É baseada em uma história em quadrinhos, como The Boys (2019-), The Umbrella Academy (2019-), Watchmen (2019), Sweet Tooth (2021), Cavaleiro da Lua (2022) e DMZ (2022).
Tem adolescentes como personagens principais e a escola é um cenário importante, a exemplo de Stranger Things (2016-), 13 Reasons Why (2017-2020), Atypical (2017-), Riverdale (2017-), Elite (2018-) e Euphoria (2019-).
E lida com a temática LGBT+, central em Please Like Me (2013-2016), Pose (2018-2021), Special (2019-2021), Feel Good (2020-2021), It's a Sin (2021) e Manhãs de Setembro (2021).
Mas se a gente alinhar Heartstopper a qualquer uma dessas famílias, a série vai parecer um parente muito distante.
O mais próximo de Heartstopper é Sex Education (2019-). Ambas as séries são ambientadas na Inglaterra, ambas são sobre estudantes do Ensino Médio, ambas giram em torno de um personagem masculino, ambas — como os títulos indicam — focam bastante no amor e nos relacionamentos, ambas abordam questões de gênero e sexualidade e ambas fazem uso das redes sociais na narrativa.
Mas a segunda tem uma pegada muito mais cômica do que a primeira e, como também indicam os títulos, as duas séries diferem no tratamento dado ao sexo. Em Sex Education, os personagens já estão transando; em Heartstopper, todos ainda parecem estar na fase em que o importante é o coração parar de bater.
Cada um com meia hora de duração, os oito episódios de Heartstopper foram escritos por Alice Oseman, autora da HQ homônima (publicada no Brasil pela editora Seguinte — três volumes já foram lançados, e o quarto sai em junho), e dirigidos por Euros Lyn, realizador de Fifteen Million Merits (2011) na antologia Black Mirror. O personagem principal é Charlie, com seus 14 para 15 anos, encarnado pelo estreante Joe Locke. No início da história, ele mantém uma espécie de romance secreto com Ben (Sebastian Croft). O sigilo é tamanho que Ben sequer o cumprimenta nos corredores da escola para garotos Truham. Mas quem vai despertar mesmo a paixão de Charlie é um colega de aula um ano mais velho, Nick (Kit Connor), que parece ser o mais hétero dos heterossexuais — para começo de conversa, é o craque do time de rúgbi. Não é spoiler dizer que entre os dois surge uma conexão sentimental, uma faísca amorosa — evidenciada pelos desenhos de Oseman que ocasionalmente adornam as cenas.
Paralelamente à aproximação de Charlie e Nick — o romance mais fofo das séries de 2022 —, Heartstopper acompanha outros dois pares românticos que envolvem personagens LGBT+. Alunas do colégio Higgs para garotas, Tara Jones (Corinna Brown) e Darcy Olsson (Kizzy Edgell) ainda não revelaram publicamente que são namoradas. Elle (Yasmin Finney), que se transferiu do Truham para a mesma escola após se assumir transgênero, percebe que talvez esteja gostando de Tao (William Gao), o melhor amigo do protagonista.
Há uma doçura em Heartstopper capaz de desarmar os preconceituosos — estes sequer podem bater na tecla da "indecência", já que a série não passa dos abraços e dos beijinhos. Há um cuidado para instruir sobre a diversidade sexual sem perder a fluidez dramatúrgica. E há também um otimismo contagiante. Sim, a turma precisa encarar a homofobia, o bullying e as próprias dúvidas e angústias características da adolescência. Porém, o tom é quase sempre positivo — "caloroso e reconfortante", nas palavras do escritor porto-alegrense Samir Machado de Machado, dos livros Homens Elegantes (2016) e Tupinilândia (2018), que em um post no Facebook definiu Heartstopper como "o programa saudável que todo LGBTQIA+ que sobreviveu psicologicamente aos anos 80 e 90 gostaria de ter assistido aos 13 anos".
Como disse Alice Oseman em entrevista à revista Vanity Fair, seus personagens "podem carregar fardos e não quebrar sob eles", e hoje, com a pandemia mais controlada, o público "está disposto a um pouco de sol em seu entretenimento". Essa luz não é artificial. Uma das chaves para Heartstopper parecer tão humana é a direção do elenco (que inclui a oscarizada Olivia Colman no papel da mãe de Nick). A câmera de Euros Lyn tem a sensibilidade para flagrar trocas de olhares e pequenos gestos que são muito eloquentes e comoventes. Às vezes, o silêncio ou a falta de fôlego são só manifestações da vertigem de se estar gostando de alguém. Em outras, um simples "oi" faz estrelinhas pintarem na tela, de onde transborda uma alegria radiante.