Filmes e séries nos permitem extravasar fantasias e desejos reprimidos (de romance, de violência, de poder etc). Nem precisa ser por meio da história contada na tela. Dá para ser por fora também. Exemplo: minha postura como espectador é diametralmente oposta à minha postura como, digamos, namorador.
Sempre fui do namoro, e não da balada. Da continuidade, e não da quantidade. Depois daquele beijo, já queria saber dos próximos capítulos.
No sofá de casa, me transformo. Vivo paixões por uma noite apenas, não desenvolvo um relacionamento, desisto ou acabo sendo infiel.
Este texto, portanto, é um pedido de perdão a todas as séries que eu comecei e nunca terminei. E são muitas!
Há algo que me impele aos filmes em vez de aos seriados (com exceção dos curtos, tipo Fleabag ou After Life). Os primeiros, não raro estranhos que acabamos de conhecer, nos servem uma dose de mistério, um tanto de aventura e pitadas de dor ou humor — cada um sabe o que lhe atiça. São duas horas de arrebatamento e tchau, vamos dormir ou partir para outra.
As séries exigem comprometimento. Não entregam tudo de cara, às vezes até nos enrolam demais. Algumas entram nas nossas vidas cobrando juras de amor eterno — ironicamente, isso costuma vir de quem está sempre cercado pela morte, trabalhando em hospitais ou em delegacias. De jaleco ou de gabardine, se ajojam na nossa casa por 10, 15, 20 anos.
Começar a assistir a uma série longa é como noivar. Pede-se que a gente conheça os amigos e os parentes — vamos concordar que haja paciência para aguentar alguns que se intrometem na história, quebram o clima, desviam o foco.
Em um filme, se a coisa não está rolando, você olha o relógio e decide se suporta um pouco mais ou para por ali e vai em busca de outra companhia. Ninguém sai machucado.
Em uma série, a não ser que você dê meia-volta já no primeiro encontro, o balanço afetivo é mais complicado. Você olha para trás e vê o tempo investido. Relembra os bons momentos — mas será que eles ainda têm peso suficiente para manter uma relação que foi se desgastando? (Querida Daenerys, nem todo o fogo dos dragões manteve a paixão acesa).
Vou confessar: já fui covarde de dar o fora antes que a série me dissesse adeus. (Querido Dexter, você há de convir que o último ano do nosso relacionamento estava apenas esperando o legista).
É por essas e outras que evito encontros com a rainha Elizabeth ou com a Meredith Grey, por exemplo. Tenho medo de me apaixonar e depois me decepcionar, tenho medo de ficar preso e deixar de conhecer outras pessoas, tenho medo de trair ou ser traído (choro até hoje por Action, de 1999, ter sido cancelada no primeiro ano, e ainda estou furioso por não terem saído no Brasil os DVDs com as duas últimas temporadas de Boardwalk Empire).
Mas já vivi muitos casamentos felizes, vale dizer. Só tenho a agradecer por todos os anos que passamos juntos, Jerry Seinfeld, Tony Soprano, Jack Bauer, Michael Scott, Michael Scofield e Phil Dunphy. E já, já vamos curtir nossas últimas horas, Ray Donovan.