The Mandalorian é um seriado paradoxal. Cada episódio custa em torno de US$ 15 milhões (mais de 10 vezes o orçamento de Bacurau, por exemplo), mas a atração do Disney Plus aposta na simplicidade. E a, digamos, economia narrativa é um trunfo desse derivado (os chamados spinoffs) do universo Star Wars para cativar até quem não integra o gigantesco fã-clube da saga espacial criada por George Lucas em 1977 — e que nesta terça-feira (4) comemora o Dia de Star Wars com o trocadilho em inglês "May the fourth be with you" (Quatro de maio esteja com você), em referência à célebre saudação "May the Force be with you" (Que a Força esteja com você).
Duas temporadas já foram lançadas, cada uma com oito capítulos. Depois de algum estranhamento provocado por nomes e termos como bezkar e Grande Purgo, The Mandalorian mostra-se extremamente acessível mesmo para neófitos ou desmemoriados.
Saber que a trama se passa entre dois filmes, os episódios VI e VII, O Retorno de Jedi (1983) e O Despertar da Força (2015), e que Boba Fett — mítico personagem surgido em O Império Contra-Ataca (1980) — era mandaloriano não faz diferença para o espectador desinteressado em caçar referências às outras produções de Star Wars, incluindo os desenhos animados e os especiais para TV. Na verdade, mais divertido é procurar as homenagens do criador da série, Jon Favreau, a obras que inspiraram George Lucas a desenvolver a trilogia inicial: o cinema de caubói e de samurai realizado por diretores como John Ford, Sergio Leone, Sam Peckinpah e Akira Kurosawa. Há uma coleção de citações: de Rastros de Ódio (1954) a Meu Ódio Será sua Herança (1969), de Os Sete Samurais (1954) a Yojimbo (1961).
Essencialmente, The Mandalorian é menos uma aventura de ficção científica do que um faroeste intergaláctico. Tudo remete aos westerns: a fotografia que realça a aridez amarelada dos planetas visitados, o ambiente de saloon de alguns cenários, o tema musical composto pelo sueco Ludwig Göransson (o mesmo de Tenet), que alude às trilhas do italiano Ennio Morricone e foi premiado com o Emmy, os tiroteios, as fugas e perseguições "a cavalo" e, claro, o protagonista, um caçador de recompensas, tipo clássico do Velho Oeste.
Solitário e silencioso como manda o figurino (aliás, até sua indumentária, por vezes, parece a dos antigos pistoleiros), o Mandaloriano do título é interpretado por Pedro Pascal com um estoicismo admirável e oposto ao flamejante personagem que deu fama ao ator chileno, o Oberyn Martel da série Game of Thrones. Trata-se de um Clint Eastwood espacial, mas em vez de ser um estranho sem nome, surge como um estranho sem rosto, já que seu rígido código de conduta o impede de tirar o capacete. Seu ganha-pão é cruzar fronteiras estelares atrás do que lhe foi encomendado, sejam bandidos perigosos ou criaturas raras.
É nessa categoria que se enquadra o pedido feito por um sujeito conhecido apenas como O Cliente (encarnado pelo cineasta alemão Werner Herzog). Caberá a Djin Djarin, o Mandaloriano, encontrar A Criança, como a série se refere ao popularíssimo Baby Yoda. A relação estabelecida entre os dois personagens faz lembrar a de Lobo Solitário (1970-1976), mangá com seis adaptações para o cinema em que um guerreiro japonês sem mestre, um ronin, vive peripécias tendo uma criança a tiracolo. Do mundo dos samurais, The Mandalorian também importou os temas da honra e do sacrifício, que coabitam as galáxias com a ganância e a traição características dos faroestes.
O Cliente, A Criança. Eis outra marca da austeridade empregada por Jon Favreau, autor do roteiro de 12 dos 16 episódios — cada um deles é batizado por um único substantivo: O Pecado, A Pistoleira, O Cerco, A Tragédia. Um dos nomes mais quentes de Hollywood nos últimos tempos — deu o pontapé inicial no universo cinematográfico Marvel com Homem de Ferro, em 2008, dirigiu para a Disney as refilmagens realistas das animações Mogli: O Menino Lobo, em 2016, e O Rei Leão, em 2019 —, Favreau fez de The Mandalorian um exemplo de superprodução concisa. A maioria dos capítulos tem duração inferior a 45 minutos, alguns nem chegando a 40 (os de Game of Thrones tinham, em média, 52), sem ultrapassar os 50 nos finais de temporada (em GoT, passavam de uma hora).
O seriado da franquia Star Wars também poupa nas palavras: as cenas de tiroteio, luta corporal, perseguição e fuga costumam abrir mão daqueles diálogos bobos e daquelas frases de efeito que nada acrescentam (quando não desviam a atenção). As tramas, por sua vez, são simples, bem concentradas na interação de Mando com um punhadinho de personagens, em um bom equilíbrio de drama, ação, tensão e humor. Um atrativo extra para quem tem certa preguiça de acompanhar séries é que, apesar de haver uma história maior sendo contada, apesar de eventos de um episódio geralmente repercutirem no seguinte, cada capítulo é quase autocontido: há um conflito e há uma solução.
Mas por trás dessa singeleza ocorre um trabalho complexo — não à toa, The Mandalorian ganhou seis prêmios técnicos no Emmy, incluindo direção de fotografia, design de produção, efeitos visuais e coordenação de dublês. Vale destacar os personagens que só existem graças a recursos de computação gráfica e/ou a próteses e maquiagem e que escondem um elenco de famosos. O diretor e ator Taika Waititi, o Hitler de seu Jojo Rabbit (2019), empresta sua voz para o androide assassino IG-11. Nick Nolte faz o alienígena Kuiil, da diminuta espécie Ugnaught. John Leguizamo está irreconhecível na pele do gângster Gor Koresh. E Rosario Dawson se transforma em Ahsoka Tano. Também merece reconhecimento a diversidade étnica em papéis importantes, representada pelos atores negros Carl Weathers (Greef Karga) e Giancarlo Esposito (o vilão Moff Gideon) e pela atriz Ming-Na Wen (a pistoleira Fennec Shand), de origem chinesa, além do iraniano Omid Abtahi (Dr. Pershing).
Enfim: mesmo que o final da segunda temporada tenha apelado emocionalmente aos fãs, conectando The Mandalorian aos primeiros filmes de Star Wars, ainda é um seriado convidativo até para quem acha que a célebre saudação da saga é "Vida longa e próspera".