Como Black Mirror, seriado que completa 10 anos neste sábado (4), o cinema de ficção científica costuma especular como será o mundo daqui a décadas ou séculos.
Em geral, as previsões são pessimistas, porque, na verdade, refletem inquietações do tempo em que os filmes nasceram. Como diz Rudinei Kopp, autor do livro Quando o Futuro Morreu? (2011), as distopias encenadas se apresentam não exatamente como profecias, mas pesadelos do presente.
Aqui estão 10 filmes futuristas que podem ser vistos em plataformas de streaming.
Metrópolis (1927)
Na automatizada sociedade de 2026, os ricos usufruem na superfície do trabalho pesado dos operários que moram e vivem nos subterrâneos. Filho do dono de Metrópolis, o jovem privilegiado Freder (Gustav Fröhlich) fica atraído pela professora rebelde Maria (Brigitte Helm) e, ao descobrir o lado sombrio da cidade, decide fazer alguma coisa para mudar a desigualdade social. Dirigido pelo austríaco Fritz Lang, o filme é um clássico do expressionismo alemão. A influência da obra espalhou-se pelo cinema (vide o visual do androide C-3PO de Star Wars), pelos quadrinhos (Jerry Siegel batizou de Metrópolis a cidade do Superman) e pela música — desde composições da banda eletrônica Kraftwerk até os videoclipes de Radio Gaga (Queen) e Express Yourself (Madonna). (Telecine)
Planeta dos Macacos (1968)
Em cena antológica do filme dirigido por Franklin J. Schaffner, o astronauta interpretado por Charlton Heston descobre que não foi parar em outro planeta, mas, sim, no futuro da Terra (3978), devastada por um conflito nuclear. Como uma crítica às nossas arrogância e beligerância (a corrida espacial entre EUA e URSS e a Guerra Fria estavam em pleno andamento), a humanidade agora está sob jugo de macacos inteligentes e falantes — cuja hierarquia social baseada nas diferentes espécies também permitia abordar o tema do racismo, igualmente em voga à época. (Star+)
Laranja Mecânica (1971)
Numa sociedade futurista, um grupo de jovens liderado pelo degenerado Alex (Malcolm McDowell) se diverte espancando, estuprando e matando. O personagem acaba usado como cobaia para um tratamento revolucionário — e igualmente brutal —, a Técnica Ludovico, empregada pelo Estado para tornar o rapaz um "cidadão do bem". Expoente de uma onda de filmes violentos lançada em 1971, Laranja Mecânica concorreu a quatro Oscar — melhor filme, direção (Stanley Kubrick), roteiro adaptado (a partir do romance de Anthony Burgess) e edição — e chegou ao Brasil apenas em 1978. Sofreu censura pela ditadura militar: a cópia liberada para maiores de 18 anos trazia saltitantes bolinhas pretas que tentavam cobrir partes do corpo dos personagens avaliadas como inapropriadas à moral e aos bons costumes da nação. (Apple TV, Google Play e YouTube)
Blade Runner: O Caçador de Androides (1982)
O escritor estadunidense Philip K. Dick morreu três meses antes de estrear o primeiro dos vários filmes baseados em suas obras. Ele morou grande parte de sua vida na Califórnia, onde ambientou a maioria de suas histórias. Mas o sol, as praias e as garotas de biquíni que caracterizam o Estado deram lugar às sombras, à chuva e a personagens dementes, viciados em drogas, em crise de identidade ou acuados por um aparato estatal — capaz de dominar corpos, controlar pensamentos e até ditar futuros.
Inspirado no conto Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, o filme dirigido por Ridley Scott e protagonizado por Harrison Ford se passa na Los Angeles de 2019, quando os EUA estão tomados por imigrantes orientais (era o momento de crescimento da economia do Japão e dos Tigres Asiáticos), a poluição fecha o céu e as pessoas se locomovem nas grandes cidades em carros voadores, em meio a edifícios com centenas de andares. Robôs com aparência humana, os replicantes trabalham em regime de semiescravidão em estações espaciais. Alguns se revoltam e tentam se infiltrar entre os cidadãos comuns. (HBO Max, Apple TV, Google Play e YouTube)
O Último Combate (1983)
Já que O Quinto Elemento (1997), que é ambientado no século 23 e se tornou o maior sucesso de Luc Besson, não está disponível no streaming, o negócio é assistir ao filme de estreia do principal nome da ficção científica francesa (são dele também Lucy, de 2014, e Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, de 2017). Rodado quando o diretor tinha 24 anos, O Último Combate tem como cenário um mundo pós-apocalíptico onde todos estão mudos. O personagem principal é O Homem (Pierre Jolivet), um sobrevivente que construiu um avião improvisado para escapar de caras maus. Logo ele vai deparar com outro malvadão, O Bruto (Jean Reno). (YouTube)
Akira (1988)
A Terceira Guerra Mundial destruiu a capital do Japão em 1988. Em seu lugar, foi erguida Neo-Tóquio, que, em 2019, sofre com atentados terroristas. Os amigos Kaneda e Tetsuo integram uma gangue de motoqueiros e disputam rachas violentos com os rivais, os Palhaços, até que um dia o segundo encontra Takashi, uma estranha criança com poderes que fugiu do hospital onde era mantido como cobaia. Ícone do cyberpunk japonês, a animação foi dirigida pelo autor do mangá original, Katsuhiro Otomo. Em um processo análogo ao descrito pelo professor Rudinei Kopp, Otomo usou as memórias de sua adolescência para projetar um futuro: "Eu queria desenhar essa história ambientada em um Japão semelhante a como era depois do fim da Segunda Guerra Mundial, um mundo em reconstrução, com confrontos políticos, marcado pela influência estrangeira e por uma geração mais jovem entediada e imprudente competindo entre si em bicicletas". (Netflix)
O Vingador do Futuro (1990)
Philip K. Dick é figura onipresente nesta lista. O conto Podemos Lembrar para Você por um Preço Razoável virou filme pelas mãos do cineasta holandês Paul Verhoeven, que escolheu datar a história em 2084 — no original, fala-se apenas de "um futuro não muito distante". A Terra mantém colônias de férias em Marte, mas só para quem tem muito dinheiro. Trabalhadores assalariados, como o operário vivido por Arnold Schwarzenegger (casado com uma Sharon Stone pré-Instinto Selvagem), precisam recorrer a implantes digitais que simulam viagens. No planeta colonizado, há um movimento revolucionário contra a empresa que tem o monopólio do oxigênio — uma crítica à privatização dos recursos naturais. (Apple TV, Google Play e YouTube)
Minority Report (2002)
O diretor Steven Spielberg e o astro Tom Cruise nos levam a 2054. A polícia tem a capacidade de zerar a criminalidade, ao prender futuros contraventores e assassinos antes que eles cometam seus crimes. O sucesso se deve a um trio de videntes mutantes, os precogs. Todos os passos das pessoas são monitorados. Tanto o filme quanto o conto que o originou, escrito por Philip K. Dick, são espelhos de seu tempo, discutindo a relação entre medidas autoritárias e autonomia individual. A história original foi publicada em 1956, durante o macarthismo que perseguia estadunidenses acusados de ligações reais ou imaginárias com o comunismo. A obra de Spielberg estreou na era da guerra ao terror e da cultura do medo implementadas pelo governo de George W. Bush depois do 11 de Setembro. (HBO Max, Globoplay e Telecine)
Bacurau (2019)
Na mistura de ficção científica, faroeste, terror, policial e drama político assinada pelos pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o Brasil de "daqui a alguns anos" tornou-se um grande deserto. Não apenas geográfico, mas de ideias e de emoções. A população da pequena e fictícia Bacurau, no sertão nordestino, aparece como presa fácil para um safári humano engendrado por estrangeiros. As ruínas de uma escola municipal, um carro de polícia enferrujado e os caixões que caem pela estrada simbolizam a falência do Estado. É a morte em abundância, a morte banalizada, uma espécie de profecia sobre o que se viu na pandemia pouco tempo depois da estreia do filme. (Globoplay, Telecine, Apple TV, Google Play e YouTube)
Finch (2021)
O filme do diretor Miguel Sapochnik tem Tom Hanks, um cachorro felpudo, um robô falante e o fim do mundo. Em 2028, o relacionamento entre a Terra e o Sol esfriou, ou pior, esquentou de vez. A camada de ozônio virou um queijo suíço, como diz o protagonista, e agora se expor por poucos segundos à radiação solar pode levar a uma morte dolorosa. Mas o engenheiro Finch já está morrendo, portanto, para evitar que seu vira-latas Goodyear fique sozinho, ele resolve criar um robô dotado de inteligência artificial e aparência vintage (voz e captura de movimentos de Caleb Landry Jones). (Apple TV+)