça Rebelde (1965) ou O Som da Música (The Sound of Music)? Daunbailó (1983) parece ser só uma preguiçosa versão fonética de Down by Law, mas não deixa de aludir à dificuldade de comunicação entre os três presidiários da trama — dois estadunidenses e um italiano.
Só que a balança pesa mais para o lado negativo. A longa lista tem como um dos principais expoentes Quando Duas Mulheres Pecam (Persona, 1966), que ecoa um pendor moralista e preconceituoso, além de não refletir o tema do filme de Ingmar Bergman. Aliás, a mentira é uma prática comum. Teen Wolf (1985), lobo adolescente na tradução literal, virou O Garoto do Futuro no Brasil. Foi por um motivo mercadológico: a comédia é protagonizada por Michael J. Fox, astro do sucesso De Volta para o Futuro (1985). Pouco importava que seu personagem fosse um lobisomem e não viesse do futuro... Namorados para Sempre (2010) é justamente o que não são os protagonistas de Blue Valentine (algo como "Namorado Triste").
Entre as alterações inexplicáveis, podemos incluir Uma Rua Chamada Pecado (1951), ainda mais que a peça (A Streetcar Named Desire) na qual o filme se baseia já havia sido literalmente traduzida no Brasil, como Um Bonde Chamado Desejo. Mais recentemente, o tradutor de No Country for Old Men (2007) "confundiu" velhos com fracos: Onde os Fracos Não Têm Vez. Piores são aqueles que entregam demais sobre a trama. Para não cometer spoilers, vou dar apenas os títulos em inglês de dois exemplos: The Crying Game (1992) e Revolutionary Road (2008).
Eu entendo os tradutores brasileiros quando deparam com o nome de um protagonista ficcional. Às vezes, tudo o que fazem é apenas acrescentar um aposto, como em Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) e Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (2000). Em outras, embora seja um senhor desrespeito com o cineasta, operam uma mudança para ajudar o público a entender do que se trata a história e, como diz Érico Assis, a vender o filme. Mas daí a transformar Shane em Os Brutos Também Amam (1953)? Annie Hall em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)?
Na outra ponta do problema, estão as traduções genéricas. A "Fórmula da Paixão" foi aplicada inúmeras vezes, nunca correspondendo ao título original e até se repetindo: Marcas de uma Paixão (Siesta, 1987), Vítimas de uma Paixão (Sea of Love, 1989), Loucos de Paixão (White Palace, 1990), Lendas da Paixão (Legends of the Fall, 1994), Irresistível Paixão (Out of Sight, 1998), Sabor da Paixão (Woman on Top, 2000), Diário de uma Paixão (The Notebook, 2004), O Despertar de uma Paixão (The Painted Veil, 2006), O Sabor de uma Paixão (The Ramen Girl, 2008), Brilho de uma Paixão (Bright Star, 2009), Maluca Paixão (All About Steve, 2009) e Refém da Paixão (Labor Day, 2013).
No ranking dos piores, segundo Érico Assis, está um exemplo clássico dos títulos que denotam uma indecisão do tradutor ou sua desconfiança em relação à capacidade de entendimento do espectador: Taxi Driver: Motorista de Táxi (1976). Essa linhagem conta com Revenge: A Vingança (1990), Shine: Brilhante (1996) e Match Point: Ponto Final (2005), entre outros.
Predadores Assassinos (2019), além de ser quase um pleonasmo (todo animal predador é, no fundo, um assassino, embora mate para se alimentar), joga por água o duplo sentido e a sutileza originais. Crawl refere-se tanto ao rastejar dos vilões da história, os jacarés gigantes, quanto ao estilo de natação — a mocinha é uma nadadora.
Para fechar, temos um caso, digamos, autoexplicativo. Vencedor do Oscar de roteiro original e indicado também nas categorias de melhor filme e direção (Sofia Coppola), Lost in Translation (2003) conta a história de um ator de cinema (Bill Murray) que está no Japão para estrelar um comercial de uísque e de uma jovem (Scarlett Johansson) formada em Filosofia que vai a Tóquio para acompanhar o marido, fotógrafo de bandas de rock. Enquanto lidam com crises pessoais e com o fuso horário, certa noite eles acabam se esbarrando no bar de um hotel luxuoso.
Os distribuidores brasileiros seguiram à risca o título dessa comédia dramática e se perderam na tradução, rebatizando com o banal Encontros e Desencontros — nome que, aliás, já havia sido empregado no país poucos anos antes para Wonderland (1999). Já que optaram pela troca, podiam ter escolhido uma solução mais ousada: Dois Perdidos numa Noite Sushi.