Disponível no Amazon Prime Video, Fantasmas do Passado (Master, 2022), de Mariama Diallo, pode ser um programa complementar a Medida Provisória (2020), filme de Lázaro Ramos em cartaz nos cinemas.
Na distopia à moda brasileira, o governo federal cria um Ministério da Devolução para forçar o "retorno" da população negra à África. A história é contada em uma mistura de gêneros — comédia, terror, drama político, ação — que alude à obra de Jordan Peele, cineasta ganhador do Oscar de melhor roteiro original por Corra! (2017), uma inspiração assumida por Lázaro.
A influência de Peele também fica nítida em Fantasmas do Passado, outro filme sobre a recusa dos brancos à convivência com os negros. Trata-se do primeiro longa-metragem escrito e dirigido por Diallo, realizadora do premiado curta Hair Wolf (2018), em que mescla horror e humor para tratar de apropriação cultural — a equipe de um salão de cabeleireiras negras precisa lidar com um novo "monstro": mulheres brancas com a intenção de "sugar a força vital da cultura afro-americana", diz a sinopse.
Para produzir Fantasmas do Passado, a cineasta de 28 anos baseou-se na própria experiência como mulher negra em uma instituição de ensino majoritariamente branca, a Universidade Yale. O título original vem de um cargo que existiu em universidades como Harvard até poucos anos atrás. Master é uma espécie de bedel, responsável por acompanhar os alunos e ter certeza de que tudo está indo bem nos dormitórios. Mas master também é a palavra utilizada para designar os donos de escravos — com o passar do tempo, esse duplo sentido perturbou Diallo.
No filme, ela imagina como seria se o cargo na fictícia Ancaster College fosse ocupado por uma mulher negra: Gail Bishop, personagem de Regina Hall, uma das apresentadoras do Oscar 2022. Cabe a ela receber os novos alunos, incluindo uma garota negra, Jasmine Moore (Zoe Renee), que vai dividir o quarto com uma estudante branca, Amelia (Talia Ryder, de Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre).
Essa relação começa de forma amistosa, mas paulatinamente Jasmine se torna alvo de comentários maldosos e piadas racistas. Ao mesmo tempo, a caloura lida com assombrações que se conectam com o episódio histórico das bruxas de Salem, no final do século 17 — são os fantasmas do passado do título brasileiro.
O filme equilibra bem o terror psicológico com o horror sobrenatural, mas talvez perca pontos por um certo didatismo do roteiro. Ainda assim, ganha aprovação pelo modo como aborda o racismo acadêmico, a apropriação cultural, a perpetuação da mentalidade escravocrata, a imobilidade social e, nas palavras do poeta e crítico gaúcho Ronald Augusto, que me deu a dica sobre Fantasmas do Passado, "a sempre tensa presença de pessoas negras em espaços eminentemente brancos".