Quando pensamos em cineastas que se dedicaram ao terror, vêm à mente nomes como Alfred Hitchcock, Dario Argento, John Carpenter, Wes Craven, James Wan, Jordan Peele... Todos homens. Mas a verdade é que há muitas diretoras assinando ótimos filmes do gênero.
Para marcar esta sexta-feira 13, fiz uma lista com 13 títulos. Só não são mais porque há pelo menos três pérolas recentes indisponíveis nas plataformas de streaming: O Babadook (2014), da australiana Jennifer Kent, O Convite (2015), da estadunidense Karyn Kusama, e Raw (2016), da francesa Julia Ducournau (mas duas dessas realizadoras estão representadas na seleção).
Seja pela nacionalidade das autoras, seja pelo cenário das tramas, sete países estão representados: Áustria, Brasil (em dose tripla), Escócia, Estados Unidos, França, Inglaterra e Irã. Clique nos links se quiser saber mais.
Garota Infernal (2009)
Na falta de O Convite, vamos com o terceiro filme dirigido pela nova-iorquina Karyn Kusama a partir de um roteiro da escritora Diablo Cody. Megan Fox interpreta Jennifer, que é líder de torcida e a garota mais desinibida e popular da escola. A personagem é vítima de um ritual satânico que a transforma, literalmente, em uma devoradora de homens. Seu contraponto é a melhor amiga, a tímida e desajeitada Needy (Amanda Seyfried), com quem Jennifer tem uma ligação tão peculiar quanto sangrenta. À época de seu lançamento, Garota Infernal foi visto por muita gente como apenas um filme que explorava a sensualidade de Fox, então um dos símbolos sexuais de Hollywood. Com o passar do tempo, os críticos perceberam as qualidades desta história irônica e excêntrica sobre amizades femininas tóxicas, desejo queer implícito e violência contra as mulheres, entre outros temas. (Star+)
Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011)
A escocesa Lynne Ramsay dirige a adaptação do romance homônimo da escritora Lionel Shriver. Injustamente ignorada nas indicações ao Oscar de melhor atriz, Tilda Swinton brilha vivendo Eva, mulher em estado permanente de torpor que tenta se recompor do baque que arruinou sua vida. Ela é mãe de um jovem psicopata (Ezra Miller, o Flash dos filmes da DC) que massacrou colegas de escola. Do nascimento ao dia da tragédia, Eva viveu com o filho um calvário marcado por terríveis provações afetivas. Seu olhar em retrospectiva, por meio das cartas que escreve ao marido, não encontra culpa, falhas e respostas que possam justificar a tragédia, o que só aumenta a sensação de desconforto e desamparo. (Amazon Prime Video, Globoplay e Telecine)
Boa Noite, Mamãe (2014)
Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, o filme escrito pelos austríacos Veronika Franz e Severin Fiala é daqueles sobre os quais o ideal é não falar muito. A dupla conta a história de dois irmãos gêmeos de nove anos, Lukas e Elias — interpretados por Lukas Schwarz e Elias Schwarz) desconfiados de que a mulher (Susanne Wuest) que retornou do hospital com o rosto coberto por ataduras não é sua mãe. Em seus primeiros movimentos, a trama lança o espectador no ambiente bucólico que os guris exploram, correndo pelo campo, adentrando cavernas escuras, aventurando-se pelo ossário de um cemitério e nadando no lago próximo. Dentro da casa, porém, o ambiente mostra-se instável, tenso e claustrofóbico. (disponível para aluguel ou compra em Apple TV)
Garota Sombria Caminha pela Noite (2014)
A sucinta sinopse no Google é suficiente para despertar a curiosidade: "Uma vampira skatista ataca homens que desrespeitam mulheres em uma cidade iraniana". Escrito e dirigido pela britânica Ana Lily Amirpour e estrelado por Sheila Vand, o filme recebeu três prêmios no Festival de Sitges, na Catalunha, um dos principais do cinema fantástico. (Globoplay, Reserva Imovision, Apple TV e Google Play)
Mate-me por Favor (2015)
É o primeiro longa-metragem da carioca Anita Rocha da Silveira, premiada diretora de curtas como Os Mortos-Vivos (2012), exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Ela mistura suspense e mistério para contar a história de um grupo de adolescentes que depara com a violência, o desejo e o medo em seu cotidiano na escola e em meio aos condomínios da Barra da Tijuca. Em passeio entre as aulas, Bia (Valentina Herszage) e suas amigas Renata (Dora Freind), Michele (Julia Roliz) e Mariana (Mariana Oliveira) encontram uma jovem agonizando em um terreno baldio, depois de ter sido estuprada e esfaqueada. O episódio impressiona especialmente Bia, que sente despertar em si uma morbidez aliada a uma pulsão sexual quase incontrolável. (Globoplay, Netflix e Reserva Imovision)
A Bruxa do Amor (2016)
A estadunidense Anna Biller escreveu, dirigiu, editou, assina o design de produção, a direção de arte e os figurinos, compôs a música e está entre os produtores deste filme — evidentemente — independente. Seu nome só não aparece na direção de fotografia, a cargo de M. David Mullen, o mesmo de Garota Infernal e duas vezes premiado com o Emmy pelo seriado Maravilhosa Sra. Meisel. Trata-se de uma comédia de terror com estética retrô (anos 1960 e 1970). A jovem bruxa Elaine (Samantha Robinson) quer encontrar o homem da sua vida. Para isso, ela seduz homens com feitiços e poções. Mas, quando conhece o cara ideal, fica obcecada. (Filmicca)
As Boas Maneiras (2017)
Com direção dos paulistas Juliana Rojas e Marco Dutra, foi o grande vencedor do Festival do Rio e também recebeu distinções em Locarno e Sitges, entre outras mostras. Mesclando horror e fantasia, narra a história de duas mulheres: Clara (Isabél Zuaa) é uma enfermeira moradora da periferia de São Paulo que é contratada para ser babá do filho que Ana (Majorie Estiano) está esperando. Uma mudança drástica é provocada por uma noite de lua cheia — sim, As Boas Maneiras é sobre o que você está pensando. (Netflix e Reserva Imovision)
Os Jovens Baumann (2018)
Assim escreveu meu colega William Mansque sobre o primeiro longa da diretora Bruna Carvalho Almeida, que usa elementos do estilo found footage ("filmes perdidos", à la A Bruxa de Blair) para entrelaçar documentário e ficção: "O ano é 1992 e uma turma de oito primos da família Baumann se desloca para curtir as férias de verão na fazenda da família, no sul de Minas Gerais. Entre cervejas, brincadeiras, risadas e banhos no lago, o que era diversão vira uma tragédia misteriosa. Os oito primos desaparecem sem deixar nenhum vestígio. Nenhuma solução foi encontrada, e o caso foi arquivado. Os Jovens Baumann apresenta os últimos momentos dos herdeiros de uma das famílias cafeeiras mais importantes daquele Estado". (disponível para compra em Apple TV e Google Play)
Saint Maud (2019)
Em uma cidadezinha litorânea da Inglaterra, uma jovem enfermeira (papel de Morfydd Clark) acredita falar com Deus, se flagela nas horas vagas e encara como missão religiosa cuidar de uma coreógrafa com câncer (Jennifer Ehle). Estreante em longas, a diretora e roteirista inglesa Rose Glass mistura a dor física com a dor psicológica e explora a relação entre sanidade mental e devoção religiosa. Ela não tem pudores para lançar mão da violência gráfica quando necessária neste filme que acerta em tudo — da duração enxuta à nervosa trilha sonora. (disponível para aluguel ou compra em Apple TV e Google Play)
A Cabeleireira (2020)
A cena de abertura do filme dirigido e coescrito pela estadunidense Jill Gevargizian mostra a perturbada personagem com quem estamos lidando: de dia, Claire corta cabelos; à noite, cabeças. A Cabeleireira é uma afinada parceria entre a cineasta e a atriz Najarra Towsend. As duas conseguem andar com elegância numa delicada e arriscada corda bamba: não endossam a assassina serial, não justificam seus atos, mas permitem que Claire seja uma personagem com mais camadas. E, com toda calma do mundo, mas jamais cansando o espectador, Gevargizian conduz a trama para um final arrasador. Daqueles que ficam, grudam na cabeça. (disponível para aluguel ou compra em Apple TV)
A Lenda de Candyman (2021)
Na refilmagem de O Mistério de Candyman (1992), a diretora Nia DaCosta — que coescreveu o roteiro com Jordan Peele (oscarizado por Corra!) e Win Rosenfeld — resolveu usar os códigos do terror para falar da brutalidade policial contra corpos negros, de traumas geracionais e de gentrificação. A trama se passa em Chicago, onde um jovem artista (Yahya Abdul-Mateen II) mora com a namorada, a curadora Brianna Cartwright (Teyonah Parris). Empacado na carreira, ele resolve pesquisar a lenda de Candyman na comunidade de Cabrini-Green, um bairro negro cujos moradores foram sendo forçados a abandonar. É um lugar cheio de fantasmas, portanto, e não apenas porque costumava agir por ali a criatura maligna que, segundo as lendas, pode ser invocada diante de um espelho. O passado vive no presente, reforça o filme. (Amazon Prime Video)
Titane (2021)
Ao contar a história de uma assassina serial que faz sexo com um carro Cadillac, a cineasta francesa Julia Ducournau tornou-se a segunda mulher — a primeira foi Jane Campion, com O Piano (1993) — a conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Como em Raw (2016), a diretora e roteirista tem uma jovem como protagonista e trabalha questões como identidade e sexualidade — na obra anterior, uma vegetariana que estuda Veterinária vira canibal. Para tanto, Ducournau não se furta de lançar mão de imagens perturbadoras e da violência gráfica. O corpo, seja o da atriz Agathe Rousselle, que interpreta a dançarina Alexia, seja o do ator Vincent Lindon, que encarna um bombeiro à procura do filho desaparecido, é um personagem à parte em Titane. "Eu sou muito, muito interessada em corpos. Gosto muito de filmá-los e gosto de usar os corpos dos meus personagens para falar sobre a sua psique", disse ela em entrevistas. "O que adoro na gramática do terror corporal é que, se você desligar o som da TV e assistir ao filme, não só ainda entende o enredo, como também entende o que está acontecendo dentro do personagem e como ele se sente, porque é retratado em sua pele e em seu corpo." (MUBI)
Fantasmas do Passado (2022)
A estadunidense Mariama Diallo baseou-se na própria experiência como mulher negra em uma instituição de ensino majoritariamente branca, a Universidade Yale. O título original de Fantasmas do Passado vem de um cargo que existiu em universidades como Harvard até poucos anos atrás: Master é uma espécie de bedel, responsável por acompanhar os alunos e ter certeza de que tudo está indo bem nos dormitórios. Mas master também é a palavra utilizada para designar os donos de escravos — com o passar do tempo, esse duplo sentido perturbou Diallo. No filme, ela imagina como seria se o cargo na fictícia Ancaster College fosse ocupado por uma mulher negra: Gail Bishop, personagem de Regina Hall, uma das apresentadoras do Oscar 2022. Cabe a ela receber os novos alunos, incluindo uma garota negra, Jasmine Moore (Zoe Renee), que vai dividir o quarto com uma estudante branca, Amelia (Talia Ryder). Essa relação começa de forma amistosa, mas paulatinamente Jasmine se torna alvo de comentários maldosos e piadas racistas. Ao mesmo tempo, a caloura lida com assombrações que se conectam com o episódio histórico das bruxas de Salem, no final do século 17. (Amazon Prime Video)
Fresh (2022)
Escrito por Lauryn Kahn e dirigido pela estreante Mimi Cave, este filme estadunidense é um prato que, quanto menos soubermos de seus ingredientes, mais poderemos degustá-lo. Mas também pode ser que nos repugne. É que Fresh não tem vergonha de ser franco (ou seria absurdo?) na sua metáfora sobre a violência sexual e a objetificação da mulher. As cenas não chegam a ser grotescas (na verdade, o caráter sedutor delas potencializa a crítica) e evitam ao máximo a exploração sádica — afinal, esta é uma perspectiva feminina.
As iscas são jogadas na primeira meia hora de filme, que transcorre como se fosse uma comédia romântica: mostra a aproximação de Noa (Daisy Edgar-Jones), uma jovem já desencantada dos encontros marcados via aplicativos, com Steve, o personagem interpretado por Sebastian Stan. Quando enfim aparecem os créditos de abertura, a mesa já está servida. A diretora Cave e a roteirista Kahn apostam no apetite do espectador por um pouco de sangue e um pouco de humor — e a dupla sabe o momento de acentuar o sabor de um em detrimento do outro. (Star+)