Nem chegamos à metade de março e já temos um forte candidato ao posto de filme mais triste do ano. Mas Sonhos de uma Vida, lançado recentemente pelo Amazon Prime Video, não nos arrebata como Laço Materno, o japonês detentor do troféu de 2020.
Na verdade, Sonhos de uma Vida só não vira Sonos de uma Vida porque há três Javier Bardem em cena. Somados, até que lembram a grande fase do ator espanhol, na primeira década do século 21: ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), duas vezes a Copa Volpi, no Festival de Veneza (por Antes de Anoitecer, de 2000, e Mar Adentro, de 2004) e a Palma de Ouro em Cannes (Biutiful, de 2010). Também concorreu ao Oscar de melhor ator por Antes de Anoitecer e Biutiful e disputou o Globo de Ouro por Mar Adentro e Vicky Cristina Barcelona (2008).
O título nacional é bastante genérico e menos poético do que o original, The Roads Not Taken (as estradas ou os caminhos não tomados). Que é, também, um nome mais adequado ao filme escrito e dirigido pela inglesa Sally Potter — de Orlando (1992) e Ginger & Rosa (2012) —, que ainda assina a música e divide a edição com outros dois montadores.
Acompanhamos três narrativas, todas tendo ao centro o personagem de Bardem, mas em situações e cenários distintos e com diferentes coadjuvantes. Na primeira delas, a principal, o ator encarna Leo, um homem envelhecido e demente a quem a jovem filha, Molly (Elle Fanning, de Malévola e de Um Dia de Chuva em Nova York), precisa levar ao dentista. A jornada mostra-se bastante desafortunada.
Na segunda, estamos no México. Como na trama nova-iorquina, flagramos Leo, agora remoçado, na cama. Sua esposa, Dolores (Salma Hayek), pede que ele se apronte, pois ambos têm um compromisso, mas Leo está relutante. A jornada revela-se bastante sofrida.
Por fim, visitamos a Grécia, Leo é um escritor que dá início a uma espécie de flerte com a alemã Anni (Milena Tscharntke), que o faz lembrar da filha a quem ele deixou para trás. A jornada parece levar o filme para um caminho, mas também termina bastante triste.
Sonhos de uma Vida intercala essas narrativas, todas elas transcorridas ao longo de um único dia. Por conta dos deslocamentos e da odisseia emocional de cada versão do protagonista e por causa dos nomes Leo e Molly, me vi pensando no Leopold Bloom e na Molly do Ulisses (1921) do escritor James Joyce, embora aqueles personagens fossem marido e esposa, e não pai e filha. Mas não encontrei nada na internet que corroborasse essa impressão, então, deixem pra lá.
Como Nova York é o eixo, somos instados a crer que as passagens no México e na Grécia são memórias, fantasias ou delírios do demente Leo. Mas também podem ser os caminhos não tomados pelo protagonista. Meio que tanto faz. É um "mistério" que nada acrescenta a uma trama cansativa apesar de suas variações. O final dá um senso de ordem, mas a última cena de novo abre margem para elucubrações estéreis do espectador. No que Sonhos de uma Vida se prova fértil é na exposição (intensificada pelo estilo de atuação de Javier Bardem) de melancolia, dor, choro, doença, humilhação, raiva, incompreensão, mágoa, ameaça, morte, luto e toda sorte de substantivos que costumamos associar a um filme triste. Muito triste.