Por duas vezes, Joachim Trier, o diretor de A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Menneske, 2021), que concorre ao Oscar de melhor filme internacional e estreia nesta quinta-feira (24) em dois cinemas de Porto Alegre — Espaço Bourbon Country e GNC Moinhos —, tentou vaga no prêmio concedido pela Academia de Hollywood.
A comédia dramática Começar de Novo (Reprise, 2006), seu primeiro longa-metragem, e o terror psicológico Thelma (2017) foram submetidos pela Noruega, mas nem chegaram a entrar na lista dos semifinalistas. Agora, Trier, 48 anos e primo distante do cineasta dinamarquês Lars von Trier, conseguiu também uma indicação ao Oscar de roteiro original, escrito com seu habitual parceiro, o cineasta Eskil Vogt.
A Noruega está concorrendo pela sexta vez ao Oscar. A anterior havia sido por A Aventura de Kon-Tiki (2012), de Joachim Rønning e Espen Sandberg. Vencedor do troféu de melhor atriz (Renate Reinsve, tão cativante quanto patética) no Festival de Cannes, A Pior Pessoa do Mundo parece ser a maior chance de o país da Escandinávia alcançar uma conquista inédita. O cineasta estadunidense Paul Thomas Anderson, que disputa os Oscar de filme, direção e roteiro original por Licorice Pizza, chegou a fazer um trocadilho dizendo que "The Worst Person in the World is the best film in the world". Mas a concorrência é muito forte, a começar pelo japonês Drive my Car, que já ganhou o Globo de Ouro, o Bafta e o Critic's Choice, e pelo dinamarquês Fuga, com sua inédita tripla indicação: filme internacional, documentário e animação.
Ambientado na capital norueguesa, A Pior Pessoa do Mundo guarda parentesco com o segundo longa de Trier, Oslo, 31 de Agosto (2011). Nesse título baseado no romance francês Le Feu Follet (1931), de Pierre Drieu La Rochelle, o diretor acompanha a jornada de Anders (interpretado por Anders Danielsen Lie, coadjuvante em A Pior Pessoa do Mundo), 30 e poucos anos, paciente de uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. O personagem recebe uma breve licença para comparecer a uma entrevista de emprego — o que faz parte do tratamento — em Oslo, onde ele decide revisitar pessoas, lugares e lembranças, todos gatilhos para sua depressão e para sua inadequação social.
O filme concorrente ao Oscar também segue uma odisseia emocional, a da protagonista Julie, que, como Anders, encarna a vulnerabilidade adulta. Como lidamos com a ansiedade? Como equilibramos nossos desejos e nossas responsabilidades? Como enfrentamos as expectativas e as pressões sociais ligadas a trabalho e a relacionamentos? Como encaramos a irreversibilidade de certas decisões? O que fazer quando nos sentimos coadjuvantes em nossa própria vida?
O roteiro de Trier e Vogt subverte encantadoramente as comédias românticas e faz um provocador retrato dos millennials. Narrado em um prólogo, 12 capítulos e um epílogo com durações e humores variados — a mudança de tom espelha como a vida pode mudar o tempo todo —, o filme expõe as angústias, as buscas e a inconstância dessa geração. Beirando os 30 anos, Julie sai da faculdade de medicina para a psicologia, depois se descobre fotógrafa, mas acaba como vendedora em uma livraria. Suas desventuras incluem a relação complicada com o pai, que formou outra família; o romance com um quadrinista quarentão, Aksel (Anders Danielsen Lie), responsável por reflexões argutas sobre arte e finitude; e o flerte com o jovem Eivind (Herbert Nordrum), que rende uma das sequências mais inebriantes e inesquecíveis da temporada.
Ah, e A Pior Pessoa do Mundo termina com uma versão em inglês de Águas de Março (Tom Jobim), Waters of March, na voz de Art Garfunkel. Não é só para posar de bacana junto aos apreciadores de trilhas sonoras. A canção foi escolhida a dedo para traduzir os conflitos de Julie e o momento de renovação vivenciado pela personagem.
Em artigo para a Folha de S.Paulo em dezembro de 2000, o poeta e professor Augusto Massi analisou a composição de Tom, que "mergulha o ouvinte num fluxo contínuo de palavras", aludindo, em um primeiro momento, à inevitável progressão da vida rumo à morte, além de ter a letra construída "sob o signo do isolamento" (da solidão, poderíamos dizer): "É pau, é pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco, é um pouco sozinho / É um caco de vidro, é a vida, é o sol / É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol".
"A cada estrofe, a cada verso" — prossegue Massi — "busca-se um equilíbrio entre extremos: uma ave no céu, uma ave no chão (espaço); um espinho na mão, um corte no pé (corpo); é um estrepe, é um prego (natureza/indústria); é um sapo, é uma rã (masculino/feminino). No centro dessas relações de equivalências e oposições estão em jogo pulsões de morte e promessas de vida". O ciclo de fins e recomeços é explicitado nos derradeiros versos: "São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração".