No papel, O Peso do Talento (The Unbearable Weight of Massive Talent, 2022), que estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas, parecia promissor. No filme dirigido por Tom Gormican, Nicolas Cage interpreta o próprio Nicolas Cage. Sofrendo com a falta de oportunidades — o que gera tanto uma crise existencial quanto uma crise financeira —, o ator aceita a proposta de US$ 1 milhão para viajar à ilha de Mallorca, na Espanha, onde será o convidado de honra na festa de aniversário do bilionário Javi (Pedro Pascal, protagonista da série The Mandalorian). Lá, enquanto lida com a vontade do anfitrião de produzir uma aventura cinematográfica, Cage é recrutado por uma dupla de agentes da CIA (Tiffany Haddish e Ike Barinholtz) para investigar as possíveis conexões de Javi com o tráfico de armas e com o sequestro da filha de um político.
A sinopse da trama escrita por Gormican (o mesmo da comédia romântica Namoro ou Liberdade, de 2014) e Kevin Etten permite vislumbrar o quanto O Peso do Talento referencia a carreira de Cage, californiano de 58 anos que já viveu altos e baixos em Hollywood — tanto artisticamente quando economicamente.
Sobrinho do cineasta Francis Ford Coppola, Cage viveu seus melhores tempos entre a década de 1980 e o início do século 21. Depois de títulos como O Selvagem da Motocicleta (1983), Asas da Liberdade (1984), Arizona Nunca Mais (1987), Feitiço da Lua (1987) e Coração Selvagem (1990), ganhou o Oscar e o Globo de Ouro como o alcoolista de Despedida em Las Vegas (1995). Em seguida, emendou três filmes de ação — A Rocha (1996), Con Air: Rota de Fuga (1997) e A Outra Face (1997) — que se mostraram uma faca de dois gumes. Por um lado, engajaram fãs; por outro, parecem ter "viciado" o ator em um estilo canastrão e estridente.
Ele ainda trabalharia com diretores renomados — como Brian De Palma, em Olhos de Serpente, e Martin Scorsese, em Vivendo no Limite —, seria Um Homem de Família e O Senhor das Armas, daria início à franquia A Lenda do Tesouro Perdido e concorreria de novo ao Oscar e ao Globo de Ouro por interpretar os roteiristas gêmeos de Adaptação (2002). Mas, de 2007 para cá, já soma oito indicações ao Framboesa de Ouro, o prêmio de galhofa dedicado aos piores do ano e entregue às vésperas do Oscar. Se serve de consolo, Cage nunca "venceu".
A derrocada cinematográfica reflete sua vida pessoal, cheia de episódios de excentricidade e fracasso (não à toa, vai protagonizar uma minissérie ficcional sobre Joe Exotic, retratado no documentário A Máfia dos Tigres). Alguns deles: Cage já foi à falência, por dever ao Tesouro dos Estados Unidos, e teve de vender tudo, incluindo carros de luxo e sua valiosa coleção de quadrinhos. Dois de seus cinco casamentos duraram menos de um ano — para ser exato, 107 dias no caso de Lisa Marie Presley, em 2002, e apenas quatro dias no de Erika Koike, em 2019. (Na versão ficcional, o relacionamento com a ex-esposa, Olivia, vivida por Sharon Horgan, e a filha adolescente, Addy, papel de Lily Sheen, é marcado por anos de negligência emocional.) Ele tem como mascotes um polvo, um tubarão, um crocodilo e duas cobras gigantes. E nega-se a tomar remédios: "Estimulo o espectro total dos sentimentos. É meu maior recurso como ator. Necessito poder sentir tudo e, por isso, rejeito qualquer tipo de medicamento", justificou.
O Peso do Talento é beneficiado pela maré alta que o ator vem surfando, graças ao elogiados desempenhos em Mandy: Sede de Vingança (2018) e Pig: A Vingança (2021) e à expectativa gerada por Renfield (2023), no qual vai encarnar Drácula. Se as ondas estivessem baixas, o filme poderia ser visto como desespero (de Cage) ou deboche (de Gormican). Acabou ganhando aura de homenagem cult. Daí que soa como piada, e não como arrependimento, a declaração dada por Cage ao site Collider em setembro de 2021:
— Eu nunca vou ver esse filme. Me disseram que é um bom filme. Meu empresário, Mike Nilon, que também é produtor, deu uma olhada. Ele estava muito feliz. Disseram-me que o público adorou o filme. Mas é uma viagem maluca demais eu ir a um cinema e me ver interpretar a versão altamente neurótica e cheia de ansiedade que Tom Gormican fez de mim. Eu disse: "Tom, não sou eu de verdade. Eu sou realmente feito de momentos quietos, meditativos e pensativos". Mas ele disse: "Bem, Cage neurótico é o melhor Cage".
Pena que, a certa altura, Gormican começa a levar o filme muito a sério. Investe em cenas de ação que são mornas — um pecado mortal quando seu protagonista é célebre pela intensidade — e gasta tempo demais na parte dramática, a ponto de contrabalançar negativamente seus melhores momentos. É como se o lado auto-homenagem de Nicolas Cage derrotasse o lado autoparódia.
Ainda que não seja tão genial quanto a ideia sugeria, O Peso do Talento deve divertir o fã de Nicolas Cage com uma série de citações — é um verdadeiro Cageverso. A lista inclui a piscina de Despedida em Las Vegas, o coelhinho de pelúcia de Con Air, as pistolas douradas de A Outra Face, as perseguições automobilísticas de 60 Segundos (2000) e as abelhas de O Sacrifício (2006). Possibilitada pela computação gráfica, uma das boas sacadas — que serve como alusão tanto a Coração Selvagem quanto a Adaptação — é a engraçada interlocução do ator com o jovem Nicky, a persona vulgar, falastrona e autodestrutiva encarnada por Cage em um talk show britânico, em 1990.
Mas é um monólogo reflexivo e com pitadas amargas que constitui a cena mais brilhante do filme. Nicolas Cage tem má fama por fazer quatro ou cinco filmes por ano, um após o outro e, em sua maioria, descartáveis. Ele rebate lembrando que, como todos nós, também tem contas a pagar. E questiona: em qualquer profissão, estar sempre trabalhando é encarado como virtude — por que o tratamento não é o mesmo em relação à carreira de ator?