O Homem do Norte (The Northman, 2022), filme dirigido por Robert Eggers e protagonizado por Alexander Skarsgård que estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas, torna explicável — e ao mesmo tempo inexplicável — o fascínio despertado pelos vikings.
Egressos da Escandinávia (região constituída pelos países Dinamarca, Noruega e Suécia) e exímios navegadores, esses povos prosperaram entre o final do século 8 e o começo do século 11. Durante mais de 200 anos, deixaram suas marcas — ora na base da espada e do saque, ora na base do comércio e da cultura — pela Europa, pela África do Norte, pela costa do Canadá e por territórios da Ásia.
Mais estereotipados ou menos, conquistaram também a cultura pop, graças ao apelo da figura antiautoritária, aventureira e honrada que se cristalizou no imaginário do público. Expandiram-se para o cinema — como no filme Os Vikings (1958) e na franquia de animação Como Treinar seu Dragão (2010-2019) —, a literatura (vide Devoradores de Mortos, de Michael Crichton, e a saga Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell), os quadrinhos de super-herói (Thor, embora em versão higienizada, deve muito aos vikings), as tiras de humor (Hagar, o Horrível), os mangás (Vinland Saga), as séries (a exemplo de Vikings e Valhalla), os games (Assassin's Creed: Valhalla, For Honor, Valheim...) e a música (no heavy metal e nos derivados do gênero).
Terceiro longa-metragem do estadunidense Eggers, 38 anos, O Homem do Norte tem semelhanças importantes e discrepâncias marcantes em relação a A Bruxa (2015) e O Farol (2019). Trata-se de mais filme de época (a trama começa em 895 d.C) que busca fazer a melhor reconstituição histórica possível — teve como consultor o arqueólogo e professor inglês Neil Price, autor do livro Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte (2021). Novamente, a ambientação e o ritmo são personagens à parte, fundamentais no processo de imersão do espectador — para tanto, o cineasta trabalhou com seus habituais colaboradores: o diretor de fotografia Jarin Blaschke, indicado ao Oscar por O Farol, a editora Louise Ford e o designer de produção Craig Lathrop. Outra vez, unem-se a violência física, o horror sobrenatural e os comentários sobre religião e mitologia. Haverá pelo menos uma virada na trama, e o elenco traz os nomes de Anya Taylor-Joy, Kate Dickie e Ralph Ineson, a família que cai em desgraça em A Bruxa, e de Willem Dafoe, o companheiro do infortúnio de Robert Pattinson em O Farol.
Mas o orçamento de O Homem do Norte foi de US$ 90 milhões, contra os US$ 4 milhões de A Bruxa e os US$ 11 milhões de O Farol (a duração também é bem mais inchada: duas horas e 17 minutos, contra 1h32min e 1h49min, respectivamente). Por um lado, essa diferença estratosférica possibilitou o investimento na direção de arte, nos figurinos e nos efeitos visuais, além de pagar os cachês de Skarsgård, Taylor-Joy, Dickie, Ineson, Dafoe, Nicole Kidman, Ethan Hawke, Claes Bang (da minissérie Drácula), Gustav Lindh (do filme Rainha de Copas) e a cantora Björk. Por outro, acabou empurrando Eggers a entregar uma narrativa mais palatável para o grande público — ainda que cheia de sangue, tripas e cabeças decepadas.
Assinado por Eggers e pelo islandês Sjón — parceiro frequente de Björk e coautor dos scripts de Dançando no Escuro (2000) e Lamb (2021) —, o roteiro é assumidamente baseado na lenda do príncipe escandinavo Amleth, que serviu de inspiração para Hamlet, a clássica peça escrita por William Shakespeare entre 1599 e 1601. Dito isso, não é segredo dizer que O Homem do Norte é uma história de traição — a do rei Aurvandil (Ethan Hawke) por seu irmão bastardo, Fjölnir (Claes Bang) — e vingança: a do legítimo herdeiro do trono contra o tio usurpador.
O filme acompanha a trajetória do Amleth encarnado na infância pelo inglês Oscar Novak e na vida adulta pelo sueco Alexander Skarsgård — mais bombado do que em A Lenda de Tarzan (2016) — em uma linha reta, apenas pontilhada pelos elementos fantásticos e sem muita margem para interpretações. Nessa jornada, como de costume, o protagonista se verá em uma encruzilhada entre o destino e a vontade própria. Os diálogos, travados em um inglês de sotaque não raro pesado, são repetitivos e expositivos, a ponto de os personagens sempre exprimirem em palavras seus sentimentos conflitantes. E a parte romântica parece mais uma concessão comercial do que uma convicção autoral.
O que eleva O Homem do Norte na comparação com outras aventuras do gênero é o enorme talento do diretor e de sua equipe na construção das cenas. Com a essencial contribuição da música composta pelos estreantes Robin Carolan e Sebastian Gainsborough (Mark Korven, que produziu a trilha em A Bruxa e O Farol, ficou de fora desta vez), conjura-se uma atmosfera de tensão e perigo que, simultaneamente, é sufocante e sedutora. E surpreendente, porque ora Eggers aposta em explicitar a brutalidade, ora apenas sugere a crueldade.
Os grandes momentos de O Homem do Norte não estão em seu clímax, no qual a computação gráfica tem forte presença. São as passagens em que Eggers estende um olhar mais antropológico para os vikings, permitindo as recepções paradoxais referidas no início deste texto.
Há quem vá se identificar com os berserker, os guerreiros nórdicos dotados de uma fúria animal. Há quem vá invejar um comportamento regido pelos impulsos. Há quem vá aspirar a uma vida mais aproximada da natureza — os homens surgem cobertos com pele de urso e uivando na companhia dos lobos (e há aqueles que já se apropriaram da cultura viking, como os supremacistas brancos dos Estados Unidos, iludidos por um suposto isolamento racial dos povos da Escandinávia — a arqueologia já provou que havia trocas comerciais, por exemplo).
Mas, em vez de deslumbramento, os vikings vistos em O Homem do Norte também podem provocar repulsa. Ali estão sujeitos dominados pelo seu lado bestial. Ali estão pessoas tão destrutivas quanto autodestrutivas — Aurvandil ressalta que as valquírias só levam para Valhala, o palácio celestial da mitologia nórdica, aqueles que morrem em combate; por consequência, sobreviver é viver na vergonha. Ali estão assassinos de crianças e estupradores. Ali estão os piores dos homens.