As coisas que eu faço por vocês... Fui ver Ambulância: Um Dia de Crime (Ambulance, 2022), o 15º filme dirigido por Michael Bay, em cartaz a partir desta quinta-feira (24) em 14 salas de cinema de Porto Alegre, trazendo no elenco Jake Gyllenhaal, Yahya Abdul-Mateen II e Eiza González.
Trata-se de uma adaptação do thriller dinamarquês Ambulância (2005), de Laurits Munch-Petersen, transpondo a ação para Los Angeles. Curiosamente, o longa-metragem anterior de Gyllenhaal — indicado ao Oscar de coadjuvante por O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e ao Bafta, ao SAG Awards e ao Globo de Ouro de melhor ator por O Abutre (2014) — também havia sido a refilmagem estadunidense de uma obra da Dinamarca, O Culpado (2021, disponível na Netflix).
Em Ambulância, Gyllenhaal interpreta Danny, dono de uma revenda de carros metido em negócios escusos. Ele tem um irmão adotivo, o veterano de guerra e pai de família Will, papel de Abdul-Mateen II, ganhador do Emmy de ator coadjuvante pela minissérie Watchmen (2019) e o Morpheus de Matrix Resurrections (2021). É o drama de Will que abre o filme: seu plano de saúde não cobre os gastos com uma cirurgia vital para sua esposa, Amy (Moses Ingram, a Jolene de O Gambito da Rainha). Atrás de US$ 231 mil, ele procura o mano, que faz uma contraproposta: convoca Will para assaltar um banco de Los Angeles, de onde levariam US$ 32 milhões.
Entrementes, conhecemos os demais personagens. Parceiro policial de Mark (Cedric Sanders), Zach (Jackson White) acabou de entrar na agência bancária porque quer convidar uma garota para sair. A paramédica Cam, vivida pela mexicana Eiza González (de Em Ritmo de Fuga e Eu me Importo), está com um motorista novo na ambulância. Os caminhos de todos vão se cruzar durante o assalto e passarão a ser acompanhados por policiais como o capitão Monroe (o carismático Garret Dillahunt, o vilão de Braven: Perigo na Montanha).
A sinopse acima permite inferir: Ambulância é um filme em que dilemas morais e imprevistos vão provocar um estado de tensão permanente e desenfrear as cenas de ação. No papel, parece bacana, mas este é um filme de Michael Bay, um diretor afeito ao barulho, ao exagero, à extravagância — vide Os Bad Boys (1995), Armageddon (1998), Pearl Harbor (2000), a franquia Transformers (2007-2017), Esquadrão 6 (2019). Intercalados pelo som dos tiroteios, das colisões automobilísticas e dos rasantes de helicópteros, os diálogos são costumeiramente gritados e extremamente expositivos (isso quando não são ridículos, como quando Danny, vivendo um dia de cão, reclama por seu suéter de cashmere ter sido atingido pelos jatos de um extintor de incêndio). Os novos perigos desafiam a lógica narrativa (e até a da vida real: a gasolina nunca acaba?). A câmera está sempre tremendo, e os cortes na edição são rapidíssimos — em vez de causar nervosismo na plateia, pode é causar enjoo. Drones e o recurso do slow-motion são empregados até nas cenas mais banais. É uma overdose de adrenalina.
Quanto ao elenco, Gyllenhaal, que foi o vilão Mysterio em Homem-Aranha: Longe de Casa (2019), flerta perigosamente com a autoparódia. Abdul-Mateen II empresta sua dignidade a um protagonista bastante óbvio. González faz o possível para construir a evolução dramática de sua personagem. Há alguns destaques entre os coadjuvantes, como os já citados Dillahunt e Sanders — o primeiro entendendo o ridículo da coisa, o segundo empregando a seriedade exigida pelo papel. Já Keir O'Donnell encarna um agente do FBI, Anson Clark, que surge aos olhos do espectador em uma cena totalmente desconectada, uma terapia de casal com o seu companheiro — diversidade sexual e inclusão são bem-vindas no gênero de ação, mas aqui, além de nada acrescentarem ao perfil psicológico do policial ou ao desenvolvimento da trama, parecem ter sido lançadas apenas para gerar um efeito supostamente cômico.
Entre mortos e feridos, salva-se a música composta pelo escocês Lorne Balfe, o mesmo de Missão: Impossível — Efeito Fallout (2018) e Viúva Negra (2021). Mas até ele acaba vítima do excesso: são raríssimos os instantes em que as duas horas e 16 minutos de projeção estão desamparados pela trilha sonora. Que, preciso confessar, contribuiu bastante para marejar meus olhos no momento mais melodramático, protagonizado pela paramédica Cam em um hospital.
Talvez Ambulância seja mais bem apreciado se for visto como uma sátira de Bay a si próprio. A certa altura, um personagem cita uma frase proferida por Sean Connery (1930-2020) em A Rocha (1996) — artisticamente, a obra mais sólida na carreira do diretor —, mas o interlocutor não lembra desse filme. Mais adiante, a tenente Dzaghig (Olivia Stambouliah) vai comentar:
— Esta é a perseguição mais cara da história.