Porto Alegre comemora neste sábado, 26 de março, 250 anos de vida. Para comemorar, fiz uma lista com 14 filmes ambientados na capital do Rio Grande do Sul, todos disponíveis em plataformas de streaming ou presentes nas programações de duas salas de cinema do Centro Histórico a partir desta quinta-feira (24): a Eduardo Hirtz, na Casa de Cultura Mario Quintana, e a Cinemateca Capitólio.
Uma pena que não encontrei títulos como Coisa na Roda (1982), de Werner Schünemann, Noite (1985), de Gilberto Loureiro, Quase um Tango (2009), de Sérgio Silva, e Porto dos Mortos (2012), de Davi Oliveira Pinheiro. O primeiro mostra a amizade e a convivência de quatro estudantes que dividem um apartamento no centro de Porto Alegre e circulam pelo campus central da UFRGS. O segundo é a versão do romance homônimo de Erico Verissimo e acompanha, nos anos 1970, a jornada de um homem desmemoriado pelas ruas da cidade, por um bar de beira do cais, um cabaré de quinta categoria e um prostíbulo de luxo. No terceiro, aparecem em cena a Rua Washington Luís, a Andradas e a Usina do Gasômetro. O quarto transforma a Capital em um cenário pós-apocalítico habitado por canibais, espíritos malignos, zumbis e serial killers.
Nos filmes abaixo, aparecem endereços famosos, como o Mercado Público e o bairro Bom Fim. Mas a geografia local por vezes é embaralhada — vide as obras do cineasta Jorge Furtado.
Deu pra Ti, Anos 70 (1981)
Não seja boco-moco e não dê uma de bolha. Se você quer saber como era ser jovem de classe média na Porto Alegre da década de 1970, assista a Deu pra Ti, Anos 70, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti. Rodado em Super-8 e com músicas de Nei Lisboa e Augustinho Licks, o filme mostra os encontros e desencontros de um casal — Marcelo (Pedro Santos), que sonha em ser escritor, e Ceres (Ceres Victora), futura arquiteta. Os dois se cruzam em reuniões dançantes, saídas do cinema (o saudoso Cinema 1 — Sala Vogue, onde assistem a Amarcord, de Fellini), bares e lanchonetes (como o Alaska e o Rib's), acampamentos na praia (Tramandaí e Garopaba), na frente do Araújo Vianna e em discussões quase clandestinas sobre política estudantil — eram os anos da ditadura militar. Os coadjuvantes são joia. Tem, por exemplo, um colorado chato de galocha que azucrina um gremista quando o Inter ganha o Gauchão. Foi lançado em DVD (imagino que seja peça de colecionador, mas achei para venda em alguns sites) e pode ser encontrado no Vimeo
Beijo Ardente: Overdose (1984)
Filme de Flavia Moraes e Hélio Alvarez, com 60 minutos de duração. Nas ruínas da Usina do Gasômetro, esconde-se um vampiro entediado e angustiado com a vida eterna. À noite, em busca de sangue, ele sai pelas ruas de Porto Alegre atrás de vítimas inocentes. No elenco, Andréa L'Abbate, Antônio Carlos Falcão, Pilly Calvin, Careca da Silva, Júlio Conte e Oscar Simch. Sessão nesta quinta-feira (24), às 19h30min, na Cinemateca Capitólio, com apresentação da pesquisadora Thainá Maria
Aqueles Dois (1985)
Baseado no conto homônimo de Caio Fernando Abreu, o filme de Sergio Amon conta a história de Saul (Pedro Wayne) e Raul (Beto Ruas), colegas de trabalho em uma repartição pública em Porto Alegre. Raul, recém-saído de um casamento frustrado, é extrovertido e brincalhão e passa o tempo ouvindo e tocando bolero no pequeno apartamento onde mora. Saul é tímido, de espírito crítico e amargo. Saiu de um noivado quase interminável e se recupera de uma tentativa de suicídio. Os dois acabam unidos pela solidão e iniciam uma intensa amizade. Sessão no sábado (26), às 19h30min, na Cinemateca Capitólio
O Homem que Copiava (2003)
Foi Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus (2002), quem disse na época da estreia de O Homem que Copiava (2003): era o melhor filme brasileiro dos últimos 20 anos. Realizado por Jorge Furtado, conta a história de um jovem operador de xerox, vivido por Lázaro Ramos, de uma papelaria da zona norte de Porto Alegre, onde falsifica uma nota de R$ 50 para comprar um presente para a moça de quem gosta, personagem da Leandra Leal. Ele tem uma visão de mundo fragmentada, pois só consegue ler pedaços dos livros e trabalhos escolares dos quais faz cópias. A trama também tem um pouco de tudo: suspense, romance, drama e humor, cortesia de Pedro Cardoso e Luana Piovani.
O filme se se passa basicamente no 4º Distrito, mas o diretor e roteirista bagunçou um pouco a geografia porto-alegrense. O protagonista mora na esquina da Rua Moura de Azevedo com a Avenida Presidente Roosevelt, onde também ficam a antiga sede da Sociedade Gondoleiros e o fictício Banco Imobiliário. A livraria onde ele trabalha é, na verdade, a Bayadeira, no bairro Bom Fim. A loja onde a mocinha trabalha é, na verdade, a Tásken (na época, Casa Elsa), na Cidade Baixa. Cenas importantes acontecem à beira do Guaíba e na ponte sobre o Guaíba.
O Homem que Copiava tirou do esquecimento um monumento histórico de Porto Alegre. Trata-se de uma fonte com duas ninfas (na foto acima), localizada em uma praça no cais do porto (à direita do portão principal, passando os armazéns), há muito tempo desativada, depredada e isolada pela linha do Trensurb. A obra integrava o plano de embelezamento da cidade, na gestão de Otávio Rocha como intendente. Foi modelada entre 1927 e 1928 por Alfred Adloff, um dos mais importantes escultores do período. São de sua autoria, por exemplo, as alegorias do Viaduto Otávio Rocha e a Camponesa com o Cântaro e o Monumento a Rio Branco, na Praça da Alfândega. Disponível em Globoplay e Star+. Sessão na Sala Eduardo Hirtz da CCMQ no sábado (26), às 19h
Meu Tio Matou um Cara (2004)
Como em O Homem que Copiava, o cineasta Jorge Furtado não é fiel à geografia de Porto Alegre — o ônibus Anita, por exemplo, passa na frente de um presídio longínquo. Na trama, Duca (Darlan Cunha), um guri de 15 anos, aproveita um episódio com seu tio (Lázaro Ramos) — preso por matar um cara por amor a Soraya (Deborah Secco) — para seduzir Isa (Sophia Reis), colega de aula apaixonada pelo melhor amigo do protagonista, Kid (Renan Gioelli). Disponível no Globoplay
Cão Sem Dono (2007)
Dirigido pelos paulistas Beto Brant e Renato Ciasca, é a adaptação do romance Até o Dia em que o Cão Morreu, de Daniel Galera, escritor paulistano que cresceu e radicou-se em Porto Alegre. Narra a história de Ciro (Júlio Andrade), um rapaz de 20 e poucos anos, tradutor desempregado por pura falta de ânimo, que é forçado a sair do isolamento físico e emocional quando um vira-latas e uma modelo (Tainá Müller) entram em sua vida. O Centro é o principal cenário — o protagonista mora em um apartamento na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro. Também é um bom filme para ouvir Porto Alegre — a preparação de atores trabalhou bem o uso de sotaques e expressões típicas. Disponível em Apple TV, Google Play e YouTube. Sesão com debate no domingo (27), às 19h, na Cinemateca Capitólio, com a atriz Janaína Kremer e Jaqueline Beltrame, que trabalhou na equipe de produção
Ainda Orangotangos (2007)
Primeiro longa brasileiro filmado em um plano único (sem cortes), o filme de Gustavo Spolidoro é baseado em contos do escritor Paulo Scott. Acompanha diversas histórias, que começam no Trensurb, com a chegada de dois jovens orientais à Capital. Tem cenas no Mercado Público, dentro de um ônibus que faz o trajeto Júlio de Castilhos/Túnel/Osvaldo Aranha/José Bonifácio/Venâncio Aires, em um apartamento da Venâncio perto da João Pessoa e em uma festa de debutante nas proximidades da Redenção. No trajeto, desfilam tipos como um menino de rua, duas amigas que discutem a "tese" de que o papa João Paulo II era gremista, um Papai Noel bêbado e uma mulher perturbada que convive com dezenas de pombos. Disponível na plataforma Sulflix. Sessão na Sala Eduardo Hirtz da CCMQ na terça (29), às 19h
Antes que o Mundo Acabe (2010)
Dirigida por Ana Luiza Azevedo, é uma adaptação de romance juvenil de Marcelo Carneiro da Cunha. Em uma cidadezinha do interior gaúcho vive Daniel (Pedro Tergolina), guri de 15 anos às voltas com descobertas da adolescência, como o primeiro amor e as aventuras ao lado do melhor amigo. Ao receber cartas do pai que não conhece, Daniel sente o desejo de desbravar o mundo, ou pelo menos ir além do mundinho que conhece. As sequências do trio na Capital têm como cenários a Rua da Praia, a Praça XV e o Viaduto Otávio Rocha, na Duque de Caxias sobre a Borges de Medeiros. Disponível na plataforma Sulflix
Menos que Nada (2012)
O Hospital Psiquiátrico São Pedro é um dos principais cenários deste drama psicológico de Carlos Gerbase sobre um misterioso paciente esquizofrênico, Dante (Felipe Kannenberg), que tem seu passado investigado por jovem médica (Branca Messina). Na busca pelas causas do trauma que levou Dante a surtar, o filme revela episódios traumáticos ocorridos anos antes, quando ele fez uma importante descoberta arqueológica, da qual se apropriou uma bela pesquisadora (Rosanne Mulholland) por quem se apaixonou. Disponível na plataforma Sulflix
Filme Sobre um Bom Fim (2015)
Ao abrir o documentário com um plano que funde presente e passado percorrendo a Avenida Osvaldo Aranha de ponta a ponta, o diretor Boca Migotto sintetiza a proposta de seu tributo ao icônico bairro de Porto Alegre — o plano-sequência, quebrando a Osvaldo Aranha à esquerda na saída do Túnel da Conceição, espelha o de Deu pra Ti, Anos 70. Com apoio de imagens de arquivo e depoimentos de dezenas de artistas, jornalistas, historiadores e frequentadores do bairro, Migotto destaca as diferentes faces que o Bom Fim viveu nas últimas décadas. Entre os anos 1960 e 1970, a proximidade com a UFRGS fez dos bares da chamada "esquina maldita" (Osvaldo com Sarmento Leite), entre eles o Alaska, o Mariu's e o Copa 70, extensão tanto das discussões acadêmicas de contestação à ditadura militar quanto da diversão mundana impregnada pela revolução sexual, pelas ideias libertárias do movimento hippie e pelos bêbados alheios a tudo isso. Na virada para os anos 1980, as turmas do teatro, do cinema e da música assopraram as brasas da inquietação e demarcaram seu território como sendo as proximidades da João Telles, no bar Ocidente e seus vizinhos Lola, João e Lancheria do Parque, além dos cinemas Baltimore e Bristol. Filme sobre um Bom Fim avança até a esquina derradeira da pulsação que ainda tomava conta da Osvaldo Aranha na virada para os anos 1990: a do bar Escaler, no cotovelo da José Bonifácio. Hoje, espaços como o Ocidente e a Lancheria do Parque estão entre os poucos sobreviventes de um passado efervescente. Disponível na plataforma Sulflix. Sessão na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) nesta quinta-feira (24), às 19h
Nós Duas Descendo a Escada (2015)
Filme dirigido por Fabiano de Souza e estrelado por Miriã Possani e Carina Dias. Adri trabalha em uma livraria e sonha com uma carreira como artista. Mona é uma arquiteta bem sucedida e tem planos de trabalhar em Nova York. O destino delas se cruza pelas ruas de Porto Alegre, onde vivem um romance cheio de dúvidas e juras de amor — e embalado por clássicos do rock gaúcho. Sessão na Sala Eduardo Hirtz da CCMQ nesta sexta (25), às 19h
Ponto Zero (2015)
O protagonista do primeiro longa-metragem de José Pedro Goulart é um garoto de 14 anos, Ênio (interpretado por Sandro Aliprandini), às voltas com uma crise familiar, o bullying na escola e os anseios sexuais da puberdade. O pai, um radialista (Eucir de Souza), é dado ao conflito e à ausência. A mãe, que sofre com isso, por vezes faz do filho uma espécie de substituto afetivo, em outras, descarrega nele sua frustração. Já a irmã mais velha mal dá bola para ele. Enquanto isso, Ênio começa a tentar se comunicar com garotas de programa, uma fuga que o levará para uma aventura noturna pelas ruas de Porto Alegre. O passeio inclui a Avenida Farrapos, a ponte do Guaíba, o Morro Santa Teresa e a esquina das ruas Ferreira Viana e Prof. Langendonck (no bairro Petrópolis). Disponível no Amazon Prime Video
Aos Olhos de Ernesto (2019)
A diretora Ana Luiza Azevedo lança um olhar terno para a terceira idade e para a própria Porto Alegre. Vivido por Jorge Bolani, o Ernesto do título é um idoso uruguaio que mora sozinho na capital gaúcha e enfrenta uma crescente cegueira. A solidão do protagonista é quebrada quando surge a jovem Bia (Gabriela Poester), uma cuidadora de cães. O espectador acostumado aos endereços mostrados vai achar a Rua Alberto Torres, na Cidade Baixa, onde mora o protagonista, perto demais da praça situada em um triângulo formado pela Avenida Jerônimo de Ornelas e pelas ruas Vieira de Castro e Santa Teresinha, nas cercanias do Hospital de Clínicas. Vale repetir: o espectador acostumado aos endereços mostrados. Porque a Porto Alegre do filme não é a dos cartões-postais, nem grita a sua localização. Como sucede com Ernesto, pode não ser tão reconhecível à primeira vista; é uma cidade que requer um olhar mais íntimo. Disponível em Telecine, Google Play e YouTube
A Nuvem Rosa (2021)
Filha do cineasta Carlos Gerbase e da produtora Luciana Tomasi, Iuli Gerbase estreia na direção de longas com este filme premonitório em relação à covid-19. Escrito em 2017 e filmado em 2019, em Porto Alegre, retrata muitas situações e muitos comportamentos que se tornaram comuns ao longo destes 20 meses de pandemia. Na ficção, a ameaça é uma nuvem rosa que mata as pessoas em questão de 10 segundos. Não há máscaras, e o confinamento é o único jeito de se salvar. Mas esta é uma ficção científica que não se interessa tanto pelas batalhas práticas, como a da busca por uma cura, nem investe na ação ou numa corrida contra o tempo. O foco de A Nuvem Rosa está nos conflitos psicológicos que afetam os personagens principais, uma mulher e um homem que tinham acabado de se conhecer quando a pandemia impôs o isolamento total. Giovana (interpretada por Renata de Lélis) e Yago (Gustavo Mendonça) dormiram juntos após uma balada e acordaram forçados a serem um casal. Disponível no Globoplay e no Telecine. Sessão na Sala Eduardo Hirtz da CCMQ na quarta (30), às 19h