Antes de Round 6 se tornar um fenômeno de audiência na Netflix e de engajamento nas redes sociais, assisti ao primeiro episódio da série sul-coreana escrita e dirigida por Hwang Dong-hyuk. Foi o suficiente para decidir não continuar.
Por dois motivos.
Primeiro porque é impossível acompanhar todos os filmes e seriados lançados semanalmente pelas salas de cinema e pelas plataformas de streaming. Estou sempre fazendo escolhas.
Segundo, e principalmente, porque não estava interessado em compactuar com esse exercício de sadismo supostamente criativo e crítico.
Round 6 aposta em uma roupagem colorida para ilustrar um tema que já vem sendo bastante abordado em filmes e séries: a desigualdade social, o abismo entre ricos e pobres, o descaso dos primeiros para com os últimos ou a exploração dos últimos pelos primeiros. Vide o oscarizado Parasita (2019), do sul-coreano Bong Joon-ho (que também conduziu Expresso do Amanhã), Bacurau (2019), dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, O Poço (2020), do espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, O Tigre Branco (2021), do estadunidense de origem iraniana Ramin Bahrani, The White Lotus (2021), do californiano Mike White...
A forma violenta com a qual Dong-hyuk pinta seu retrato do capitalismo selvagem remete a outros tantos títulos do cinema e do streaming: a franquia Jogos Mortais (iniciada em 2004), o torturante O Albergue (2005), a saga Jogos Vorazes (2012-2015), o seriado brasileiro 3% (2016-2020), o terror Escape Room (2019), a adaptação do mangá Alice in Borderland (2020)...
À sensação de déjà vu — ampliada pela utilização de um figurino (macacões coloridos e máscaras sinistras) que segue os passos de outro sucesso global da Netflix, La Casa de Papel —, soma-se a percepção de que a Round 6 pouco importa a reflexão ou a profundidade. Não é por acaso que os desafios reproduzem brincadeiras infantis: Dong-hyuk busca simplificar o caminho para as explosões de violência, ao mesmo tempo apelando para nossas emoções primárias.
Nada contra a estilização da brutalidade. Sob a guarda da ficção, nos permitimos a violência abominável na vida real, mas libertadora e até fascinante quando de mentirinha. Sob a fantasia dos personagens, somos capazes de cruzar limites morais e inclusive matar.
A questão em Round 6 é um paradoxo ligado ao olhar do espectador.
Em tese, somos convidados a nos projetar nos pobres coitados e endividados que se engalfinham em jogos de sobrevivência: quem seria eu? O observador? O perseverante? O trapaceiro? O solidário? O perdedor?
Na prática, Hwang Dong-hyuk nos coloca no lugar dos promotores desse espetáculo perverso (a propósito: o diretor teatral Marcelo Restori lembrou das arenas romanas, onde os cidadãos assistiam aos escravos lutarem até a morte). Não é à toa que máscaras escondem os rostos dos VIPs e dos operadores das brincadeiras mortíferas. Primeiro porque o anonimato dá poder, como comprovam personagens da ficção tipo o Homem Invisível e os perfis de redes sociais que disseminam discursos de ódio e desinformação. Segundo, e principalmente, porque atrás delas poderia estar qualquer um de nós.
A série insta o público a adotar uma postura semelhante à dos VIPs: no conforto de nossos sofás, torcemos por um competidor cientes de que o sucesso dele representará a morte de todos os outros. Nosso, digamos, prazer depende da dor alheia. Para aliviar a consciência, nem precisamos tratar as vítimas como pessoas — são números: 001, 199, 212, 456...