No início desta semana, sugeri 10 séries longas para (começar a) maratonar no feriadão de Páscoa.
Agora, é a vez de listar 10 atrações novas — lançadas do final de 2021 para cá — e curtinhas (de quatro a 10 episódios) para quem não tem muito tempo livre.
Todos os títulos estão disponíveis nas principais plataformas de streaming.
Landscapers (2021)
Estrelada por Olivia Colman e David Thewlis, a minissérie policial em quatro episódios tem início com dois avisos ao espectador. O primeiro é textual: "Em 2014, Susan e Christopher Edwards foram condenados por homicídio e sentenciados a um mínimo de 25 anos de prisão. Até hoje, eles mantêm sua inocência. Esta é uma história verídica". Entrementes, enquanto a música composta por Arthur Sharpe vai criando um clima tão idílico quanto lúgubre, a câmera desce até o nível de uma praça, onde pessoas que estavam paradas começam a se movimentar. Alguém grita "Rodando!" e, na sequência, "Ação! Chuva!". Sob a chuva artificial, um homem (que mais adiante se apresentará ao telefone como um advogado da defensoria pública) aguarda a instrução para fazer o seu deslocamento, que ocorre concomitantemente à passagem de um ônibus do tipo minhocão em primeiro plano — quando a cena, até então em preto e branco, ganha cor. Esse segundo aviso, o audiovisual, se complementa com uma pequena, mas significativa alteração na última frase — em inglês, "This is a true story" — sobreposta às imagens: a palavra true (verdadeira) desparece. Fica apenas: "Esta é uma história".
O recado duplo é fundamental para entendermos que, a seguir, um célebre e chocante caso policial da Inglaterra — o assassinato, em 1998, dos pais de Susan, William e Patricia Wycherley, desvendado a partir do descobrimento dos corpos no jardim de uma casa no subúrbio de Mansfield — será livremente recriado. Se os fatos dramatizados são chocantes, do ponto de vista narrativo Landscapers é absolutamente fascinante. Como a abertura aponta, o roteirista Ed Sinclair e o diretor Will Sharpe vão enfatizar os aspectos fantasiosos — ou seriam delirantes? Ou seriam mentirosos? — da vida do casal Susan e Edward, duas pessoas atrapalhadas e machucadas que compartilham o gosto por filmes antigos de Hollywood e astros do cinema como Gary Cooper e Gérard Depardieu, e que procuram construir um mundo no qual possam sobreviver. (HBO Max)
O Mar da Tranquilidade (2021)
Depois que a série Round 6 virou um fenômeno de audiência e de crítica, os olhos ocidentais tornaram-se ainda mais atentos à produção audiovisual da Coreia do Sul — o movimento, vale lembrar, já havia se intensificado após as conquistas de Parasita (2019) no cinema, como a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme. Com oito episódios escritos e dirigidos por Choi Hang-yong, a ficção científica O Mar da Tranquilidade se passa em um futuro próximo, no qual, informam as notícias de TV, "a média anual de chuvas caiu novamente. Rios em grandes cidades do mundo revelam leitos secos, e o nível do mar está caindo, representando desafios para usinas de dessalinização. O Conselho Mundial de Recursos Hídricos prevê que a água do mundo será reduzida em 40% nos próximos 10 anos".
A série acompanha as aventuras, os dramas e as descobertas de uma missão espacial enviada à Lua. O objetivo, não tardaremos em saber, será recuperar amostras de uma substância que pode representar a salvação da humanidade — ou acelerar sua extinção. Em meio a dilemas éticos e morais e a obstáculos político-econômicos que refletem a corrida da ciência contra a pandemia, O Mar da Tranquilidade oferece uma atmosfera de suspense construída a partir da combinação de uma ambientação fantástica (os passeios na Lua são deslumbrantes), personagens misteriosos e/ou carismáticos e uma narrativa que vai e volta no tempo — o ritmo, contudo, pode ser lento para alguns espectadores. Nossa guia é a doutora Song, pesquisadora interpretada com gravidade — sem trocadilho — por Bae Doona, vista em séries como Sense8 (2015-2018), Stranger (2017-2020) e Kingdom (2019-2020). Astro de Em Silêncio (2011) e de Invasão Zumbi (2016), Gong Yoo faz o comandante Han. Kim Sun-yang, atriz de Pousando no Amor (2019-2020), é a médica Hong. (Netflix)
The Dropout (2022)
A minissérie em oito episódios conta a história de Elizabeth Holmes (brilhantemente interpretada por Amanda Seyfried), fundadora do laboratório Theranos, que prometia revolucionar a indústria dos exames de sangue, mas acabou se revelando uma fraude bilionária. Criada por Elizabeth Meriwether, a mesma da série cômica New Girl (2011-2018), The Dropout enceta uma comparação inevitável com a recente Inventando Anna (Netflix): as duas minisséries são mais ou menos contemporâneas; as duas protagonistas são mulheres brancas com autoconfiança, energia e talento para a mentira, trinômio que abriu portas no mundo dos negócios e na alta sociedade; ambas cultivam excentricidades (a jovem golpista Anna Sorokin tem um sotaque indetectável, Elizabeth emprega uma voz grave e baixa quando quer proferir uma frase de efeito); e as duas obras mostram como seus castelos de areia desmoronaram.
Mas Inventando Anna é longa e enrolada demais, parecendo mais interessada na lenda do que na pessoa. The Dropout, embora recorra a flashbacks, vai direto ao ponto. O foco está na pressa de Elizabeth Holmes para conquistar algo, no seu narcisismo, no seu desconforto para o convívio social, na sua mistura desequilibrada de faro, desespero, garra juvenil e falta de escrúpulos. Uma personagem muito mais humana do que aquela de Inventando Anna e que há de levar Amanda Seyfried a sua primeira indicação no Emmy. (Star+)
Lakers: Hora de Vencer (2022)
Esta ainda não teve sua primeira temporada encerrada — neste domingo (17), será lançado o sétimo dos 10 episódios —, mas é impossível não recomendá-la. Inspirada no livro Showtime, do jornalista Jeff Pearlman, foi criada por Max Borenstein — um dos roteiristas dos filmes com Godzilla e coautor da série The Terror (2018-2019) — e Jim Hecht. Lakers: Hora de Vencer reconstrói a história do Los Angeles Lakers a partir de sua aquisição, em 1979, por Jerry Buss (interpretado por John C. Reilly), um excêntrico homem de negócios que quer transformar o basquete em um espetáculo tanto dentro como fora das quadras. O elenco de personagens inclui os jogadores Earvin "Magic" Johnson (encarnado por Quincy Isaiah), Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes) e Norm Nixon (DeVaughn Nixon, filho do ex-atleta) e os treinadores Jerry West (Jason Clarke) e Pat Riley (Adrien Brody).
A história começa pelo que parece ser o fim da jornada: a descoberta, em 1991, de que Magic Johnson era soropositivo, o que provocou o interrompimento de sua carreira, após cinco títulos conquistados em nove finais da NBA, a liga norte-americana de basquete. O primeiro episódio tem direção do cineasta Adam McKay (e o segundo, do ator Jonah Hill), que imprime seu estilo. Os atores quebram a quarta parede, falando diretamente com o público (apesar de já ser bem conhecido, o recurso ainda pode ser desconcertante e fascinante), textos se sobrepõem às imagens, e há aquela característica mistura de comédia ácida, drama e comentário sócio-político-econômico — na estreia, um tema forte foi o racismo (como visto também no documentário Briga na NBA, da Netflix). (HBO Max)
Nossa Bandeira é a Morte (2022)
Com 10 episódios na primeira temporada, a série faz uma abordagem do universo dos bucaneiros e dos corsários muito mais cômica (ainda que tenha momentos dramáticos e algum derramamento de sangue) do que aquela vista na franquia cinematográfica Piratas do Caribe (2003-2017). Os responsáveis por Nossa Bandeira É a Morte têm experiência em cruzar a comédia com outros gêneros. David Jenkins, o criador, é o mesmo do seriado People of Earth (2016-2017), sobre um grupo de apoio a pessoas que foram abduzidas por alienígenas. Taika Waititi, que dirige o piloto, é produtor executivo e interpreta o Barba Negra, traz no currículo O que Fazemos nas Sombras (2014), um falso documentário sobre o mundo dos vampiros, Thor: Ragnarok (2017), uma versão mais humorística do Deus do Trovão, e Jojo Rabbit (2019), que, sem esquecer dos horrores do nazismo, satiriza Hitler.
A obra é inspirada em um personagem real, Stede Bonnet (vivido por Rhys Darby), um aristocrata de Barbados, no Caribe, que abandonou seus privilégios, sua esposa e seus filhos para viver uma vida de pirata. Sem traquejo para a truculência — ele se autointitula Pirata Cavalheiro e chega a ler histórias para seus subordinados dormirem —, Stede precisa provar sua capacidade para o cargo. Em pelo menos um episódio, o quinto, sua bagagem cultural fará toda a diferença. (HBO Max)
Pam & Tommy (2022)
A minissérie em oito capítulos criada por Robert Siegel reconstitui um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. No caso, uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, estrela do seriado Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe. Na era das redes sociais, da fama instantânea e do compartilhamento de tudo — inclusive do chamado revenge porn (pornografia de vingança) e de seu oposto, a publicação supostamente acidental com intuito marqueteiro —, pode ser difícil medir o impacto da divulgação daquelas cenas de sexo. Mas Pam & Tommy é muito eficiente em contextualizar o espectador e retratar como, em um ambiente machista e moralista, a invasão de privacidade transformou Pamela de queridinha a pária e alvo do deboche.
Pamela é interpretada por uma atriz insuspeita para o papel: a inglesa Lily James, protagonista de Cinderela (2015) e coadjuvante de Yesterday (2019). O extraordinário trabalho de caracterização inclui maquiagem, peruca, bronzeamento artificial e seios falsos, treinamento vocal para encontrar o timbre certo e uma mescla de sensualidade e doçura, ímpeto e resignação. Tommy é encarnado pelo romeno-estadunidense Sebastian Stan, o Soldado Invernal do Universo Cinematográfico Marvel. A metamorfose física — o ator escureceu os cabelos, os olhos (com lentes de contato), os cílios e as sobrancelhas, além de cobrir o corpo com tatuagens temporárias e colocar piercings em mamilos protéticos — contribui para o lado sentimental, realçando o romantismo sui generis do músico, sua imprevisibilidade e seu pendor para a intimidação e a babaquice. (Star+)
De Rainha do Veganismo a Foragida (2022)
Minissérie documental, como esta dirigida por Chris Smith, também vale. Em quatro episódios, De Rainha do Veganismo a Foragida tem como protagonista Sarma Melngailis, 49 anos, estadunidense nascida na Letônia que, antes de virar alvo da polícia, tinha um restaurante em Nova York (o Pure Food and Wine) frequentado por celebridades como Gisele Bündchen, Tom Brady e Alec Baldwin, todos atraídos por pratos veganos e crus.
Mas antes de virar alvo de uma investigação policial, Sarma tornou-se vítima de um golpista. Empregados, amigos, familiares e espectadores "não entendem" como, após muitos sinais de alerta, ela continuou casada com Shane Fox. Na verdade, ele se chamava Anthony Strangis, mas também já se apresentou como Michael Caledonia — e a revelação de uma de suas muitas identidades falsas é um dos momentos mais desconcertantes da minissérie. Enredada em um relacionamento tóxico a exemplo daqueles vistos no documentário O Golpista do Tinder, a chef de cozinha acabou com o bolso e a reputação arruinados. (Netflix)
Reacher (2022)
Cérebro e músculos se harmonizam em Reacher, série em oito episódios que, graças ao sucesso imediato de público, foi renovada para uma segunda temporada. É baseado no livro Dinheiro Sujo (Killing Floor, 1997), a aventura inicial das 22 já protagonizadas por Jack Reacher, personagem criado pelo escritor Lee Child. Trata-se de um militar aposentado que passou a viver como um nômade, pagando tudo em dinheiro e não deixando qualquer tipo de rastro digital (não tem celular nem redes sociais). Interpretado por Alan Ritchson, Reacher é um brutamontes com QI extraordinário, uma espécie de Sherlock Holmes marombado. Sua atenção aos detalhes possibilita deduções desconcertantes. O bacana é que a série não recorre a flashbacks para revelar esses detalhes: estavam à tona o tempo todo, ainda que o espectador possa não ter percebido. O que nosso herói faz é amarrá-los para traçar um perfil psicológico ou montar uma tese investigativa.
Reacher também tem senso de humor — às vezes involuntário, como quando emprega sua lógica implacável em situações nas quais um pouco de tato cairia bem (só que ele não se furta de mentir se seu instinto protetor recomendar a omissão ou a invenção). E Reacher é dado a prazeres culturais e gastronômicos. É à procura de informações sobre um lendário músico de blues, Blind Blake (1896-1934), que ele vai parar na fictícia cidadezinha de Margrave, na Geórgia. Quando está prestes a experimentar a famosa torta de pêssego de uma cafeteria local, a polícia chega e prende o protagonista. A acusação? O bárbaro homicídio a que assistimos na abertura da série. Mas há um problema: o gerente de câmbio em um banco também assume a autoria do crime. (Amazon Prime Video)
Ruptura (2022)
Com nove episódios na primeira temporada — uma segunda já foi anunciada —, é uma espécie de cruza entre The Office (2005-2013), Black Mirror (2011-2019) e Homecoming (2018-). A porção comédia de escritório puxa mais para o humor absurdo ou mesmo para o riso nervoso; a ficção científica espelha inquietações reais, com novas tecnologias potencializando anseios, crises e vícios da sociedade contemporânea; e há drama e suspense por conta de algum tipo de lavagem cerebral. Criada pelo estreante Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller, Ruptura gira em torno de uma empresa, a Lumon, que descobriu uma maneira de separar, cirurgicamente, a vida profissional da pessoal. À primeira vista, parece uma relação ganha-ganha: ninguém leva para o escritório os problemas domésticos, ninguém volta para casa com o estresse do trabalho. Mas é claro que há implicações éticas, dilemas morais e consequências psicológicas na divisão entre os innies (as personas que só vivenciam sua própria existência dentro da Lumon) e os outies (as personas externas, que não têm lembrança das rotinas internas). Na ausência de conexão cultural e emocional com o mundo lá fora, os innies estão preparados para serem totalmente diligentes, em troca de recompensas ridículas, e religiosamente leais. As pessoas são infelizes no trabalho, mas continuam voltando porque seu eu exterior desconhece essa frustração. E é impossível pedir demissão durante o expediente.
O personagem principal é Mark Scout (Adam Scott), que topou participar do programa de ruptura entre as memórias pessoais e as memórias profissionais para não deixar que o luto pela morte da esposa dominasse o seu dia inteiro. Ele acaba de ser promovido após o repentino e misterioso desligamento de um amigo, que em breve começa a revelar podres da Lumon. Uma das primeiras tarefas de Mark no cargo é recepcionar uma nova empregada do seu setor, o de "refinamento de macrodados" — nem ele nem seus subordinados sabem exatamente o que fazem. A nova contratada é Helly (Britt Lower), que tentará lutar contra o sistema, mas vai esbarrar em uma esmerada burocracia e em um dedicado supervisor dos innies. (Apple TV+)
Sentença (2022)
Esta dica final é do meu colega Carlos Redel, que já assistiu à série em seis episódios com estreia nesta sexta-feira (15): "Criada por Paula Knudsen, dirigida por Anahí Berneri e Marina Meliande, protagonizada por Camila Morgado e com quatro mulheres no time de seis roteiristas, Sentença aborda com intensidade e também com delicadeza o dia a dia de uma advogada criminalista que acredita que todos têm direito à defesa, independentemente do crime cometido. Porém, ainda que idealista, a personagem apresenta diversas camadas, e até mesmo anda na linha tênue entre o que é certo e errado, deixando de lado a visão maniqueísta do heroísmo.
Por contar com apenas seis episódios de mais ou menos 45 minutos em sua primeira temporada, a série acaba por acumular diversos temas ao redor de Heloísa (Camila Morgado). Que já tem uma vida complicada, carregando traumas do passado e aliando suas jornada de filha, mãe, esposa e profissional que lida diretamente com o crime. Ainda que alguns dos problemas enfrentados por ela acabem não tendo a resolução ideal ou o cuidado necessário, é interessante notar como a protagonista corre de um lado para o outro o tempo inteiro tentando resolvê-los, em mais um ótimo desempenho de Morgado (a exemplo do que foi visto em Bom Dia, Verônica). A produção oferece um ponto de vista majoritariamente feminino para um universo dominado por homens e, ainda por cima, consegue ter a sensibilidade de mostrar uma mulher em sua totalidade, de maneira natural, sendo justa e fazendo o que acredita ser o melhor para todos, colocando o lado humano e a vida sempre em prioridade". (Amazon Prime Video)