Cartaz da Tela Quente desta segunda-feira (4), a partir das 23h55min, na RBS TV, Escobar: A Traição (2017) coloca em cena o casal Javier Bardem e Penélope Cruz para narrar a história de um personagem mítico do mundo do crime. O colombiano Pablo Emilio Escobar Gaviria (1949-1993) era um pequeno contrabandista que, a partir de 1975, começou a construir um império à base de cocaína. El Patrón, como era chamado, produzia a droga às toneladas e vendia com milionária margem de lucro para o mundo — em especial nos Estados Unidos.
À frente de seu negócio, Pablo Escobar mostrou ser um empresário astuto e visionário. Sob a tática "plata ou plomo" (em português, dinheiro ou chumbo), colocou sob seu controle políticos e policiais. Mandava e desmandava na Colômbia, transformada em um reinado tanto de terror (vide os assassinatos de três candidatos à Presidência e o atentado que matou 107 pessoas no voo 203 da Avianca) e ostentação (vide La Catedral, a luxuosa prisão que ele construiu para si mesmo, que incluía TV de 60 polegadas, banheira, boate e um campo de futebol). Via-se como um Robin Hood — distribuía dinheiro para as comunidades pobres — e como um semideus: "Gostaria de morrer de pé, no ano de 3047", chegou a dizer a um jornalista. Sua presunção de onipotência acabou contribuindo para sua derrocada, em 2 de dezembro de 1993, quando teve seu paradeiro em Medellín descoberto por militares colombianos e agentes do DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos.
Com um personagem complexo e cheia de momentos marcantes, essa trajetória já rendeu uma porção de filmes, séries e documentários. Podemos dizer que Pablo Escobar é um subgênero. Dirigido por Ted Demme e estrelado por Johnny Depp e, curiosamente, Penélope Cruz, Profissão de Risco (Blow, 2001) é uma versão ficcional da vida de George Jung, sujeito de boa família que contribuiu para a introdução do tráfico de cocaína nos EUA. O documentário Os Dois Escobares (The Two Escobars, 2010), de Jeff Zimbalist e Michael Zimbalist, observa a ligação entre Pablo Escobar e o jogador de futebol Andrés Escobar, assassinado 10 dias depois da eliminação da seleção colombiana na Copa do Mundo de 1994. Outro documentário lançado em 2010, Pablo's Hippos, de Lawrence Elman e Antonio Von Hildebrand, adota a perspectiva de um dos muitos hipopótamos que Escobar mantinha em sua fazenda.
Benicio Del Toro interpretou o barão da cocaína em Escobar: Paraíso Perdido (Paradise Lost, 2014), de Andrea Di Stefano, sobre um jovem surfista que conhece a garota de seus sonhos — até descobrir que ela é sobrinha de Don Pablo. Conexão Escobar (The Infiltrator, 2016), de Brad Furman, Bryan Cranston encarnou o oficial da alfândega Robert Mazur, que se infiltrou no tráfico para ajudar a desmantelar a conexão entre Colômbia e Miami. Em Feito na América (American Made, 2017), de Doug Liman, Tom Cruise viveu Barry Seal, um piloto de avião que, na década de 1980, atuava para a CIA e para o Cartel de Medellín ao mesmo tempo.
Entre as séries, merecem destaque a colombiana Pablo Escobar, El Patrón del Mal (2012), com Andrés Parra à frente do elenco, e Narcos (2015-2017), que valeu ao brasileiro Wagner Moura uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator.
Escobar: A Traição (Loving Pablo no título original) aposta em um ângulo diferente para recontar alguns dos principais momentos na vida do criminoso. Com direção não muito inspirada do espanhol Fernando León de Aranoa — que trabalhara com Javier Bardem no premiado Segunda-Feira ao Sol (2002) e voltaria a comandar o ator no também laureado O Bom Patrão (2021) —, o filme é uma adaptação do livro Amando Pablo, Odiando Escobar (2007), escrito pela jornalista de TV Virginia Vallejo, que teve um caso com o bandido na década de 1980.
Quando a trama começa, Virginia (Penélope Cruz, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante por Vicky Cristina Barcelona) está em um avião a caminho dos EUA, em 1993, sob a proteção de um agente do DEA, Shepard (Peter Sarsgaard) — que é baseado em um personagem real, Steve Murphy. Ao ser levada para um hotel em localização desconhecida, a jornalista, em off, relembra: "Sempre havia dúzias de rosas brancas me esperando em cada suíte. Mas os homens à porta não usavam uniformes (policiais). Usavam Armani".
Comentários de Virginia vão pontuar o resto do filme, que volta no tempo para reconstituir os passos de Escobar desde o dia em que os dois se conheceram, em 1981, até o 2 de dezembro de sua morte, em 1993. Mas o verdadeiro protagonista é El Patrón, que permite a Bardem (ganhador do Oscar de ator coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm Vez) explorar sua postura corporal, sua expressividade facial e seu olhar fulminante.
Embora o roteiro também invista na visão crítica de Escobar sobre os políticos (todos seriam corruptíveis), no seu carinho pela família e no seu lado, digamos, social, esse desempenho sobretudo físico do ator espanhol evita que Escobar: A Traição incorra na glamorização de Escobar, tão criticada pelo filho do chefão do narcotráfico colombiano, Sebastián Marroquín, 45 anos, que mudou de nome (foi batizado Juan Pablo Escobar) depois da morte de seu pai e que estrelou o documentário Pecados do meu Pai (2009), de Nicolas Entel.
— Não me oponho que as histórias sejam contadas, mas sim que glorifiquem os criminosos e mostrem o tráfico de drogas com glamour, pois isso confunde os jovens — declarou ao jornal espanhol El Periódico em 2017. — Todos os dias recebo mensagens de jovens me pedindo ajuda para ser como meu pai. Querem ser bandido, me mandam fotos vestidos como ele, com seu bigode, seu penteado, fazendo todo um elogio à violência. As narcosséries converteram meu pai em um herói e incentivam nos jovens a ideia de que ser narcotraficante é bacana.