Depois que a série Round 6 virou um fenômeno de audiência e de crítica, os olhos ocidentais tornaram-se ainda mais atentos à produção audiovisual da Coreia do Sul — o movimento, vale lembrar, já havia se intensificado após as conquistas de Parasita (2019) no cinema, como a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme. Em cartaz na Netflix, a ficção científica O Mar da Tranquilidade surfa essa onda, mas também aproveita um triplo impulso proporcionado pelo mundo real. (Há um quarto, mas daí pisaríamos com muita força no terreno dos spoilers.)
Com oito episódios escritos e dirigidos por Choi Hang-yong, O Mar da Tranquilidade se passa em um futuro próximo, no qual, informam as notícias de TV, "a média anual de chuvas caiu novamente. Rios em grandes cidades do mundo revelam leitos secos, e o nível do mar está caindo, representando desafios para usinas de dessalinização. O Conselho Mundial de Recursos Hídricos prevê que a água do mundo será reduzida em 40% nos próximos 10 anos".
Eis o primeiro impulso extra, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde dezenas de municípios declararam situação de emergência por causa da estiagem que provocou incêndios no campo e nas florestas, racionamento de água para a população e prejuízos financeiros na agropecuária.
A série acompanha as aventuras, os dramas e as descobertas de uma missão espacial enviada à Lua. O objetivo, não tardaremos em saber, será recuperar amostras de uma substância que pode representar a salvação da humanidade — ou acelerar sua extinção.
Ainda que somente na cabeça de negacionistas e lunáticos as vacinas contra a covid-19 representem um perigo, O Mar da Tranquilidade espelha — aí está o segundo impulso extra — a corrida da ciência para desenvolver imunizantes. Como na vida real, interesses políticos e econômicos surgem como obstáculos na ficção. E questões éticas e morais pautarão (ou não) as ações.
A tal substância a ser encontrada na estação Balhae é o que chamam de água lunar. Aqui está o terceiro impulso: calhou de a série estrear às vésperas do anúncio por cientistas da China, no começo de janeiro, de que água líquida foi encontrada na Lua. Em outubro de 2020, a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, já havia comprovado a presença de moléculas de H2O no satélite. Agora, na primeira coleta realizada presencialmente desde 1976, os asiáticos deram mais um passo no plano de colonização lunar.
Para além das coincidências, O Mar da Tranquilidade oferece uma atmosfera de suspense construída a partir da combinação de uma ambientação fantástica (os passeios na Lua são deslumbrantes), personagens misteriosos e/ou carismáticos e uma narrativa que vai e volta no tempo — o ritmo, contudo, pode ser lento para alguns espectadores. Nossa guia é a doutora Song, pesquisadora interpretada com gravidade — sem trocadilho — por Bae Doona, vista em séries como Sense8 (2015-2018), Stranger (2017-2020) e Kingdom (2019-2020). Astro de Em Silêncio (2011) e de Invasão Zumbi (2016), Gong Yoo faz o comandante Han. Kim Sun-yang, atriz de Pousando no Amor (2019-2020), é a médica Hong, e Joon Lee, que integra o grupo de K-pop MBLAQ, encarna o capitão Tae-seok.
Há muitos outros tripulantes, como uma foto acima indica. Mas a largada da série, por sua vez, indica que nem todos chegarão ao final. Haverá conflitos internos, imprevistos, traições e sacrifícios — a propósito, esta é uma pergunta recorrente em O Mar da Tranquilidade: o quanto cada um de nós está disposto a pensar e agir pelo bem coletivo? O corre-corre na estação Balhae é entremeado por flashbacks que apresentam segredos e motivações dos principais personagens. Por experiência no gênero ou intuição, dá para antecipar alguns passos, alguns dilemas e algumas soluções. Mas em séries e filmes sul-coreanos podemos sempre esperar o inesperado. A poesia brota até da tragédia.