Os ataques com armas de fogo a escolas são tão frequentes nos Estados Unidos que já nem dá para chamar de coincidência o fato de A Hora do Desespero (The Desperate Hour) estrear nos cinemas brasileiros duas semanas após o massacre em Uvalde, no Texas. Aliás, a ação de atiradores tornou-se um pesadelo recorrente para os estadunidenses de maio para cá.
No dia 14, 10 pessoas foram mortas em um supermercado de Buffalo, no Estado de Nova York. Em 24 de maio, a chacina no colégio texano deixou 21 vítimas — das 19 crianças, muitas tiveram os corpos tão mutilados pela violência do rifle que só puderam ser identificadas por teste de DNA ou pelo tênis que estavam usando, como lembrou o ator Matthew McConaughey, nascido naquela cidade de 16 mil habitantes, em discurso de 22 minutos na Casa Branca na última terça (7), apelando por uma legislação mais rigorosa quanto à venda e ao porte de armamentos. Em 1º de junho, um atirador invadiu um hospital no Oklahoma e matou um paciente e três funcionários. No dia seguinte, houve tiros em um cemitério do Wisconsin. Entre o sábado (4) e o domingo (5) passados, oito pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas em tiroteios na Filadélfia (Pensilvânia), em Mesa (Arizona) e Chattanooga (Tennessee).
Em Porto Alegre, A Hora do Desespero pode ser visto nos cinemas Cineflix Total, Cinemark Barra, Cinemark Ipiranga, Cinemark Wallig, Espaço Bourbon Country e GNC Iguatemi. Inicialmente chamado de Lakewood, foi lançado no Festival de Toronto de 2021, ano em que os EUA registraram o número recorde — 34 — de ataques a instituições de ensino desde o início da contagem histórica pelo jornal The Washington Post, em 1999, na esteira do massacre de Columbine. O filme foi escrito por Christopher Sparling, o mesmo roteirista do eficiente Destruição Final: O Último Refúgio (2020) e do desastroso Intrusion (2021). A direção é do australiano Phillip Noyce, que viveu sua melhor fase entre o final da década de 1980 e o início da era 2000, época em que assinou títulos como Terror a Bordo (1989), Jogos Patrióticos (1992), Perigo Real e Imediato (1994), O Americano Tranquilo (2002) e Geração Roubada (2002).
Não foi com A Hora do Desespero que Noyce, 72 anos, recuperou seu prestígio. No jornal The New York Times, a despeito da gravidade do tema, o crítico Wesley Morris até se permitiu um chiste: "A única coisa que eu quero menos do que um thriller sobre um tiroteio na escola é um thriller cujo outro personagem principal é o iPhone do personagem principal".
É que em praticamente todos os 84 minutos de duração a única pessoa em cena é a atriz Naomi Watts, indicada ao Oscar por 21 Gramas (2003) e por O Impossível (2012). Ela interpreta Amy Carr, viúva que mora em uma cidadezinha com seu filho adolescente, Noah (Colton Gobbo), e sua filha pequena, Emily. Quando sai para sua corrida matinal em meio à floresta da região, ela começa a ficar apreensiva com a movimentação de carros da polícia e com as ligações para seu celular.
Para justificar o "muito fraco" do título desta coluna, alerto que haverá spoilers a partir do próximo parágrafo.
Não demora para entendermos que há um atirador no colégio onde Noah estuda. E o filme nos leva a crer que esse atirador pode ser o próprio Noah — que, desde a morte do pai, um ano atrás, se entrincheirou em seu quarto, sem conseguir fazer o processo de luto.
Até então, A Hora do Desespero chafurda na comicidade involuntária provocada pela situação de Amy — que precisa correr muitos quilômetros de volta à cidade ou torcer para que um Uber acerte a sua localização (mas se Noah é um suspeito, a polícia não poderia vir buscá-la!?) — e na obviedade da trama.
Mas, claro, tem de haver uma reviravolta, aquele momento em que o diretor e o roteirista pensam: "Arrá! Enganei vocês!" (aviso de novo: tem spoilers à frente). Aí, um filme que estava sendo apenas óbvio e paupérrimo em todos os elementos — o suspense, os diálogos, a atuação de Watts, a direção de fotografia... — passa a ser covarde. Faltou a A Hora do Desespero o peito para retratar os tiroteios em escola pela perspectiva da mãe do atirador, a exemplo de Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011, disponível em Amazon Prime Video, Globoplay e Telecine), de Lynne Ramsay, adaptação cinematográfica do romance escrito por Lionel Shriver, e do doloroso, mas imperdível Reunião (Mass, 2021, ainda inédito no Brasil), de Fran Kranz, que coloca frente a frente os pais do assassino e os pais de uma vítima. O que o diretor Phillip Noyce nos oferece é um momento inverossímil e ridículo: a conversa de Amy ao telefone com o perpetrador do ataque.
Por causa do formato adotado, A Hora do Desespero tampouco abre espaço para vislumbrar as consequências emocionais para os sobreviventes, tema do recente A Vida Depois (2022, na HBO Max), de Megan Park, e muito menos se preocupa em discutir o grave problema apresentado, como fizeram dois premiados títulos que abordaram a tragédia de Columbine: o documentário ganhador do Oscar Tiros em Columbine (2002, fora de cartaz no streaming, mas disponível em DVD), de Michael Moore, e a ficção de Gus Van Sant Elefante (2003, HBO Max), Palma de Ouro e troféu de melhor diretor no Festival de Cannes. O pior é que, ao revelar a identidade e a idade do atirador — 31 anos —, o filme lava as mãos sobre um dos debates mais urgentes nos EUA: o que pede a proibição de venda de armas para menores de 21 anos.