The Batman. Desprezado pelo estúdio Warner nos cinemas brasileiros, o artigo definido adotado no título em inglês empresta ambição ao filme dirigido por Matt Reeves e protagonizado por Robert Pattinson que, nesta segunda-feira (18), estreia na HBO Max e fica disponível para aluguel (por 48 horas) em Amazon Prime, Claro Now, Sky, UOL Play, Vivo Play, Watch, YouTube e Apple TV. Nessas duas últimas plataformas e também na Microsoft, há a opção de compra. Ao adquirir pela Apple TV, o espectador tem acesso a conteúdos extras como comentários do diretor e do coreógrafo de luta Rob Alonzo e entrevista com a atriz Zoë Kravitz sobre seu papel de Mulher-Gato.
Este seria "O" Batman, o legítimo, o definitivo, o único (quem sabe o melhor?).
Bem, único sabemos que não é. Desde que surgiu nas histórias em quadrinhos da DC Comics, em 1939, pelas mãos de Bob Kane e Bill Finger, o Homem-Morcego já teve várias facetas: vingador sombrio, detetive exemplar, mascarado caricato, herói violento... A imagem que mais pegou foi a de um Cavaleiro das Trevas, graças à minissérie homônima publicada em 1986 pelo roteirista e artista Frank Miller.
O sucesso desse gibi e de outra amarga HQ da época, A Piada Mortal (1988), com texto de Alan Moore e desenhos de Brian Bolland, contribuiu para a retomada da filmografia do personagem, após os cinesseriados da década de 1940 e da adaptação de 1966 para a popular e cômica série de TV.
E desde que ressurgiu nas telas do cinema, em 1989, pelas mãos de Tim Burton, o Homem-Morcego já teve várias faces: Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale, Ben Affleck... Em um intervalo de 30 anos, estrelou nove filmes (ou 10, se contarmos a versão do diretor de Liga da Justiça, lançada em 2021, e vale dizer que sem ele não haveria o Coringa de 2019).
O que o novo Batman poderia acrescentar às encarnações cinematográficas do super-herói? Como Robert Pattinson se diferenciaria de seus predecessores? No que a visão de Matt Reeves seria distinta daquelas empregadas por Tim Burton, Joel Schumacher, Christopher Nolan e Zack Snyder? E vale mesmo a pena encarar quase três horas (são 175 minutos) de duração?
O interesse pelas respostas a essas perguntas fez do filme o líder em arrecadação na temporada 2022, com US$ 737,2 milhões até a última quinta-feira (14). Este Batman pode não ser o campeão de bilheteria — O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) faturou US$ 1,08 bilhão, O Cavaleiro das Trevas (2008), US$ 1 bilhão, e Batman Vs Superman (2016), US$ 873,6 milhões —, nem o legítimo, nem o definitivo. Mas certamente é diferente de todos os que vieram antes.
Diretor de Cloverfield: Monstro (2008), de Deixe-me Entrar (2010) e de dois segmentos da mais recente franquia de Planeta dos Macacos — O Confronto (2014) e A Guerra (2017) —, Matt Reeves escreveu o filme com Peter Craig, um dos roteiristas dos policiais Atração Perigosa (2010), Herança de Sangue (2016) e Bad Boys para Sempre (2020). A mistura de influências e experiências resulta em um Batman que transita entre o terror, o noir dos anos 1940, o filme de serial killer (em especial Seven e Zodíaco, ambos de David Fincher), o thriller político e até a dinâmica das duplas formadas por tiras de estilos divergentes. São caminhos pouco ou nunca trilhados pelos cineastas anteriores — Burton fez uma abordagem meio gótica, meio bizarra, Schumacher investiu num pastelão carnavalesco, Nolan imprimiu um olhar existencialista e crítico (sua trilogia discute o que é um herói, o que separa o Bem do Mal e os riscos de combater o crime com extremismo) e Snyder veio com seu brutalismo embalado em câmera lenta.
O novo clima fica patente desde a sinistra sequência de abertura. Ao som de uma respiração ofegante e de uma música do compositor Michael Giacchino (vencedor do Oscar por Up: Altas Aventuras e do Emmy por Lost) com trechos da oração Ave Maria, nos tornamos cúmplices do ataque de um vilão encapuzado — trata-se de uma versão nada cômica do Charada, desta vez com uma voz macabra (que, é preciso dizer, remete à do Bane de Tom Hardy em O Cavaleiro das Trevas Ressurge), uma motivação trágica (encorpando o contexto social do filme) e uma conexão com ameaças reais do mundo virtual (enunciá-las seria antecipar uma virada na trama). A interpretação é do sempre intenso Paul Dano, de Sangue Negro (2007) e Os Suspeitos (2013). O alvo é o prefeito de Gotham City, que foi eleito graças à prisão do gângster Sal Maroni (criado nos primórdios dos batquadrinhos, em 1942) e concorre a mais um mandato, agora contra uma jovem candidata negra. As notícias na TV dão conta de que a disputa está acirrada e de que a cidade está erodida por uma nova droga, a gota. Não acompanhamos o homicídio do alcaide em toda a sua brutalidade, depois evidenciada por detalhes como um polegar decepado quando a vítima ainda estava viva. Em um cartão do tipo presente, o criminoso deixa um enigma endereçado diretamente ao Batman: o que um mentiroso faz quando morre?
Entrementes, aparece pela primeira vez em cena o Batman de Robert Pattinson, ator que curiosamente foi dirigido por Christopher Nolan em Tenet (2020) e que agora estreia no universo dos super-heróis, após se destacar em produções independentes como Bom Comportamento (2017) e O Farol (2019). Apesar de ser um recomeço no cinema, o roteiro poupa o espectador de, mais uma vez, assistir às clássicas cenas de origem — os morcegos na caverna, o assassinato dos pais etc. Bruce Wayne já está há dois anos empenhado em uma vingança contra todos os bandidos, amparado pelo mordomo Alfred (Andy Serkis, o chimpanzé César de Planeta dos Macacos, aqui de corpo inteiro) — que alerta o patrão de suas obrigações como herdeiro bilionário. O diálogo é suficiente e eficiente para centrar o foco na vida secreta de Bruce. Ou, na verdade, na sua vida real — derivada de seu trauma, Batman é uma sombra tão grande que anula Wayne.
Por mais que malhasse, o jovem vampiro da saga Crepúsculo (2008-2012) jamais atingiria a compleição física associada ao Homem-Morcego — daí que o novo uniforme tem o nítido aspecto de armadura, a mais realista possível. A sua imposição se dá por outros recursos. O personagem é um animal noturno e furtivo — um policial vai chamá-lo de "criatura esquisita". Quando sai das sombras, revelando um tantinho da pele alva do ator, é quase como se fosse um monstro dos títulos de horror. A trilha de Giacchino evoca o gênero, e a sonoplastia torna aterrorizantes os passos de suas botas. A ação é rápida, sem papo.
Mas este é um Batman que até fala bastante — sozinho. A narração em off é um dos elementos importados dos filmes noir. Também teremos autoridades corruptas, que mantêm ligações com o mafioso Carmine Falcone (nascido na HQ Ano Um, de 1987, também escrita por Frank Miller, com arte de David Mazzucchelli), papel de John Turturro, e com Oswald Cobblepot, o Pinguim, interpretado por Colin Farrell — irreconhecível debaixo de tanta maquiagem —, gerente de uma boate chamada Iceberg que, como sugere o nome, esconde um clube secreto. Um dos únicos tiras decentes é o tenente James Gordon (Jeffrey Wright), aliado de Batman. Também teremos uma espécie de femme fatale, a Selina Kyle/Mulher-Gato encarnada por Zoë Kravitz (de Kimi: Alguém Está Escutando), que injeta sensualidade rara nas aventuras de super-herói. E também teremos uma cidade castigada pela chuva e em constante escuridão.
A propósito, Matt Reeves, o diretor de fotografia Greig Fraser (vencedor do Oscar Duna e indicado por Lion) e o designer de produção James Chinlund (parceiro do cineasta na franquia Planeta dos Macacos) fizeram escolhas estéticas arriscadas, mas fundamentais em uma obra que preza a ambientação e a autenticidade. A primeira decisão acertada foi eliminar a sofisticação da batcaverna — sim, há computadores e equipamentos de vídeo, mas o lugar é apenas uma estação de metrô convertida em esconderijo do herói. Na mesma linha, as motocicletas de última geração dos longas anteriores são substituídas por um veículo simples, e os vistosos batmóveis dão vez a uma caranga envenenada que, segundo Reeves, foi inspirada por Christine, o carro assassino inventado pelo escritor Stephen King em 1983.
Fora as explosões detonadas pelo acelerador (o motor é aparente), pouco vemos desse automóvel, porque Batman é um filme epidérmico — os planos dificilmente são abertos, a câmera está sempre próxima da ação — e é um filme assumidamente nebuloso. Além da chuva, sombras e fumaça são frequentes, e quase toda a história se passa à noite ou em ambientes fechados. Há cenas em que a iluminação têm alcance limitado, e de vez em quando Greig Fraser reduz a profundidade de campo ou desfoca levemente as imagens. É a tradução visual da opressão e dos perigos de Gotham.
Mais do que um contraste com a musculatura de Christian Bale na trilogia de Christopher Nolan, a palidez, o caminhar encurvado e o tom deprê do Bruce Wayne interpretado por Pattinson (realçado pela presença de Something in the Way, do Nirvana, na trilha sonora) refletem tanto sua psique quanto essa cidade em que, como diz Carmine Falcone, "todo mundo tem roupa suja". O ator foi uma escolha perfeita para a abordagem proposta por Matt Reeves. Nela, o trauma de infância e a sede de vingança que deram origem ao Batman são sombras tão pesadas que anulam a existência de Bruce Wayne. E este novo Cavaleiro das Trevas também se permite sentir medo — vide a espetacular sequência em um arranha-céu.
Porém, apesar de todas as virtudes entusiasmantes, existe um ponto em que o Batman de Matt Reeves e Robert Pattinson não consegue se distanciar dos anteriores — ou mesmo dos demais filmes de super-herói. O clímax inclui o típico evento apocalíptico, um tanto deslocado em uma narrativa que, até então, vinha em uma pegada mais intimista. Já a lufada de esperança soa menos como uma transformação genuína do protagonista do que como uma demanda comercial, tendo em vista que este é um reinício de jornada. E, por ser provavelmente o primeiro de uma nova trilogia (Pattinson, 35 anos, já declarou essa intenção), Batman acaba acenando para o retorno inevitável de um vilão. Que não é o Thanos, como visto nas cenas deletadas que, ao serem divulgadas, se tornaram um tremendo spoiler.
P.s.: ah, como praticamente todo filme de super-herói, Batman tem cena pós-créditos. Mas essa, pelo menos, é realmente surpreendente.