Quem assistiu ao primeiro Jogos Mortais no cinema, em 2005 no Brasil, tem idade para lembrar um famoso repelente de mosquitos que tinha o formato de uma espiral. Quem o usava acendia a sua ponta, geralmente de noite, e ele ia queimando e diminuindo. Na manhã seguinte, era apagado para ser usado mais tarde. O ritual se repetia até que o inseticida se acabasse. Dito isso, é simbólico que o novo – e nono – filme da franquia, que estreou nos cinemas, chame-se justamente Espiral.
Jogos Mortais, que teve o seu pontapé inicial com um dos diretores mais promissores e bem-sucedidos de sua geração, James Wan, perdeu força após a saída do cineasta do comando das produções e, a cada novo capítulo lançado, a relevância da saga ia se esvaindo. Chegou o momento em que a história estava tão desgastada que, em 2010, o sétimo filme foi anunciado como o último. Porém, em 2017, uma nova tentativa de trazer as armadilhas engenhosas de volta chegou aos cinemas. E não funcionou, amargando uma bilheteria fraca e uma pilha de críticas negativas.
A franquia, então, parecia que iria receber o seu merecido descanso. Mas um casamento no Brasil mudou tudo. Chris Rock, comediante que se autointitula fã de Jogos Mortais e dos filmes de terror, viu-se, em uma cerimônia matrimonial realizada no país, sentado ao lado de Michael Burns, vice-presidente da Lionsgate, estúdio que detém os direitos da saga, e aproveitou o momento para vender a sua ideia – que tinha a ver com injetar um tom cômico entre os banhos de sangue. O executivo se empolgou. Pouco tempo depois, Rock já estava no set, gravando o filme.
Espiral acompanha a história do detetive Ezekiel “Zeke” Banks (Rock), filho de uma lenda aposentada da polícia, Marcus Banks (Samuel L. Jackson), mas que é odiado por seus colegas de delegacia após ter denunciado um esquema de corrupção no departamento. Sempre designado para casos menores, ele acaba se vendo no meio da caçada a um serial killer que emula o trabalho de Jigsaw – morto no terceiro filme da franquia, mas que segue presente, de um jeito ou de outro – e que está matando os homens da lei que não andam tão na lei assim.
A ideia de Rock, realmente, é interessante. Pendendo mais para o lado policial e ainda trazendo o quase sempre divertido choque entre um policial veterano, Zeke, e um novato, William Schenk (Max Minghella, de The Handmaid’s Tale), Espiral poderia ser o filme que colocaria a franquia de volta ao status de relevante. Porém, a oxigenação da saga dependia de novas visões e de trilhar um novo caminho. Chamar de volta a equipe envolvida no declínio da série não parece uma decisão coerente.
Darren Lynn Bousman, responsável por dirigir os capítulos 2, 3 e 4, ou seja, filmes que gradativamente foram perdendo qualidade e levando a franquia Jogos Mortais para um caminho praticamente sem volta, é quem comanda Espiral. Josh Stolberg e Pete Goldfinger, que escreveram o longa de 2017, Jogos Mortais: Jigsaw, que tentou ser um revival para a saga, ficaram com a tarefa de desenvolver o roteiro do novo longa. Ou seja, o sangue novo trazido pelo argumento de Chris Rock foi entregue ao pessoal que já tinha realizado trabalhos aquém do esperado pelos fãs.
Armadilhas
Mas nem tudo é problema em Espiral: o elenco, pela primeira vez, conta com nomes realmente conhecidos de Hollywood – até então, o único ator de renome que havia estrelado algum dos longas era Danny Glover, no primeiro. Chris Rock, que vem se aventurando fora do humor nos últimos anos (foi protagonista da quarta temporada de Fargo), entrega um Zeke interessante. Apesar de não ser tão convincente nos momentos mais sérios, é dono de excelentes monólogos. Minghella é eficiente em sua tarefa dentro da trama, e Jackson, apesar do pouco de tempo de tela, é sempre uma grande presença em cena.
Porém, os fãs de terror se interessam mais é pelas outras estrelas da franquia: as armadilhas mortais. E, bem, elas estão lá, mas menos divertidas e elaboradas. As engenhocas perdem espaço para a trama de Zeke e isso até é um ponto positivo, pois elas estão menos criativas e partem logo para as mutilações. Não existe muito tempo para grandes reflexões ou para arrependimentos por parte das vítimas e, consequentemente, elas sofrem menos. É tudo muito rápido e sem inspiração. O emulador de Jigsaw não estudou profundamente a obra de seu ídolo.
Por sinal, o novo assassino, que deveria ser uma grande revelação no final, não é surpresa nenhuma. Assim como o restante do longa, toda a trama se desenrola de maneira muito rápida, e as motivações são rasas. Logo, para criar algum tipo de lógica, alguns diálogos acabam sendo bem mais expositivos do que deveriam, estragando um possível impacto ao revelar a mente maligna que está mexendo as cordas por trás dos assassinatos.
A experiência com o novo Jogos Mortais acaba sendo frustrante por vários motivos, mas, ainda assim, é divertido ver Chris Rock banhado de sangue e bancando um policial durão, o que acaba fazendo a experiência valer a pena momentaneamente. Ao final do filme, fica cada vez mais claro que, assim como o repelente citado anteriormente, essa espiral já foi acessa muitas vezes e chegou ao seu fim.