Um dos grandes méritos da minissérie documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central, que estreou na Netflix em 16 de março, é tirar o glamour que a ficção associa a esse tipo de bandido — vide o seriado espanhol La Casa de Papel (2017-2021), disponível na mesma plataforma de streaming.
Pelo menos nos filmes e nas séries, ladrões de banco costumam ser romantizados. Como se o dinheiro que roubam não pertencesse a ninguém, como se fossem vingadores contra o sistema capitalista (quando o que os move é justamente a ambição financeira), como se o fato de apostarem na esperteza e evitarem o uso de violência não fosse gerar, logo adiante, uma espiral de crime e morte.
3 Tonelada$ reconstitui o maior assalto da história brasileira. Entre os dias 5 (sexta-feira) e 7 (domingo) de agosto de 2005, um grupo formado por mais de 30 criminosos furtou R$ 164,7 milhões da caixa-forte do Banco Central de Fortaleza, no Ceará, e fugiu. Eles haviam feito um túnel com 80 metros de comprimento a partir de uma casa nas redondezas na qual montaram uma empresa de fachada, para comércio de grama sintética. O dinheiro, todo em notas de R$ 50 usadas e não rastreáveis, equivalia a cerca de três toneladas e meia. O bando não disparou um único tiro. O sumiço só foi descoberto na manhã de segunda-feira, 8 de agosto, após a abertura do expediente.
O furto já havia ganhado uma versão ficcional no tinhoso filme Assalto ao Banco Central (2011), dirigido por Marcos Paulo e estrelado por Milhem Cortaz, Eriberto Leão, Hermila Guedes, Lima Duarte, Giulia Gam, Tonico Pereira e Juliano Cazarré. 3 Tonelada$ tem roteiro e direção de Daniel Billio — o mesmo de A Grande Luta (2016-2017), série que resgatava combates memoráveis de lutadores brasileiros de boxe, judô, karatê, jiu-jítsu e MMA — e direção geral de Rodrigo Astiz, que traz no currículo documentários sobre o assassinato do eletricista mineiro Jean Charles pela polícia de Londres e a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, entre outros temas.
A minissérie está dividida em três episódios de uma hora cada. O primeiro, intitulado O Crime, trata de mostrar como os ladrões colocaram em prática seu plano minucioso. O segundo, A Caçada, foca mais na investigação policial. E o terceiro, Dinheiro Maldito, acompanha os desdobramentos do caso. Ainda que seja um documentário, as comparações com La Casa de Papel são inevitáveis — pela magnitude do assalto, pelo planejamento engenhoso, pela atenção da imprensa. Há até bandidos apelidados: Alemão, Fernandinho, Cebola, Gordo, Piauí...
Para narrar a história, Astiz e Billio usam imagens de arquivo (como as coletadas por câmeras de segurança ou pela polícia), reencenações (que são o ponto fraco da produção, pela penúria estética) e muitos depoimentos — esses, sim, ricos em bastidores e revelações. Entre os entrevistados, está inclusive um integrante da quadrilha. Mas, reforçando a intenção de desmistificar o crime, a maioria é de forças da lei.
Aparecem, por exemplo, Enéas Martins Sobreira, o primeiro policial a entrar e percorrer o minúsculo túnel que ligava a caixa-forte à casa alugada pelos ladrões, e o ex-delegado da Polícia Federal (PF) Antonio Celso dos Santos, que comandou as investigações. Um dos principais personagens é o agente da PF identificado como Nicodemos, que, por ser especializado em infiltrações, emprega um nome fictício, esconde o rosto nas sombras e tem sua voz distorcida. Ele cunha a frase que resume o quebra-cabeças a ser desvendado:
— Numa investigação, tudo é importante. Mas, isoladamente, nada presta.
Esse quebra-cabeças teve peças espalhadas por Porto Alegre. O delegado da PF José Antônio Dornelles de Oliveira ajuda a recuperar uma operação semelhante à de Fortaleza e que envolveu participantes do assalto ao Banco Central. Em 2006, um grupo com mais de 20 ladrões comprou um prédio na Rua Caldas Júnior, por R$ 1,2 milhão, e lá montou uma empresa de fachada para atacar o cofre subterrâneo do Banrisul, no Centro Histórico. Quando foram presos, já haviam escavado um túnel de 78 metros — estavam a 12 de seu objetivo.
Porto Alegre também foi um cenário importante para a captura, em 2009, de um dos líderes da malta, Moisés — um sujeito tão "carismático" que, segundo depoimento do escritor Roger Franchini, autor do livro Toupeira: A História do Assalto ao Banco Central (2011), "deve ser maravilhoso sentar em uma mesa de bar para tomar cerveja com ele". Há um denominador comum nas prisões efetuadas: o sentimento de alívio dos assaltantes.
Como o título do último capítulo evidencia, o "crime perfeito" mostrou-se um fracasso, transformou-se em maldição. Por um lado, os ladrões passaram a ser alvo de extorsões, sequestros e execuções — não raro pelas mãos de policiais corruptos. Por outro, não usufruíam da suposta vida boa que a bolada de dinheiro traria. Escutas telefônicas flagraram um deles assumindo o suplício que era segurar o ímpeto de gastar. Alemão, ao ser preso em casa, em Taguatinga (DF), em 2008, disse para a esposa:
— A casa caiu. Melhor assim. Não aguento mais fugir. Quero ver meus filhos.
José Marleudo, que foi encontrado em Mossoró (RN), em 2007, desabafou aos policiais:
— Passei um ano e dois meses vivendo no mato. Eu quase virei um bicho. Comia milho verde cru. Tinha carrapato e pulga pelo corpo. Me joga dentro das grades. Quero viver a minha vida digna como eu vivia antes.