Os episódios recentes de negros mortos por policiais brancos nos Estados Unidos, como o caso George Floyd, e os subsequentes debates sobre racismo estrutural recolocaram em evidência Corra!, filme de 2017 que a Tela Quente exibe nesta segunda-feira (2).
No ar a partir das 23h, na RBS TV, Get Out (o título original) transformou seu realizador, Jordan Peele, hoje com 41 anos, em um dos nomes mais badalados do entretenimento americano. Até então mais associado a seriados humorísticos, como MadTV (2003-2008) e Key and Peele (2012-2015), ele enveredou pelo terror em sua estreia como diretor. Mas não deixou a ironia de lado, o que explica a estranha indicação de Corra! ao Globo de Ouro de melhor comédia ou musical.
A consagração viria no Oscar, quando Peele concorreu em três categorias: melhor filme (como um dos produtores), diretor e roteiro original. Tornou-se o primeiro negro a ganhar nessa última categoria, na qual apenas três haviam concorrido antes: Suzanne de Passe, por O Ocaso de uma Estrela (1972), Spike Lee, por Faça a Coisa Certa (1989) e John Singleton, por Os Donos da Rua (1991). Na de script adaptado, a Academia de Hollywood já premiou quatro vezes autores afro-americanos: Geoffrey Fletcher (Preciosa, de 2009), John Ridley (12 Anos de Escravidão, 2013), Barry Jenkins e Tarell Alvin McCraney (Moonlight, 2016) e Spike Lee e Kevin Willmott (Infiltrado na Klan, 2018).
Sucesso de crítica (tem 98% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes e nota 85 no Metacritic), o filme também foi bem de público. Arrecadou US$ 255 milhões, quase 60 vezes o seu custo de produção.
Os números e as láureas, que incluem a presença de Corra! na lista dos 10 melhores filmes de 2017 segundo o American Film Institute e a do diretor no ranking da revista Time com as cem pessoas mais influentes do mundo, sinalizaram a Peele que ele tomara um caminho certo — e aparentemente sem volta — ao pegar a estrada do terror. Manteve na bagagem uma certa comicidade permeada de comentários sobre a cultura pop. Mas o que chama a atenção em sua obra é o tom sinistro e por vezes bizarro com o qual passou a discutir a perpetuação da escravidão, o racismo estrutural, a normalização da agressão, as tentativas da sociedade americana de apagar e reinterpretar o próprio passado de exploração e violência, o preconceito disfarçado sob o mito de que na esfera cultural da atualidade os negros têm algum tipo de vantagem, a diferença brutal entre brancos e negros nas estatísticas policiais — por exemplo: os últimos representam 13% da população nos Estados Unidos, mas são 34% dos desaparecidos. É como se o número gritasse: "Vidas negras não importam".
Em Corra!, Daniel Kaluuya (indicado ao Oscar de melhor ator e presente no elenco de Pantera Negra) interpreta um fotógrafo negro que vai visitar a família da namorada, uma jovem branca vivida por Allison Williams (a protagonista de The Perfection). Na propriedade rural dos Armitage (Bradley Whitford e Catherine Keener), ele começa a ficar intrigado com estranhos acontecimentos e comportamentos. Mais não dá para contar, para não tirar o espanto.
No seu filme seguinte, Nós (2019) — cujo título original, Us, também pode ser lido como a abreviação de United States (Estados Unidos) —, uma família negra que viaja para uma casa de veraneio passa a ser fustigada pela chegada de um grupo misterioso. Muitos críticos lamentaram a ausência da protagonista, Lupita Nyong'o, da lista de indicadas ao Oscar de melhor atriz. O elenco também traz Winston Duke (outro nome de Pantera Negra), Yayha Abdul-Mateen II (de Watchmen e Os 7 de Chicago) e Elisabeth Moss (de O Homem Invisível), entre outros atores.
Peele estendeu seus braços para a TV e o streaming. Em 2019, desenvolveu para a CBS uma nova versão do seriado The Twilight Zone, o Além da Imaginação, cujas duas primeiras temporadas podem ser vistas no Amazon Prime Video. Há pelo menos um episódio antológico, Rewind (Rebobinar), escrito por Selwyn Seyfu Hinds e dirigido por Gerard McMurray. Trata-se de uma sombria ficção científica sobre uma mãe e seu jovem filho, um calouro a caminho da faculdade, que param em uma lanchonete de estrada, onde ela descobre que sua câmera de vídeo tem o poder de voltar no tempo e onde os dois passam a ser molestados por um policial racista.
Agora em 2020, é um dos produtores executivos do seriado Lovecraft Country, da HBO, que mistura os contos sobrenaturais de H.P. Lovecraft (1890-1937) à evidente veia racista do escritor americano. A trama criada por Misha Green se passa na década de 1950. Atticus Freeman (Jonathan Majors, o filho de Delroy Lindo em Destacamento Blood) se junta a sua amiga Letitia (Jurnee Smollett, a Canário Negro de Arlequina: Aves de Rapina) e seu tio George (Courtney B. Vance) em uma viagem em busca de seu pai desaparecido no sul do país sob forte segregação racial.