Basquete, dizem, é o jogo que deveria começar nos dois minutos finais — esses é que são empolgantes. Em cartaz na HBO Max, a série Lakers: Hora de Vencer desmonta o aforismo: o esporte empolga o tempo todo, inclusive aquele passado fora da quadra. Aliás, os bastidores podem ser mais quentes, mais imprevisíveis, mais explosivos.
Ainda não cheguei ao quinto dos 10 episódios da primeira temporada, que foi ao ar na noite deste domingo (3), mas asseguro que é o grande seriado do momento. Por sua própria natureza — trata-se de uma reconstituição de época, com (algum) compromisso biográfico —, não é tão inventiva quanto Ruptura nem traz os temas candentes abordados por essa série da Apple TV+ que reflete sobre a era do burnout. Mas cada capítulo provoca excitação igual ou maior, cada final cria uma expectativa monstra para o próximo.
Lakers: Hora de Vencer é inspirada no livro Showtime (2014), do jornalista Jeff Pearlman, e foi desenvolvida por Max Borenstein — um dos roteiristas dos filmes com Godzilla e coautor da série The Terror (2018-2019) — e Jim Hecht. A série reconstrói, ficcionalmente, a história do Los Angeles Lakers a partir de sua aquisição, em 1979, por Jerry Buss, magnética e despudoradamente interpretado por John C. Reilly, ator recorrente na filmografia do cineasta Paul Thomas Anderson e indicado ao Oscar de coadjuvante pelo musical Chicago (2002). Ele é um excêntrico homem de negócios que quer transformar o basquete em um espetáculo tanto dentro como fora das quadras. Sob o comando de Buss (1933-2013), o time encerrou a sina de morrer na praia. Entre 1962 e 1973, perdera oito finais da NBA, a liga norte-americana de basquete, sendo seis delas para o Boston Celtics (a rivalidade é explorada na trama), e ganhara apenas um título, o de 1972. Entre 1980 e 2010, o Lakers foi 10 vezes campeão (e vice outras seis vezes).
O elenco de personagens inclui os jogadores Kareem Abdul-Jabbar (vivido por Solomon Hughes, que jogou nos tempos de faculdade, chegou a atuar com os Harlem Globetrotters e, aos 43 anos, estreia como ator), Earvin "Magic" Johnson (encarnado por outro novato, o promissor Quincy Isaiah, 26) e Norm Nixon (DeVaughn Nixon, ator de seriados como Fugitivos e Snowfall e filho do ex-atleta). Os três são craques com a bola nas mãos, mas nem tanto quando estão longe dela. Kareem é socialmente recluso, Johnson, um mulherengo incorrigível — apesar das juras de amor para Cookie, sua futura esposa —, e Nixon, um marrento. Há também os treinadores Jerry West (Jason Clarke, dos filmes Planeta dos Macacos: O Confronto e O Diabo de Cada Dia, aqui em um de seus melhores desempenhos), Pat Riley (Adrien Brody, oscarizado por O Pianista) e Jack McKinney (Tracy Letts, de Ford vs Ferrari), que revolucionou o padrão de jogo da equipe. A propósito, um dos méritos da série é não ser hermética para quem não domina o garrafão: por meio de McKinney, entendemos qual foi e o objetivo de sua revolução tática.
Cabe destacar ainda um trio de atrizes de diferentes gerações. Ganhadora do Oscar por Norma Rae (1979) e por Um Lugar no Coração (1984), Sally Field, 75 anos, interpreta Jessie Buss, mãe e contadora de Jerry. Duas vezes concorrente ao Emmy de coadjuvante, pela série Transparent (2014-2019), e vista recentemente no filme Sempre em Frente (2021), Gaby Hoffmann, 40, faz o papel de Claire Rothman, gerente do ginásio do Lakers, The Forum — que ela ajudou a transformar em palco para shows de artistas como Prince e a banda Duran Duran. E Hadley Robinson, 27, é Jeanie Buss, filha de Jerry e atual presidente do Lakers — em uma das liberdades artísticas tomadas em Hora de Vencer, ela começou como uma espécie de estagiária na franquia esportiva; na vida real, iniciou sua carreira, aos 19 anos, já em cargo executivo, à frente do Los Angeles Strings, uma equipe de tênis.
Antes de prosseguir, vale ressaltar como a distribuição à moda antiga, com um episódio por semana, faz bem. Por um lado, dá mais tempo de vida para as séries. Cada episódio vira um evento, gera repercussão, ao contrário do que ocorre com as atrações despejadas por inteiro, que não raro acabam consumidas vorazmente, sem a devida digestão. Na outra ponta, o método a conta-gotas tira dos nossos ombros a pressão para assistir a tudo atabalhoadamente, sem pausa para refletir, combatendo o sono para não ficar por fora nas conversas das redes sociais nem se expor a spoilers.
No caso de Lakers, o intervalo de sete dias também abre uma janela de tempo para pesquisar sobre personagens e acontecimentos retratados e para assistir a títulos ligados ao assunto. Algumas dicas:
- O documentário Kareem: Minoria de Um (2015, na própria HBO Max), que recupera a trajetória ímpar de Abdul-Jabar, desde os tempos de basquete universitário, quando ainda era chamado de Lew Alcindor, antes da conversão ao islamismo, até a aposentadoria, em 1989, na condição de maior cestinha da NBA (um recorde ainda não quebrado), passando por suas aventuras no cinema - contracenou com o mestre das artes marciais Bruce Lee em Jogo da Morte e fez humor sobre si próprio em Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!;
- O filme High Flying Bird (2019, na Netflix), um drama dirigido por Steven Soderbergh cujo protagonista é um agente de jogadores que se vê em risco durante um locaute, uma paralisação deflagrada pelos donos dos times;
- A minissérie em 10 episódios, premiada com o Emmy na categoria de não ficção, Arremesso Final (2020, na Netflix), sobre a dinastia sucessora dos Lakers, a do Chicago Bulls de Michael Jordan, com seis troféus conquistados entre 1991 e 1998;
- E Briga na NBA (2021, na Netflix), episódio da série documental Untold que reconstitui o antes e o depois de um grave incidente em jogo de 2004 entre Detroit Pistons e Indiana Pacers.
A história de Lakers começa pelo que parece ser o fim da jornada: a descoberta, em 1991, de que Magic Johnson era soropositivo, o que provocou a interrupção de sua carreira, após ganhar cinco títulos em nove finais da NBA. Embalados pela vibrante música My Favourite Mutiny (2006), da banda californiana de hip hop The Coup, os créditos de abertura remetem aos de outra série da HBO Max, Succession: apresenta uma colagem de imagens de época misturadas a cenas ficcionais que simulam ser antigas (por falar nisso, Hora de Vencer foi filmada com equipamentos que reproduzem a cor e a textura associadas a produções documentais da década de 1980).
Não parece coincidência, nem descuido, mas, sim, proposital — uma declaração de ambição artística dos criadores Borenstein e Hecht. Um alerta de que sua obra não vai se restringir ao âmbito esportivo, mirando também nas intersecções com a economia, a cultura, a política, a criminalidade, a vida cotidiana — além de não se prender às convenções do drama: há muito da comédia. E embora a sombra de Shakespeare não se faça presente e os laços de parentesco sejam muito menores do que na saga do conglomerado de mídia e entretenimento da família Roy, aqui também há duelos verbais, personagens esnobes, gente movida pela cobiça, crises financeiras ou de opinião pública, intrigas, reviravoltas, mancadas, puxadas de tapete e acidentes. Igualmente como em Succession, os frequentes movimentos de câmera, o uso de zoom para flagrar as reações dos personagens e a edição ágil realçam a urgência e os riscos - só que também podem servir de alívio cômico.
A proximidade entre as duas séries é reforçada pelo nome do cineasta Adam McKay, realizador de A Grande Aposta (2015), Vice (2018) e Não Olhe para Cima (2021) — todos indicados ao Oscar de melhor filme. Ele dirigiu o primeiro episódio e é um dos produtores executivos de Succession, funções repetidas em Lakers. McKay imprime seu estilo, que é seguido pelos demais diretores (como o ator Jonah Hill, que trabalhou em Não Olhe para Cima e assina o segundo capítulo) em menor ou maior grau (o quarto conta com sequências em desenho animado!). Os atores quebram a quarta parede, falando diretamente com o público — apesar de já ser bem conhecido, o recurso ainda pode ser desconcertante e fascinante; textos se sobrepõem às imagens, não raro dando sentido diferente ao que estamos vendo; e há aquela característica mistura de comédia ácida, drama e comentário sócio-político-econômico — na estreia, um tema forte é o racismo, como visto também no documentário Briga na NBA.