Desde quarta-feira (1º) no catálogo da Netflix, O Albergue (2005) é uma dupla sessão de tortura. Para os personagens e para os espectadores.
Não é que o filme seja malfeito. É que ele é do mal mesmo, tanto que há um duplo sentido no seu título original: Hostel tem grafia e pronúncia semelhantes às do adjetivo hostile, hostil.
O Albergue foi o segundo longa-metragem do diretor e roteirista americano Eli Roth, de Cabana do Inferno (2002), sobre o banho de sangue nas férias de um grupo de jovens na montanha. Depois, ele rodou uma sequência, em 2007, deu rosto ao Urso Judeu em Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino, e, recentemente, assinou a refilmagem de Desejo de Matar (2018), agora com Bruce Willis.
Roth conta que seu filme de terror cruza os rumores que achou na internet sobre uma casa de horror tailandesa – pagando US$ 10 mil, você podia entrar numa sala escura para torturar alguém – com uma experiência pessoal: na época da derrocada do comunismo, ele circulou como mochileiro por lugares desertos e sem viço do Leste Europeu.
A trama é a seguinte: em Amsterdã, depois de horas de sexo, drogas e música eletrônica, dois universitários americanos – o festeiro Paxton (Jay Hernandez) e o tímido Josh (Derek Richardson) – e um islandês tarado (Eythor Gudjonsson) recebem "a" dica. Em uma cidadezinha da Eslováquia, existe um albergue onde belas garotas são abundantes e bastante receptivas a um sotaque estrangeiro.
Até então, O Albergue desenvolve-se quase como uma comédia na linha Férias Frustradas, refletindo – intencionalmente ou não – o turvo olhar do americano médio sobre os outros povos. Afinal, não parece sátira sutil, mas só ignorância quando o informante dos mochileiros justifica a fome de sexo das eslovacas devido à escassez de homens "por causa da guerra". Se a referência é à guerra civil na Iugoslávia, nos anos 1990, vai ver Roth quis dizer Eslovênia.
No seu gênero, O Albergue encontra muitos pares. Repete a clássica punição para o desejo sexual de títulos antológicos, como Sexta-Feira 13 (1980). Como em Wolf Creek (2005), em que três jovens viajantes acabam vítimas de um sádico, Roth guarda a violência para a segunda metade do filme. Como em Jogos Mortais (2004), a sanguinolência é repugnante (corpos perfurados com broca, retirada de órgãos sem anestesia).
O auê em torno de O Albergue, à época de seu lançamento no cinema (o trailer passava seguidamente na TV), era um retrato daqueles tempos em que até desenhos animados investiam no gore – criaturas fofinhas eram submetidas a atos de brutalidade em Happy Tree Friends, sucesso na MTV e na internet.
Também ajudava o fato de Eli Roth ser apadrinhado por Quentin Tarantino. Desde o sucesso de Pulp Fiction (1994), o nome do cineasta americano funciona como chancela para a fruição da violência como divertimento.
Contudo, o sadismo de O Albergue não permite risos – e o que é mais incômodo: o público pode se ver aliviado quando um dos jovens, para sobreviver, usa as mesmas armas e os mesmos métodos de seus algozes.